Professor por vocação

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terça-feira, 23 de novembro de 2010

Modelo teórico do Artigo Científico

VER:
http://www.read.ea.ufrgs.br/enviar_artigo/ArtigoCientifico.pdf

TÍTULO DO ARTIGO: subtítulo (se houver)

Nome do autor


RESUMO

[Resumo obrigatório, constituído de frases concisas e objetivas. Deve ter, no máximo, 250 50 palavras. Fonte Arial 12 e espaçamento 1,5. Logo após, deve ser seguido pelas palavras-chave representativas do conteúdo (escritas com primeira letra maiúscula e separadas por ponto-final).] Xxxxxxxx xxxxxxxxxxxx xxxxx x xxxxx x xxxxx xxxxx xxxx xx xxxxxxxxxxxxxxxxx xxxxxxxx xxxxxxxxxxxxx xxxx xxxx xxxx xxx xx xxxxxxxxxxxxxxx xxxxxxxxx xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx xxxxx. (...)

Palavras-chave: Palavra1. Palavra 2. Palavra 3.


ABSTRACT [RESUMO EM LÍNGUA ESTRANGEIRA]

[Elemento obrigatório. O resumo em língua estrangeira deve seguir as mesmas orientações do resumo em língua portuguesa.] Xxxxxxxx xxxxxxxxxxxx xxxxx x xxxxx xxxxxxxxxxxx xxxxx x xxxxx x xxxxx xxxxx xxxx xx xxxxxxxxxxxxxxxxx xxxxxxxx xxxxxxxxxxxxx xxxx xxxx xxxx xxx xx xxxxxxxxxxxxxxx x xxxxx x xxxxx. (...)

Keywords: Palavra1. Palavra 2. Palavra 3.

INTRODUÇÃO

[Delimitação do assunto, objetivos da pesquisa, contextualização do tema. Fonte 12, espaçamento 1,5 DUPLO] Xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx xxxxxxxxxxx xxxxxxxx xxxxxxxx xxx xxx xx xxxx xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx xxxxxxxxxxxxxxx xx.

DESENVOLVIMENTO

[Exposição ordenada e pormenorizada do assunto tratado. Pode ser dividido em seções e subseções. Fonte 12, espaçamento 1,5 DUPLO].
Xxxxxxxxxxx xxxxxxxxxxxxx xxxxxxxx xxxxxx xxxxxx xxxxxxx xxxxxxxx xxxxxxx xxxxx xxxxxxxxxx xxxxx xxxxxxxxxx xxxxxx xxx xxxxx xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx xxxxxxxxxxxxxxx xxxxxxxxx.
Xxxxxxxxxx xxxxxxxxx xxxxxxxxxxxxx xxxxx xxxxxx xxxxxxxxxxxxxx xxxxxxxxxxxxx
Xxxxxxxxxxxxxxxx xxxxxxxxxxxxx xxxxxxxxxxxxx xxxxxxxx xxx xxxxxxx xxxxxx xxxxxxxx xxxxxxxx xxxxxxxxx xxxxx xxxxxxx xxxxxxxxxxxxxxxx xxxxxxxxx xxxxxxx xxxxxxxxx xxxxxxxxxx xxxxx xxxxxxxxxxxxxxxxxxx xxxxxxxxxxxxxx xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx xxxxxxxxxxx xxxxxxxxxx xxxxxxxxxxx xxxxxxxxx xxxxx xxxxxxxxxxx x xxx xxxxxxxxxxxx xxxxxxxxxxxxx (AUTOR, Ano, p. )
Xxxxxxxxxxxxx xxxxxxxxxxxx xxxxxxxxxxxx xxxxxxxxxx xxxxxxxxxxxxx xxxxxxxxx xxxxxxxxx xxxxx xxxxxxxxxx xxxxxxxxxx xxxxxxxxxxx xxxxxxxxxxxxxx xxxxxxxxx xxxxxxxxxxxxx xxxxxxxxxx xxxxxxxxxxx xxxxxxxxxx xxxxxxxxxxxxxxxxxxx xxxxxxxxxxxx xxxxxxxxxxxxxxxxx xxxxxxxxxxxxxxxx xxxxxxxxxxxxx xxxxxxx xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx xxxxxxx xxxxxxxxx xxxxxxxxxxx xxxxxxxxxxxx xxxxxxxxx xxxxxxxxxx1.

1 XXXXXXXXXXXX SEÇÃO PRIMÁRIA [título em caixa alta, negrito]2

Xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx

1.1 xxxxxxxxxxxx SEÇÃO SECUNDÁRIA [título em caixa alta]

Xxxxx xxxxxxxx xxxxxxxxxxx xxx x xxxxxxxx xxxxxxxx xxx xxx xx xxxx xx . Xxxxx xxxxxxxx xxxxxxxxxxx xxx x xxxxxxxx xxxxxxxx xxx xxx xx xxxx xx. (...)

1.1.1 Xxxxxxxxxxxxx Seção terciária [Título em maiúscula/ minúscula e negrito]

Xxxxx xxxxxxxx xxxxxxxxxxx xxx x xxxxxxxx xxxxxxxx xxx xxx xx xxxx xx . Xxxxx xxxxxxxx xxxxxxxxxxx xxx x xxxxxxxx xxxxxxxx xxx xxx xx xxxx xx. (...)

1.1.1.1 Xxxxxxxxxx Seção quartenária [título em maúscula/minúscula]

Xxxxx xxxxxxxx xxxxxxxxxxx xxx x xxxxxxxx xxxxxxxx xxx xxx xx xxxx xx . Xxxxx xxxxxxxx xxxxxxxxxxx xxx x xxxxxxxx xxxxxxxx xxx xxx xx xxxx xx. (...)

1.1.1.1.1 Xxxxxxxxxxx Seção quinária [título em maúscula/minúscula e itálico]

Xxxxx xxxxxxxx xxxxxxxxxxx xxx x xxxxxxxx xxxxxxxx xxx xxx xx xxxx xx . Xxxxx xxxxxxxx xxxxxxxxxxx xxx x xxxxxxxx xxxxxxxx xxx xxx xx xxxx xx. (...)
a) alínea;
b) alínea:
- subalínea;
- subalínea.
Xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx




MAPA 1 Mapa xxxxxxx xxxxxxxx xxxxxxxxxx xxxxxxxxxxxxxx xxxxxxxx xxxxxxx xxxxx xx xxxxxxxx xxxxxxxxx xxxxxxxxxxxxx.

Xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx

CONCLUSÃO

[Conclusões correspondentes aos objetivos e hipóteses. Fonte 12, espaçamento 1,5 DUPLO]. Xxxxx xxxxxxxx xxxxxxxxxxx xxx x xxxxxxxx xxxxxxxx xxx xxx xx xxx
Referências

AUTOR, Nome do. Título do livro. Número da edição (ex: 2.ed). Local de Publicação: Editora, Ano.

xxxxxxx, Xxxxx Xxxx . Xxxxxxxxxx xxxx xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx. X ed. Xxxxxxx: Xxxxxx, XXXX.

xxxxxxx, Xxxxx Xxxx . Xxxxxxxxxx xxxx xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx. X ed. Xxxxxxx: Xxxxxx, XXXX.



GLOSSÁRIO [elemento opcional. Deve ser feito em ordem alfabética]
APÊNDICE [elemento opcional]
ANEXO [elemento opcional]
AGRADECIMENTOS [elemento opcional]
Data de entrega: [elemento opcional]

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

3º ano - Tarefas para a Mostra Textual

Pablo e Silmara,

Pablo... uma das suas frases me fez pensar. Você disse que ainda se sentia muito ligado ao Machado, e que não conseguia desvincular-se da figura dele. Talvez a Silmara sinta o mesmo e isso é ótimo porque me dá margens para trabalhar com um elemento narrativo muito interessante: o narrador, então eu decidi apelar pro potencial de pesquisa dos dois.
Clarice foi a escolha, então vamos lá...
A revista Carta na Escola, na edição de março de 2010, diz que a obra de Clarice é clássica, ao lado de outros clássicos como Machado de Assis, Guimarães Rosa, Katherine Mansfield, Virgínia Woolf e James Joyce. Todo o artigo é intenso e complexo como a obra dela, principalmente no que se refere à técnica narrativa, porque ela usava o fluxo de consciência para expor sua ficção.
O texto também afirma que ela escreve a partir de muitos gêneros textuais, sempre seduzindo o leitor menos avisado com seu poder de hipnótico, que nos leva a questionar hábitos e conceitos. Machado também gostava de interagir psicologicamente, como faz Bentinho, em Dom Casmurro.
Nâo sei se podemos dizer o mesmo de Clarice. A narrativa dela é exclusiva.
A partir de um determinado ponto de sua trajetória literária, ela se volta para as cenas urbanas do Rio de Janeiro, onde morou de 1935 até 1944 e a partir de 59, quando voltou dos EUA, divorciada e mãe de dois filhos. Vocês vão descobrir semelhanças e diferenças entre Clarice e Machado e é isso o que eu quero.
A tarefa é a seguinte:
A partir da leitura de Laços de Família, escolham dois ou três contos e desenvolvam uma reflexão sobre o perfil do narrador de cada um. Qual o grau de envolvimento com a matéria relatada? Há distanciamento, profundidade ou fusão com o protagonista ou com outro personagem? Há identificação entre o protagonista e a autora?
Tracem um paralelo com o que vocês sabem sobre os narradores de Machado de Assis. Em que se comunicam? Seus estilos interagem? Como?

Não é uma tarefa fácil, mas é um desafio intelectual exclusivo, agora..
Como a leitura de Clarice.

Boa sorte!

sábado, 6 de novembro de 2010

Singularidades de uma rapariga loura - Eça de Queirós - resumo e comentário sobre O desertor - Silva Alvarenga

O desertor (Poema), de Manuel Inácio da Silva Alvaregnga (comentário)

O desertor, também conhecido como O desertor das letras, foi escrito pelo poeta árcade Silva Alvarenga. É o primeiro poema herói-cômico da literatura brasileira, feito em homenagem à inauguração da estátua eqüestre de D. José I. A construção da estátua fazia parte do projeto pombalino para celebrar a reconstrução de Lisboa depois do desastroso terremoto de 1755.

Publicado em 1774, O desertor faz uma crítica satírica aos hábitos e comportamentos de parte da juventude do período, firmando-se como um dos textos mais importantes para o estudo da ilustração luso-americana no século XVIII. Revela o otimismo do autor em relação à Reforma da Universidade de Coimbra como uma vitória das Luzes e da Ciência contra a escolástica. Ressalta na intencionalidade do autor, expressa na introdução teórica ao poema, que ele tinha a intenção de fazer de seu poema uma arma estética a favor da Reforma e isso se expressa na forma combativa como ele o estrutura.

É nesse poema que ficam claras as opções estéticas do poeta. Observa-se uma afeição ao Arcadismo que tinha como princípio a defesa da razão contra aos exageros das expressões vazias carregadas de metáforas e paradoxos inócuos do Barroco. Como bom adepto da Ilustração, Silva Alvarenga, em seus poemas, exalta o papel das ciências. Caracteriza-se pelo entusiástico apoio dado ao Marquês de Pombal pela civilização do ensino, revolucionária reforma educacional feita na Universidade portuguesa que destituiu os jesuítas das funções de administração e magistério até então exercidas. Essas reformas visavam extirpar da educação portuguesa as marcas deixadas pelo método peripatético utilizado nas escolas da Companhia de Jesus, instituição que era, desde meados do século XVI, a grande responsável pelo ensino português.

O desertor é um poema relativamente curto: narra, ao longo de cinco cantos – compostos de decassílabos brancos.

Singularidades de uma rapariga loura (Eça de Queirós)

O narrador tratava-se de um viajante que chegado a uma hospedaria durante o jantar iniciou uma conversa com um homem que mais tarde veio ser apresentado como Marcário. O viajante perguntou a ele se ele era da Vila Real e tendo uma resposta afirmativa comentou que de lá vinham as mais belas mulheres. Marcário, em seguida, se calou e perdeu o sorriso se retirando da mesa.

Depois disso o viajante foi para seu quarto, o de número 3, que por coincidência era o mesmo de Marcário e foi ali na escuridão da noite que ele contou ao viajante a sua história.

Marcário trabalhava com seu tio Francisco, um caixeiro. Ele era um homem honesto, fiel ao seu trabalho, vivia uma vida simples e casta, mas que o satisfazia. Foi então que um dia viu no peitoral da janela defronte a do seu escritório uma linda mulher, pálida, vestida de luto e com lindos cabelos negros. Pensou nela o resto do dia e no dia seguinte, até que viu no peitoril da janela uma moça jovem, em seus vinte anos, diferente da outra que aparentava os quarenta anos, e esta era dona de também lindos cabelos loiros. Logo a julgou filha da mulher de luto.

Não demorou para que Marcário se apaixonasse pela vizinha. E assim já não era o mesmo, sempre desfrutando dos nervos que a paixão causava. Em um dia, as vizinhas, mãe e filha, como ele acreditava, foram à loja que ficava no andar térreo do prédio de seu tio. As duas procuravam por casimiras pretas, e a única justificativa para duas mulheres estarem procurando tal produto era o interesse em se aproximar de Marcário. Assim alegremente ele desceu e falou a elas sobre como aquelas casimiras eram de qualidade. Depois elas olharam alguns lenços da Índia.

Mais tarde, o tio Francisco disse ao sobrinho que lenços da Índia tinham sumido.
Seguidamente Marcário viu na rua um amigo, este retirou o chapéu de palha que levava para cumprimentar as duas senhoras que estavam no peitoril. Imediatamente Marcário foi ter com ele, perguntou-lhe se as conhecia, se eram boa gente, de boa família e se tinha meio de ele as conhecer melhor.

Logo Marcário começou a freqüentar o mesmo serão que elas, e em seguida a casa das duas. Foi em uma dessas reuniões que ele e Luisa – este era o nome da loira – se aproximaram. Em uma delas, um dos convidados exibia uma jóia que adquirira e a balançava no ar encantando Luisa. Em dado momento, a peça caiu no colo da menina, mas ninguém a encontrou.

Ao longo desses fatos, Marcário decidiu casar-se com Luisa. O motivo foi um beijo puro que deram. Pediu ao tio licença pra casar, surpreendentemente esse não permitiu e como o sobrinho insistia no casamento, Francisco o despediu como empregado e familiar. Assim Marcário, decidido, partiu da casa do tio levando seus poucos pertences e crente de que emprego não lhe faltaria, pois era bom empregado.

Começou em uma hospedagem, mas logo se mudou de lá. Não conseguia emprego! Os que conheciam seu serviço não o contratavam porque isso os levaria a romper as relações com o tio Francisco. Sendo assim, Marcário foi vendendo seus poucos bens até chegar ao dito estado de miséria. Por essa razão, ele passou a ver Luisa apenas durante a noite, porque assim ela não via o estado de pobreza que suas roupas demonstravam.

Foi então que o seu amigo do chapéu de palha lhe fez uma proposta: servir no Cabo Frio. Falou com Luisa pedindo que ela o esperasse e assim partiu, passou por muitas coisas muitas vezes desagradáveis, mas finalmente voltou e com fortuna feita. Assim, ele pediu a mão de Luisa e a mãe dela o aceitou de braços abertos.

Porém, o amigo do chapéu de palha lhe pediu uma alta quantia de dinheiro emprestado, e como foi ele quem o ajudou em outros tempos, Marcário se tornou fiador. Essa situação não perdurou, pois o tal amigo fugiu com uma mulher e o negócio, assim como Marcário, faliu.

Assim, com o casamento adiado, Marcário foi falar com o tio mais uma vez (em outro momento ele já tinha ido falar com ele). O emprego e tudo mais estavam ali disponíveis, mas ele só poderia voltar se fosse ficar solteiro. Então Marcário veio procurar o tio pela última vez: para dizer adeus. Surpreendentemente o tio o aceitou de volta e também o casamento. Os bons tempos voltaram e o casamento foi marcado para um ano depois.

Faltando seis meses para Marcário se casar, ele e Luisa foram comprar o anel de noivado, demoraram a escolher, mas por fim decidiram-se. Marcário voltaria no outro dia para buscar o anel que precisava ser ajustado. Saíram alegremente da joalheria, porém o dono da loja os chamou de volta e disse que Marcário tinha se esquecido de pagar, não o anel que buscaria no outro dia, mas o que Luisa estava levando com ela.

Em poucos segundos, Luisa, assustada, entregou o anel ao noivo que pagou o preço dele, afirmando que ela tinha só se enganado e que não fora nada, mas bastou que os dois ficassem sozinhos para que ele, ali mesmo na rua, desmanchasse o noivado: não se casaria com uma ladra.

E esse foi o desfecho da história contada por Marcário ao viajante.

Por Rebeca Cabral

Civilização - Conto de Eça de Queirós

Civilização (Conto), de Eça de Queirós
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Civilização é um conto de Eça de Queiroz onde é narrada a vida de Jacinto, um homem novo e culto que vivia luxuosamente, rodeado dos mais sofisticados e recentes inventos e das mais belas obras-primas da literatura. O conto é o embrião do romance A Cidade e as Serras.

De fato, Jacinto era um homem sempre aborrecido, desanimado e entediado, apesar do luxo em que vivia. Era o protótipo do homem civilizado mas também da infelicidade. Tudo havia de mudar quando o protagonista decidiu ir passar uma temporada bem longe da civilização. Jacinto tentou superar o isolamento enviando para aí todos os equipamentos técnicos e demais apetrechos que julgava indispensáveis a uma vida civilizada e luxuosa. Contudo, ao chegar, apercebe-se que os caixotes enviados não tinham chegado e que a nenhuma da suas ordens, relativas à realização de obras na casa, tinha sido cumprida.

Inicialmente desmoralizado e ainda mais pessimista com tamanha "tragédia", Jacinto é, subitamente, invadido e transformado pela beleza e simplicidade da vida campestre. E vai ser assim, longe da civilização, dispensando os exageros do luxo, que Jacinto redescobre o prazer e a alegria de viver.

No conto Civilização, temos um confronto entre duas concepções de vida, expe-rienciadas por um mesmo personagem, o milionário Jacinto.

O conto tem como principal objetivo criticar o tipo de progresso que torna o homem escravo de uma sociedade de consumo e pode ser estruturado em duas partes: a primeira representa uma crítica à sociedade civilizada; a segunda, uma solução para essa crise.

Leia o conto na íntegra:

CIVILIZAÇÃO

Eu possuo preciosamente um amigo (o seu nome é Jacinto), que nasceu num palácio, com quarenta contos de renda em pingues terras de pão, azeite e gado.
Desde o berço, onde sua mãe, senhora gorda e crédula de Trás-os-Montes, espalhava, para reter as Fadas Benéficas, funcho e âmbar, Jacinto fora sempre mais resistente e são que um pinheiro das dunas. Um lindo rio, murmuroso e transparente, com um leito muito liso de areia muito branca, refletindo apenas pedaços lustrosos de um céu de Verão ou ramagens sempre verdes e de bom aroma, não ofereciam àquele que o descesse numa barca cheia de almofadas e de champagne gelada mais doçura e facilidades do que a vida oferecia ao meu camarada Jacinto. Não teve sarampo e não teve lombrigas. Nunca padeceu, mesmo na idade em que se lê Balzac e Musset, os tormentos a sensibilidade. Nas suas amizades foi sempre tão feliz como o clássico Orestes. Do amor só experimentara o mel - esse mel que o amor invariavelmente concede a quem o pratica, como as abelhas, com ligeireza e mobilidade. Ambição, sentira somente a e compreender bem as idéias gerais, e a "ponta o seu intelecto" (como diz o velho cronista medieval) não estava ainda romba nem ferrugenta... E todavia, desde os vinte e oito anos, Jacinto já se vinha repastando de schopenhauer, do Ecclesiastes, de outros Pessimistas menores, e três, quatro vezes por dia, bocejava, com um bocejo cavo e lento, passando os dedos finos sobre as faces, como se nelas só apalpasse palidez e ruína. Porquê?
Era ele, de todos os homens que conheci, o mais complexamente civilizado - ou antes aquele que se munira da mais vasta soma e civilização material, ornamental e intelectual. Nesse palácio (floridamente chamado o Jasmineiro) que seu pai, também Jacinto, construíra sobre uma honesta casa do século XVII, assoalhada a pinho e branqueada a cal - existia, creio eu, tudo quanto para bem o espírito ou da matéria os homens têm criado, através da incerteza e dor, desde que abandonaram o vale feliz e Septa-Sinu, a Terra das Águas Fáceis, o doce país Ariano.
A biblioteca, que em duas salas, amplas e claras como praças, forrava as paredes, inteiramente, desde os tapetes e Caramânia até ao teto - de onde alternadamente, através de cristais, o sol e a eletricidade vertiam uma luz estudiosa e calma - continha vinte e cinco mil volumes, instalados em ébano, magnificamente revestidos de marroquim escarlate.
Só sistemas filosóficos (e com justa prudência, para poupar espaço, o bibliotecário apenas colecionara os que irreconciliavelmente se contradizem) havia mil oitocentos e dezessete!
Uma tarde que eu desejava copiar um ditame de Adam Smith, percorri, buscando este economista ao longo das estantes, oito metros de economia política! Assim se achava formidavelmente abastecido o meu amigo Jacinto de todas as obras essenciais a inteligência - e mesmo da estupidez. E o único inconveniente este monumental armazém o saber era que todo aquele que lá penetrava inevitavelmente lá adormecia, por causa das poltronas, que providas de finas pranchas móveis para sustentar o livro, o charuto, o lápis das notas, a taça de café, ofereciam ainda uma combinação oscilante e flácida de almofadas, onde o Corpo encontrava logo, para mal do Espírito, a doçura, a profundidade e a paz estirada de um leito.
Ao fundo, e com um altar-mor, era o gabinete de trabalho de Jacinto. A sua cadeira, grave e abacial, de couro, com brazões, datava do século XIV, e em torno dela pendiam numerosos tubos acústicos, que, sobre os panejamentos de seda cor de musgo e cor de hera, pareciam serpentes adormecidas e suspensas num velho muro de quinta. Nunca recordo sem assombro a sua mesa, recoberta toda e sagazes e subtis instrumentos para cortar papel, numerar páginas, colar estampilhas, aguçar lápis, raspar emendas, imprimir datas, derreter lacre, cintar documentos, carimbar contas! Uns de níquel, outros de aço, rebrilhantes e frios, todos eram de um manejo laborioso e lento: alguns com as molas rígidas, as pontas vivas, trilhavam e feriam: e nas largas folhas de papel watman em que ele escrevia, e que custavam quinhentos reis, eu por vezes surpreendi gotas de sangue o meu amigo. Mas a todos ele considerava indispensáveis para compor as suas cartas (Jacinto não compunha obras), assim como os trinta e cinco dicionários, e os manuais, e as enciclopédias, e os guias, e os diretórios, atulhando uma estante isolada, esguia, em forma de torre, que silenciosamente girava sobre o seu pedestal, e que eu denominara o Farol. O que porém mais completamente imprimia àquele gabinete um portentoso caráter de civilização eram, sobre as suas peanhas e carvalho, os grandes aparelhos, facilitadores do pensamento - a máquina de escrever, os autocopistas, o telégrafo Morse, o fonógrafo, o telefone, o teatrofone, outros ainda, todos com metais luzidios, todos com longos fios.
Constantemente sons curtos e secos retiniam no ar morno daquele santuário. Tic, tic, tic! Dlim, dlim, lim! Crac, crac, crac! Trrre, trrre!... Era o meu amigo comunicando. Todos esses fios mergulhavam em forças universais. E elas nem sempre, desgraçadamente, se conservavam domadas e disciplinadas! Jacinto recolhera no fonógrafo a voz do conselheiro Pinto Porto, uma voz oracular e rotunda, no momento de exclamar com respeito, com autoridade: - "Maravilhosa invenção! Quem não admirará os progressos deste século?" Pois, numa doce noite e S. João o meu supercivilizado amigo, desejando que uma senhoras parentas de Pinto Porto (as amáveis Gouveias) admirassem o fonógrafo, fez romper o bocarrão do aparelho, que parece uma trompa, a conhecida voz rotunda e oracular: - "Quem não admirará os progressos deste século?" Mas, inábil ou brusco, certamente desconcertou alguma mola vital - porque de repente o fonógrafo começa a redizer, sem descontinuação, interminavelmente, com uma sonoridade cada vez mais rotuna, a sentença o conselheiro: - "Quem não admirará os progressos deste século?" Debalde Jacinto, pálido, com os dedos trémulos, torturava o aparelho. A exclamação recomeçava, rolava, oracular e majestosa: - "Quem não admirará os progressos deste século?" Enervados, retirámos para uma sala distante, pesadamente revestida dde panos de Arrás. Em vão! A voz de Pinto Porto lá estava, entre os panos de Arrás, implacável e rotunda: - "Quem não admirará os progressos deste século?" Furiosos, enterramos uma almofada na boca do fonógrafo, atirámos por cima mantas, cobertores espessos, para sufocar a voz abominável. Em vão! sob a mordaça, sob as grossas lãs, a voz rouquejava, surda mas oracular: - "Quem não admirará os progressos deste século?" As amáveis Gouveias tinham abalado, apertando desesperadamente os xailes sobre a cabeça.
Mesmo à cozinha, onde nos refugiámos, a voz descia, engasgada e gosmosa: - "Quem não admirará os progressos deste século?" - Fugimos espavoridos para a rua.
Era de madrugada. Um fresco bando de raparigas, de volta das fontes, passava cantando com braçadas de flores:
Todas as ervas são bentas
Em manhã de S. João...
Jacinto, respirando o ar matinal, limpava as bagas lentas do suor. Recolhemos ao Jasmineiro, com o sol já alto, já quente. Muito de manso abrimos as portas, como no receio e despertar alguém. Horror! Logo da antecâmara percebemos sons estrangulados, roufenhos: "admirará... progressos... século?..." Só de tarde um eletricista pôde emudecer aquele fonógrafo horrendo.
Bem mais aprazível (para mim) do que esse gabinete temerosamente atulhado de civilização - era a sala de jantar, pelo seu arranjo compreensível, fácil e íntimo. À mesa só cabiam seis amigos que Jacinto escolhia com critério na literatura, na arte e na metafísica, e que, entre as tapeçarias de Arrás, representando colinas, pomares e pórticos da Ática, cheias de classicismo e luz, renovavam ali repetidamente banquetes que pela sua intelectualidade lembravam os de Platão. Cada garfada se cruzava com um pensamento ou com palavras destramente arranjadas em de pensamento.
E a cada talher correspondiam seis garfos, todos de feitios dessemelhantes e astuciosos: - um para as ostras, outro para o peixe, outro para as carnes, outro para os legumes, outro para a fruta, outro para o queijo. Os copos, pela diversidade dos contornos e das cores, faziam, sobre a toalha mais reluzente que esmalte, como ramalhetes silvestres espalhados por cima a neve. Mas Jacinto e os seus filósofos, lembrando o que o experiente Salomão ensina sobre as ruínas e amarguras o vinho, bebiam apenas em três gotas de água uma gota de Bordéus (Chateaubriand, 1860). Assim o recomendam - Hesíodo no seu Nereu, e Díocles nas suas Abelhas. E de águas havia sempre no Jasmineiro um luxo redundante - águas geladas, águas carbonatadas, águas esterilizadas, águas gasosas, águas de sais, águas minerais, outras ainda, em garrafas sérias, com tratos terapêuticos impressos no rótulo... O cozinheiro, mestre sardão, era daqueles que Anáxarogas equiparava aos Retóricos, aos Oradores, a todos os que sabem a arte divina de "temperar e servir a Ideia": e em Síbaris, cidade do Viver Excelente, os magistrados teriam votado a mestre Sardão, pelas festas de Juno Lacínia, a coroa de folhas de ouro e a túnica milésia que se devia aos benfeitores cívicos. A sua sopa de alcachofra e ovas de carpa; os seus filetes de veado macerados em velho Madeira com puré de nozes; as suas amoras geladas em éter, outros acepipes ainda, numerosos e profundos (e os únicos que toleravam o Jacinto) eram obras de um artista, superior pela abundância de ideias novas - e juntavam sempre a raridade do Sabor à magnificência da Forma. Tal prato desse mestre incomparável parecia, pela ornamentação, pela graça florida dos lavores, pelo arranjo dos coloridos frescos e cantantes, uma jóia esmaltada do cinzel de Meurice ou Cellini. Quantas tardes eu desejei fotografar aquelas composições de excelente fantasia, antes que o trinchante as retalhasse! E esta superfinidade o comer condizia deliciosamente com a do servir. Por sobre um tapete, mais fofo e mole que o musgo da floresta da Brocelande, deslizavam, como sobras fardadas e branco, cinco criados - e um pajem preto, à maneira vistosa do século XVIII. As travessas (de prata) subiam da cozinha e da copa por dois assessores, um para as iguarias quentes, forrado de tubos onde a água fervia, forrado e zinco, amónia e sal, e ambos escondidos por flores tão densas e viçosas que era como se até a sopa saísse fumegando os românticos jardins de Armida. E muito bem me lembro de um domingo de Maio em que, jantando com Jacinto um bispo, o erudito bispo de Chorazin, o peixe emperrou no meio do ascensor, seno necessário que o acudissem, para o extrair, pedreiros com alavancas.
Nas tardes em que havia "banquete de Platão" (que assim denominávamos essas festas de trufas e idéias gerais), eu vizinho e íntimo, aparecia ao declinar o sol, e subia familiarmente aos quartos do nosso Jacinto - onde o encontrava sempre incerto entre as suas casacas, porque as usava alternadamente de seda, de pano, de flanelas «Jaeghel», e de foulard das Índias. O quarto respirava o frescor e aroma do jardim por duas vastas janelas, providas magnificamente (além das cortinas de seda mole Luís XV) de uma vidraça exterior de cristal inteiro, de uma vidraça interior de cristais miúdos, de um toldo rolando na cimalha, de um estore de sedinha frouxa, de gazes que franziam e se enrolavam como nuvens, e de uma gelosia móvel de gradaria mourisca. Todos estes resguardos (sábia invenção de Holland & Cia, de Londres) serviam a guardar a luz e o ar - segundo os avisos de termómetros, barómetros e higrómetros, montados em ébano, e a que um meteorologista (Cunha Guedes) vinha, todas as semanas, verificar a precisão.
Entre estas duas varandas rebrilhava a mesa de toilette, uma mesa enorme de vidro, toda de vidro, para a tornar impenetrável aos micróbios, e coberta de todos esses utensílios de asseio e alinho que o homem do século XIX necessita numa capital, para não desfear o conjunto sumptuário da civilização. Quando o nosso Jacinto, arrastando as suas engenhosas chinelas de pelica e seda, se acercava desta ara - eu, bem aconchegado num divã, abria com indolência uma revista, ordinariamente a "Revista Electropática", ou a das "Indagações Psíquicas". E Jacinto começava... Cada um desses utensílios de aço, de marfim, de prata, impunham ao meu amigo, pela influência omnipoderosa que as coisas exercem sobre o dono (sunt tyrannoe rerum) o dever de o utilizar com aptidão e deferência. E assim as operações de alinhamento de Jacinto apresentavam a prolixidade, reverente e insuprimível, dos ritos de um sacrifício. Começava pelo cabelo... Com uma escova chata, redonda e dura, acamava o cabelo, corredio e louro, no alto, aos lados da risca; com uma escova estreita e recurva, à maneira do alfange de um persa, ondeava o cabelo sobre a orelha; com uma escova côncava, em forma de telha, apastava o cabelo, por trás, sobre a nuca... Respirava e sorria. Depois, com uma escova de longas cerdas, fixava o bigode; com uma escova leve e flácida acurvava as sobracelhas; com uma escova feita de penugem regularizava as pestanas. E deste modo jacinto ficava, diante o espelho, passando pêlos sobre o seu pêlo, durante catorze minutos.
Penteado e cansado, ia purificar as mãos. Dois criados, ao fundo, manobravam com perícia e vigor os aparelhos do lavatório que era apenas um resumo dos maquinismos monumentais da sala de banho. Ali, sobre o mármore verde e róseo do lavatório, havia apenas duas duchas (quente e fria) para a cabeça; quatro jactos, graduados desde zero até cem graus; o vaporizador de perfumes, a fonte de água esterilizada (para os dentes), o repuxo para a barba, e ainda as torneiras que rebrilhavam e botões de ébano que, de leve roçados, desencadeavam o marulho e o estridor de torrentes nos Alpes... Nunca eu, para molhar os dedos, me cheguei àquele lavatório sem terror - escarmentado da tarde amarga de Janeiro, em que bruscamente, dessoldada a torneira, o jacto de água a cem graus rebentou, silvando e fumegando, furioso, devastador... fugimos todos, espavoridos. Um clamor atroou o Jasmineiro. O velho grilo, escudeiro que fora de Jacinto pai, ficou coberto de ampolas na face, nas mãos fiéis.
Quando Jacinto acabava de se enxugar laboriosamente a toalhas de felpo, de linho, de cora entrançada (para restabelecer a circulação), de seda frouxa (para lustrar a pele), bocejava, com um bocejo cavo e lento.
E era este bocejo, perpétuo e vago, que nos inquietava a nós, seus amigos e filósofos. Que faltava a este homem excelente? Ele tinha a sua inabalável saúde de pinheiro bravo, crescido nas dunas; uma luz de inteligência, própria tudo o que alumiar, firme e clara, sem tremor ou morrão; quarenta magníficos contos de renda; todas as simpatias de uma cidade chasqueadora e céptica; uma varrida de sombras, mais liberta e lisa do que o céu de Verão... E todavia bocejava constantemente, palpava na face, com os dedos finos, a palidez e as rugas. Aos trinta anos Jacinto corcoveava, como sob um fardo injusto! E pela moralidade desconsolada e toda a sua ação parecia ligado, desde os dedos até à vontade, pelas malhas apertadas de uma rede que se não via e que o tratava. Era doloroso testemunhar o fastio com que ele, para apontar um endereço, tomava o lápis pneumático, a sua pena elétrica - ou, para avisar o cocheiro, apanhava o tubo telefônico!... Neste mover lento o braço magro, nos vincos que lhe arrepanhavam o nariz, mesmo nos seus silêncios, longos e derreados, se sentia o brado constante que lhe ia na alma: - Que maçada! Que maçada! - Claramente a via era para Jacinto um cansaço - ou por laboriosa e difícil, ou por desinteressante e oca. Por isso o meu pobre amigo procurava constantemente juntar à sua vida novos interesses, novas facilidades. Dois inventores, homens de muito zelo e pesquisa, estavam encarregados, um em Inglaterra, outro na América, de lhe noticiar e de lhe fornecer todas as informações, as mais miúdas, que concorressem a aperfeiçoar a confortabilidade do Jasmineiro. De resto ele próprio se correspondia com Edison. E pelo lado do pensamento, Jacinto não cessava também de buscar interesses e emoções que o conciliassem com a vida - penetrando à cata dessas emoções e desses interesses pelas veredas mais desviadas o saber, a ponto de devorar, desde Janeiro a Março, setenta e sete volumes sobre a evolução das idéias morais entre as raças negróides. Ah, nunca um homem deste século batalhou mais esforçadamente contra a seca de viver! Debalde! Mesmo de explorações tão cativantes como essa, através a moral dos negróides, Jacinto regressava mais murcho, com bocejos mais cavos!
E era então que ele se refugiava intensamente na leitura de Schopenhaeur e do Ecclesiastes. Porquê? Sem dúvida porque ambos esses pessimistas o confirmavam nas conclusões que ele tirava de um experiência paciente e rigorarosa: - "que tuo é vaidade ou dor, que quanto mais se sabe, mais se pena, e que ter sido rei de Jerusalém e obtido os gozos todos na vida só leva a maior amargura..." Mas porque rolara assim a tão escura desilusão - o saudável, rico, sereno e intelectual Jacinto? O velho escudeiro Grilo pretendia que "Sua Excelência sofria e fartura"!
Ora justamente depois desse Inverno, em que ele se embrenhara na moral os negróiddes e instalara a luz elétrica entre os arvoredos o jardim, sucedeu que jacinto teve a necessidade moral iniludível de partir para o Norte, para o seu velho solar de Torges. Jacinto não conhecia Torges, e foi com desusado tédio que ele se preparou, durante sete semanas, para essa jornada agreste. A quinta fica nas serras - e a rude casa solarenga, onde ainda resta uma torre o século XV, estava ocupada, havia trinta anos, pelos caseiros, boa gente de trabalho, que comia o seu caldo entre a fumaraça da lareira, e estendia o trigo a secar nas salas senhoriais. Jacinto, logo nos começos de Março, escrevera cuidadosamente ao seu procurador Sousa, que habitava a aldeia de Torges, ordenando-lhe que compusesse os telhados, caiasse os muros, envidraçasse as janelas. Depois mandou expedir, por comboios rápidos, em caixotes que transpunham a custo os portões o Jasmineiro, todos os confortos necessários a duas semanas de montanha - camas de penas, poltronas, divãs, lâmpadas e carcel, banheiras e nickel, tubos acústicos para chamar os escudeiros, tapetes persas para amaciar os soalhos. Um dos cocheiros partiu com um coupé, uma vitória, um, mulas e guizos.
Depois foi o cozinheiro, com a bateria, a garrafeira, a geleira, bocais de trufas, caixas profundas de águas minerais. Desde o amanhecer, nos pátios largos do palacete, se pregava, se martelava, como na construção de uma cidade. E as bagagens, desfilando, lembravam uma página de Heródoto ao narrar a invasão persa. Jacinto emagrecera com os cuidados daquele Êxodo. Por fim, largámos, numa manhã de Junho, com o Grilo, e trinta e sete malas.
Eu acompanhava Jacinto, no meu caminho para Goães, onde vive minha tia, a uma légua farta de Torges: e íamos num Wagon reservado, entre vastas almofadas, com perdizes e champagne num cesto. A meio da jornada devíamos mudar de comboio - nessa estação que tem um nome sonoro em ola e um tão suave e cândido jardim de roseiras brancas. Era domingo de imensa poeira e sol - e encontrámos aí, enchendo a plataforma estreita, todo um povaréu festivo que vinha da romaria e S. Gregório da Serra.
Para aquele trasbordo, em tarde de arraial, o horário só nos concedia três minutos avaros. O outro comboio já esperava, rente aos alpendres, impaciente e silvando. Uma sineta badalava com furor. E, sem mesmo atender às lindas moças que ali saracoteavam aos bandos, afogueadas, de lenços flamejantes, o seio farto coberto de ouro, e a imagem do santo espetada no chapéu - corremos, empurramos, furamos, saltamos para o outro wagon, já reservado, marcado por um cartão com as iniciais de Jacinto. Imediatamente o trem rolou. pensei então no nosso Grilo, nas trinta e sete malas! E debruçado da portinhola avistei ainda junto ao cunhal da estação, sob os eucaliptos, um monte de bagagens, e homens de bonnet agaloado que, diante delas, bracejavam com desespero. Murmurei, recaindo nas almofadas:
- Que serviço!
Jacinto, ao canto, sem descerrar os olhos, suspirou:
- Que maçada!
Toda a hora deslizamos lentamente entre trigais e vinhedo; e ainda o sol batia nas vidraças, quente e poeirento, quando chegamos à estação de Gondim, onde o procurador de Jacinto, o excelente Sousa, nos devia esperar com cavalos para treparmos a serra até ao solar e Torges. Por trás o jardim a estação, todo florido também de rosas e margaridas, Jacinto reconheceu logo as suas carruagens, ainda empacotadas em lona.
Mas quando nos apeamos no pequeno cais branco e fresco - só houve em torno de nós solidão e silêncio... Nem procurador, nem cavalos! O chefe da estação, a quem eu perguntara com ansiedade "se não aparecera ali o Sr. Sousa", tirou afavelmente o seu bonnet de galão. Era um moço gordo e redondo com cores de maçã camoesa, que trazia sobre o braço um volume de versos. "Conhecia perfeitamente o Sr. Sousa! Três semanas antes jogara com ele a manilha com o Sr. Sousa! Nessa tarde porém, infelizmente não avistara o Sr. Sousa!» O comboio desaparecera por detrás das fragas altas que ali pendem sobre o rio. Um carregador enrolava o cigarro, assobiando.
Rente da grade do jardim, uma velha toda de negro dormitava agachada no chão, diante de uma cesta de ovos.
E o nosso Grilo, e as nossas bagagens?... O chefe encolheu risonhamente os ombros nédios. Todos os nossos bens tinham encalhado decerto naquela estação de roseiras brancas que tem um nome sonoro em ola. E nós ali estávamos, perdidos na serra agreste, sem procurador, sem cavalos, sem Grilo, sem malas!
Para quê esfiar miudamente o lance lamentável? Ao pé da estação, numa quebra da serra, havia um casal foreiro à quinta, onde alcançámos para nos levarem e nos guiarem a Torges uma égua lazarenta, um jumento branco, um rapaz e um podengo. E aí começámos a trepar, enfastiadamente, esses caminhos agrestes - os mesmos decerto por onde vinham e iam de monte a rio os Jacintos do século XV.
Mas, passada uma trémula ponte e pau que galga um ribeiro todo quebrado por fragas (e onde abunda a truta adorável) os nossos males esqueceram, ante a inesperada, inconparável beleza daquela terra bendita. O divino artista que está nos céus compusera certamente esse monte, numa das suas manhãs e mais solene e bucólica inspiração.
A grandeza era tanta como a graça... Dizer os vales fofos de verdura, os bosques quase sacros, os pomares cheirosos e em flor, a frescura das águas cantantes, as ermidinhas branqueando nos altos, as rochas musgosas, o ar de uma doçura de paraíso, toda a majestade e toda a lindeza - não é para mim, homem de pequena arte. Nem creio mesmo que fosse para o mestre Horácio. Quem pode dizer a beleza das coisas, tão simples e inexprimível?
Jacinto adiante, na água tarda, murmurava: "Ah! que beleza!" Eu atrás no burro, com as pernas bambas, murmurava: "Ah! que beleza!" Os espertos regatos riam, saltando de rocha em rocha. Finos ramos de arbustos floridos roçavam as nossas faces, com familiaridade e carinho. Muito tempo um melro nos seguiu, de choupo para castanheiro, assobiando os nossos louvores. Serra bem acolhedora e amável... Ah! que beleza!
Por entre estes ahs maravilhados chegamos a uma avenida de faias, que nos pareceu clássica e nobre.
Atirando uma nova vergastada ao burro e à égua, o nosso rapaz, com o seu podengo ao lado, gritava: "Aqui é que estêmos!" E ao funda das afaias havia com efeito um portão de quinta, que um escudo de armas de velha pedra, roída de musgo, grandemente afidalgava. Dentro já os cães ladravam com furor. E mal Jacinto, e eu atrás dele no burro de Sancho, transpusemos o limiar do solarengo, correu para nós do alto de uma escadaria um homem branco, rapado como um clérigo, sem colete, sem jaleca, que erguia para o ar, num assombro, os braços esgazeados. Era o caseiro, o Zé Brás. E logo ali, nas paredes do pátio, entre o latir dos cães, surdiu uma tumultuosa história que o pobre Brás balbuciava, aturdido, e que enchia a face de Jacinto de lividez e cólera. O caseiro não esperava Sua Excelência. (Ele dizia "sua inselência".)
O procurador, o Sr. Sousa, estava para a raia desde Maio, a tratar a mãe que levara um coice de mula. E decerto houvera engano, cartas perdidas... Porque o Sr. Sousa só contava com Sua Excelência em Setembro, para a vindima. Na casa nenhuma obra começara. E infelizmente para Sua Excelência os telhados ainda estavam sem telhas, e as janelas sem vidraças...
Cruzei os braços, num justo espanto. Mas os caixotes - esses remetidos para Torges, com tanta prudência, em Abril, repletos de colchões, de regalos, de civilização... O caseiro, vago, sem compreender, arregalava os olhos miúdos onde já bailavam lágrimas. Os caixotes? Nada chegara, nada aparecera. E na sua perturbação o Zé Brás procurava entre as arcadas do pátio, nas algibeiras das pantalonas... Os caixotes? Não, não tinha os caixotes.
Foi então que o cocheiro de Jacinto (que trouxera os cavalos e as carruagens) se acercou, gravemente. Esse era um civilizado - e acusou logo o governo. Já quando ele servia o senhor Visconde de S. Francisco se tinham assim perdido, por desleixo do governo, da cidade para a serra, dois caixotes com vinho velho da Madeira e roupa branca de senhora. Por isso ele, escarmentado, sem confiança na nação, não largara as carruagens: - e era tudo o que restava a Sua Excelência, o break, a vitória, o coupé e os guizos. Somente, naquela rude montanha, não havia estradas onde elas rolassem. E como só podiam subir para a quinta em grandes carros de bois - ele lá as deixara em baixo, na estação, quietas, empacotadas na lona...
Jacinto ficara plantado diante de mim, com as mãos no bolso:
- E agora?
Nada restava senão recolher, cear o caldo do tio Zé Brás, e dormir nas palhas que os fados nos concedessem.
Subimos. A escadaria nobre conduzia a uma varanda, toda coberta, em alpendre, acompanhando a fachada do casarão, e ornada entre os seus grossos pilares de granito por caixotes cheios de terra, em que floriam cravos. Colhi um cravo, entramos: e o meu pobre Jacinto contemplou enfim as salas do seu solar ! Eram enormes, com as altas paredes rebocadas a cal que o tempo e o abandono tinham enegrecido, e vazias, desoladamente nuas, oferecendo apenas como vestígio de habitação e de vida, pelos cantos, algum monte de cestos ou algum molho de enxadas. Nos tetos remotos de carvalho negro alvejavam manchas - que era o céu já pálido do fim de tarde, surpreendido através dos buracos do telhado. Não restava uma vidraça. Por vezes, sob os nossos passos uma tábua podre rangia e cedia.
Paramos, enfim, na última, a mais vasta, onde havia duas arcas tulheiras para guardar o grão; e aí depusemos melancolicamente o que nos ficara de trinta e sete malas - os paletós alvadios, uma bengala e um "Jornal da Tarde".
Através das janelas desvidraçadas, por onde se avistavam copas de arvoredos e as serras azuis de além-rio, o ar entrava, montesino e largo, circulando plenamente como em um eirado, com aromas de pinheiro bravo. E, lá de baixo, dos vales, subia, desgarrada e triste, uma voz de pegureiro cantando. Jacinto balbuciou: "É horroroso!" Eu murmurei: "É campestre!"

O Zé Brás no entanto, com as mãos na cabeça, desaparecera a ordenar a ceia para "suas excelências". O pobre Jacinto, esbarrondado pelo desastre, sem resistência contra aquele brusco desaparecimento de toda a civilização, caíra pesadamente sobre o poial de uma janela, e dali olhava os montes. E eu, a quem aqueles ares serranos e o cantar do pegureiro sabiam bem, terminei por descer à cozinha, conduzido pelo cocheiro, através de escadas e becos onde a escuridão vinha menos do crepúsculo do que de densas teias de aranha.
A cozinha era uma espessa massa de tons e formas negras, cor de fuligem, onde refulgia ao fundo, sobre o chão de terra, uma fogueira vermelha que lambia grossas panelas de ferro, e se perdia em fumarada pela grade escassa que no alto coava a luz. Aí um bando alvoraçado e palreiro de mulheres depenava frangos, batia ovos, escarolava arroz, com santo fervor... Do meio delas o bom caseiro, estonteado, investiu para mim jurando que "a ceia de suas excelências não demorava um credo". E como eu o interrogava a respeito de camas, o digno Brás teve um murmúrio vago e tímido sobre «enxergazinhas no chão».
- É o que basta, Sr. Zé Brás, acudi eu para o consolar.
- Pois assim Deus seja servido! suspirou o homem excelente, que atravessava nessa hora o transe mais amargo da sua vida serrana.
Voltando a cima, com estas consolantes novas de ceia e cama, encontrei ainda o meu Jacinto no poial da janela, embebendo-se todo da doce paz crepuscular, que lenta e caladamente se estabelecia sobre vale e monte. No alto já tremeluzia uma estrela, a Vésper diamantina, que é tudo o que neste céu cristão resta do esplendor corporal de Vênus! Jacinto nunca considerara bem aquela estrela - nem assistira a este majestoso e doce adormecer das coisas. Esse enegrecimento de montes e arvoredos, casais claros fundindo-se na sombra, um toque dormente de sino que vinha pelas quebradas, o cochichar das águas entre as relvas baixas - eram para ele como iniciações. Eu estava defronte, no outro poial. E senti-o suspirar como um homem que enfim descansa.
Assim nos encontrou neste contemplação o Zé Brás com o doce aviso de que estava na mesa a ceiazinha. Era adiante, noutra sala mais nua, mais negra. E aí, o meu supercivilizado Jacinto recuou com um pavor genuíno. Na mesa de pinho, recoberta com uma toalha de mãos, encostada à parede sórdida, uma vela de sebo, meio derretida num castiçal de latão, alumiava dois pratos de louça amarela, ladeados por colheres de pau e por garfos de ferro. Os copos de vinho grosso e baço conservavam o tom roxo do vinho que neles passara em partos anos de fartas vindimas. O cavilhete de barro com azeitonas deleitaria, pela sua singeleza ática, o coração de Diógenes.
Na larga broa estava cravado um facalhão... Pobre Jacinto.
Mas lá abancou resignado, e muito tempo, pensativamente, esfregou com o seu lenço o garfo negro e a colher de pau. Depois, mudo, desconfiado, provou um gole curto do caldo, que era de galinha e rescendia.
Provou, e levantou-se para mim, seu companheiro e amigo, uns olhos largos que luziam, surpreendidos. Tornou a sorver uma colherada do caldo, mais cheia, mais lenta...
E sorriu, murmurando com espanto: "Está bom!" Estava realmente bom: tinha fígado e tinha moela: o seu perfume enternecia. Eu, três vezes, com energia, ataquei aquele caldo: foi Jacinto que rapou a sopeira. Mas já, arredando a broa, arredando a vela, o bom Zé Brás pousara na mesa uma travessa vidrada, que transbordava de arroz com favas. ora, apesar de a fava (que os Gregos chamavam "ciboria") pertencer às épocas superiores da civilização, e promover tanto a sapiência que havia em Sício, na Galácia, um templo dedicado a Minerva Ciboriana - Jacinto sempre detestara favas. Tentou todavia uma garfada tímida. De novo os seus olhos, alargados pelo assombro, procuraram os meus. Outra garfada, outra concentração... E eis que o meu dificílimo amigo exclama: "Está ótimo!" Eram os picantes ares da serra? Era a arte deliciosa daquelas mulheres que em baixo remexiam as panelas, cantando o Vira, meu bem? Não sei: mas os louvores de Jacinto a cada travessa foram ganhando em amplidão e firmeza. E diante do frango louro, assado no espeto de pau, terminou por bradar: «Está divino!» Nada porém o entusiasmou como o vinho, o vinho caindo de alto, da grossa caneca verde, um vinho gostoso, penetrante, vivo, quente, que tinha em si mais alma que muito poema ou livro santo! mirando à luz de sebo o copo rude que ele orlava de espuma, eu recordava o dia geórgico em que Virgílio, em casa de Horácio, sob a ramada, cantava o fresco palhete da Rética.
E Jacinto, com uma cor que eu nunca vira na sua palidez schopenháurica, sussurrou logo o doce verso: Rethica quo te carmina dicat. Quem dignamente te cantará, vinho daquelas serras?
Assim jantamos deliciosamente, sob os auspícios do Zé Brás. E depois voltamos para as alegrias únicas da casa, para as janelas desvidraçadas, a contemplar silenciosamente um sumptuoso céu de Verão, tão cheio de estrelas que todo ele parecia uma densa poeirada de ouro vivo, suspensa, imóvel, por cima dos montes negros. Como eu observei ao meu Jacinto, na cidade nunca se olham os astros por causa dos candeeiros - que os ofuscam: e nunca se entra por isso numa completa comunhão com o universo. O homem nas capitais pertence à sua casa, ou se o impelem fortes tendências de sociabilidade, ao seu bairro. tudo o isola e o separa da restante natureza - os prédios obstrutores de seis andares, a fumaça das chaminés, o rolar moroso e grosso dos ônibus, a trama encarceradora da vida urbana... Mas que diferença, num cimo de monte com Torges! Aí todas essas belas estrelas olham para nós de perto, rebrilhando, à maneira de olhos conscientes, umas fixamente, com sublime indiferença, outras ansiosamente, com uma luz que palpita, uma luz que chama, como se tentassem revelar os seus segredos ou compreender os nossos... E é impossível não sentir uma solidariedade perfeita entre esses imensos mundos e os nossos pobres corpos. Todos são obras da mesma vontade.
Todos vivem da ação dessa vontade imanente. Todos portanto, desde os Úranos até aos Jacintos, constituem modos diversos de um ser único, e através das suas transformações somam na mesma unidade. Não há idéia mais consoladora do que esta - que eu, e tu, e aquele monte, e o sol que agora se esconde, são moléculas do mesmo Todo, governadas pela mesma Lei, rolando para o mesmo Fim. Desde logo se somem as responsabilidades torturantes do individualismo. Que somos nós? Formas sem força, que uma força impele. E há um descanso delicioso nesta certeza, mesmo fugitiva, de que se é o grão de pó irresponsável e passivo que vai levado no grande vento, ou a gota perdida na torrente! Jacinto concordava, sumido na sombra. Nem ele nem eu sabíamos os nomes desses astros admiráveis. Eu, por causa da maciça e indesbastável ignorância de bacharel, com que saí do ventre de Coimbra, minha mãe espiritual. Jacinto, porque na sua ponderosa biblioteca tinha trezentos e dezoito tratados de astronomia! Mas que nos importava de resto que aquele astro além se chamasse Sirius e aquele outro Aldebaran? Que lhes importava a eles que um de nós fosse José e o outro Jacinto? Éramos formas transitórias do mesmo ser eterno - e em nós havia o mesmo Deus. E se eles também assim o compreendiam, estávamos ali, nós à janela num casarão serrano, eles no seu maravilhoso infinito, perfazendo um ato sacrossanto, um perfeito acto de Graça - que era sentir conscientemente a nossa unidade, e realizar, durante um instante, na consciência, a nossa divinização.
Assim enevoadamente filosofamos - quando Zé Brás, com uma candeia na mão, veio avisar que "estavam preparadas camas de suas inselências..." Da idealidade descemos gostosamente à realidade, e que vimos então, nós os irmãos dos astros? Em duas salas tenebrosas e côncavas duas enxergas, postas no chão a um canto, com duas cobertas de chita; à cabeceira um castiçal de latão, pousado sobre um alqueire: e aos pés, como lavatório, um alguidar vidrado em cima de uma cadeira de pau!
Em silêncio, o meu supercivilizado amigo palpou a sua enxerga e sentiu nela a rigidez de um granito. Depois, correndo pela face descaída os dedos murchos, considerou que, perdidas as suas malas, não tinha nem chinelos nem roupão! E foi ainda Zé Brás que providenciou, trazendo ao pobre Jacinto para ele desafogar os pés uns tremendos tamancos de pau, e para ele embrulhar o corpo, docemente educado em Síbaris, uma camisa da caseira, enorme, de estopa mais áspera que estamenha de penitente, e com folhos crespos e duros como lavores em madeira... Para o consolar, lembrei que Platão, quando compunha o Banquete, Xenofonte, quando comandava os Dez Mil, dormiam em piores catres. As enxergas austeras fazem as fortes almas - e é só vestido de estamenha que se penetra no Paraíso.
- Tem você (murmurou o meu amigo, desatento e seco) alguma coisa que eu lei?... Eu não posso adormecer sem ler!
Eu possuía apenas o número do «Jornal da Tarde», que rasguei pelo meio, e partilhei com ele fraternalmente. E quem não viu então Jacinto, senhor de Torges, acaçapado à borda da enxerga, junto da vela que pingava sobre o alqueire, com os pés nus encafuados nos grossos socos, perdido dentro da camisa da patroa, toda em folhas, percorrendo na metade do «Jornal da Tarde», com os olhos turvos, os anúncios dos paquetes - não pode saber o que é uma vigorosa e real imagem do desalento!
Assim o deixei - e daí a pouco, estendido na minha enxerga também espartana, subia, através de um sonho jovial e erudito, ao planeta Vênus, onde se encontrava, entre os olmos e os ciprestes, num vergel, Platão e o Zé Brás, em alta camaradagem intelectual, bebendo vinho o vinho da Rética pelos copos de Torges! Travámos todos três bruscamente uma controvérsia sobre o século XIX. Ao longe, por entre uma floresta de roseiras mais altas que carvalhos, alvejavam os mármores de uma cidade e ressoavam cantos sacros. Não recordo o que Xenofonte sustentou acerca da civilização e do fonógrafo. De repente tudo foi turbado por fuscas nuvens, através das quais eu distinguia Jacinto, fugindo num burro que ele impelia furiosamente com os calcanhares, com uma vergasta, com berros, para os lados do Jasmineiro!
Cedo, de madrugada, sem rumor, para não despertar Jacinto que, com as mãos sobre o peito, dormia placidamente no seu leito de granito - parti para Goães. E durante três quietas semanas, naquela vila onde se conservavam os hábitos e as idéias do tempo de el-rei D. Dinis, não soube do meu desconsolado amigo, que decerto fugira dos seus tetos esburacados e remergulhara na civilização. Depois, por uma abrasada manhã de Agosto, descendo de Goães, de novo trilhei a avenida das faias, e entrei o portão solarengo de Torges, entre o furioso latir dos rafeiros. A mulher de Zé Brás apareceu alvoraçada à porta da tulha. E a sua nova foi logo que o Sr. D. Jacinto (em Torges, o meu amigo tinha Dom) andava lá em baixo com o Sousa nos campos nos campos de Freixomil.
- Então, ainda cá está o Sr. D. Jacinto?
Sua «excelência» ainda estava em Torges - e sua "excelência" ficava para a vindima!... Justamente eu reparava que as janelas do solar tinham vidraças novas; e a um canto do pátio pousavam baldes de cal; uma escada de pedreiro ficara arrimada contra a varanda; e num caixote aberto, ainda cheio de palha de empacotar, dormiam dois gatos.
- E o Grilo apareceu?
- O Sr. Grilo está no pomar, à sombra.
- Bem! E as malas?
- O Sr. D. Jacinto já tem o seu saquinho de couro...
Louvado Deus! O meu Jacinto estava enfim provido de civilização! Subi contente. Na sala nobre onde o soalho fora composto e esfregado, encontrei uma mesa recoberta de oleado, prateleiras de pinho com louça branca de Barcelos e cadeiras de palhinha, orlando as paredes muito caiadas que davam uma frescura de capela nova. Ao lado, noutra sala, também de faiscante alvura, havia o conforto inesperado de três cadeiras de verga da Madeira, com braços largos e almofadas de chita: sobre a mesa de pinho, o papel almaço, o candeeiro de azeite, as penas de pato espetadas num tinteiro de frade, pareciam preparadas para um estudo calmo e ditoso das humanidades: e na parede, suspensa de dois pregos, uma estantezinha continha quatro ou cinco livros, folheados e usados, o D. Quixote, um Virgílio, uma História de Roma, as Crônicas de Froissart. Adiante era certamente o quarto de D. Jacinto, um quarto claro e casto de estudante, com um catre de ferro, um lavatório de ferro, a roupa pendurada de cabides toscos. Tudo resplandecia de asseio e ordem. As janelas fechados defendiam do sol de Agosto, que escaldava fora dos peitoris de pedra. Do soalho, borrifado de água, subia uma fresquidão consoladora. Num velho vaso azul um molho de cravos alegrava e perfumava. Não havia um rumor. Torges dormia no esplendor da sesta. E envolvido naquele repouso de convento remoto, terminei por me estender numa cadeira de verga junto à mesa, abri languidamente o Virgílio, murmurando:
Fortunate jacinthe! tu inter arva nota
Et fontes sacros, frigus captabis opacum.
Já mesmo irreverentemente adormecera sobre o divino Bucolista, quando me despertou um brado amigo. Era o nosso amigo Jacinto. E imediatamente o comparei a uma planta, meio murcha e estiolada no escuro, que fora profusamente regada e revivera em pleno sol. Não corcoveava. sobre a sua palidez de supercivilizado, o ar da serra ou a reconciliação com a vida tinham espalhado um tom trigueiro e forte que o virilizava soberbamente. Dos olhos, que na cidade eu lhe conhecera sempre crepusculares, saltava agora um brilho de meio-dia, decidido e largo, que mergulhava francamente na beleza das coisas. Já não passava as mãos murchas sobre a face - batia com elas rijamente na coxa... Que sei eu? Era uma reencarnação. E tudo o que me contou, pisando alegrmente com os sapatos brancos no soalho, foi que se sentira, ao fim de três dias em Torges, como desanuviado, mandara comprar um colchão macio, reunira cinco livros nunca lidos, e ali estava...
- Para todo o Verão?
- Para todo o sempre! E agora, homem das cidades, vem almoçar uma trutas que eu pesquei, e compreende enfim o que é o céu.
As trutas eram com efeito celestes. E apareceu também uma salada fria de couve-flor e vagens, e um vinho branco de Azães... Mas quem condignamente vos cantará, comeres e beberes daquelas serras?
De tarde, finda e calma, passeamos pelos caminhos coleando da vasta quinta, que vai de vales a montes.
Jacinto parava a contemplar com carinho os milhos altos.
Com a mão espalmada e forte batia no tronco dos castanheiros, como nas costas de amigos recuperados.
Todo o fio de água, todo tufo de erva, todo o pé de vinha o ocupava como vidas filiais por que fosse responsável.
Conhecia certos melros que cantavam em certos choupos.
Exclamava enternecido:
- Que encanto, a flor do trevo!
À noite, depois de um cabrito assado no forno, a que mestre Horácio teria dedicado uma ode (talvez mesmo um carme heróico) conversamos sobre o Destino e a Vida. Eu citei, com discreta malícia, Schopenhauer e o Ecclesiastes... Mas Jacinto ergueu os ombros, com seguro desdém. A sua confiança nesses dois sombrios explicadores da vida desaparecera, e irremediavelmente, sem poder mais voltar, como uma névoa que o sol espalha. Tremenda tolice! Afirmar que a vida se compõe, meramente, de uma longa ilusão – é erguer um aparatoso sistema sobre um ponto especial e estreito da vida, deixando fora do sistema toda a vida restante, como uma contradição permanente e soberba. Era como se ele, Jacinto, apontando para uma urtiga, crescida naquele pátio, declarasse, triunfalmente: "Aqui está uma urtiga! Toda a quinta de Torges, portanto, é uma massa de urtigas." – Mas bastaria que o hóspede erguesse os olhos, para ver as searas, os pomares e os vinhedos!
De resto, desses dois ilustres pessimistas, um, o alemão, que conhecia ele da vida – dessa vida de que fizera, com doutoral majestade, uma teoria definitiva e dolente? Tudo o que pode conhecer quem, como este genial farsante, viveu cinqüenta anos numa soturna hospedaria de província, levantando apenas os óculos dos livros para conversar, à mesa–redonda, com os alferes da guarnição! E o outro, o israelita, o homem dos Cantares, o muito pedantesco rei de Jerusalém, só descobre que a vida é uma ilusão aos setenta e cinco anos, quando o poder lhe escapa das mãos trémulas, e o seu serralho de trezentas concubinas se torna ridiculamente supérfluo à sua carcaça frigida. Um dogmatiza funebremente sobre o que não sabe – e o outro sobre o que não pode. Mas que se dê a esse bom Schopenhauer uma vida tão completa e cheia como a de César, e onde estará o seu schopenhauerismo? Que se restitua a esse sultão, besuntado de literatura, que tanto edificou e professorou em Jerusalém, a sua virilidade – e onde estará o Ecclesiastes? De resto, que importa bendizer ou maldizer da vida? Afortunada ou dolorosa, fecunda ou vã, ela tem de ser vivida. Loucos aqueles que, para a atravessar, se embrulham desde logo em pesados véus de tristeza e desilusão, de sorte que na sua estrada tudo lhes seja negrume, não só as léguas realmente escuras, mas mesmo aquelas em que cintila um sol amável. Na Terra tudo vive – e só o homem sente a dor e a desilusão da vida. E tanto mais as sente, quanto mais alarga e acumula a obra dessa inteligência que o torna homem, e que o separa da restante Natureza, impensante e inerte. É no máximo da civilização que ele experimenta o máximo de tédio. A sapiência, portanto, este em recuar até esse honesto mínimo de civilização, que consiste em ter um teto de colmo, uma leira de terra e o grão para nela semear.

Em resumo, para reaver a felicidade, é necessário regressar ao Paraíso – e ficar lá, quieto, na sua folha de vinha, inteiramente desguarnecido de civilização, contemplando o anho aos saltos entre o tomilho, e sem procurar, nem com o desejo, a árvore funesta da Ciência!
Dixi!
Eu escutava, assombrado, este Jacinto novíssimo. Era verdadeiramente uma ressurreição no magnífico estilo de Lázaro. Ao surge et ambula que lhe tinham sussurrado as águas e os bosques de Torges, ele erguia-se do fundo da cova do Pessimismo, desembaraçava-se das suas casacas de Poole, et ambulabat, e começava a ser ditoso. Quando recolhi ao meu quarto, àquelas horas honestas que convêm ao campo e ao Otimismo tomei entre as minhas a mão já firme do meu amigo, e pensando que ele enfim alcançara a verdadeira realeza, porque possuía a verdadeira liberdade, gritei-lhe os meus parabéns à maneira do moralista de Tíbure:
Vive et regna, fortunate Jacinthe!
Daí a pouco, através da porta aberta que nos separava, senti uma risada fresca, moça, genuína e consolada. Era Jacinto que lia o D. Quixote. Oh bem–aventurado Jacinto!
Conservava o agudo poder de criticar, e recuperara o dom divino de rir!
Quatro anos vão passados. Jacinto ainda habita Torges.
As paredes do seu solar continuam bem caiadas, mas nuas. De Inverno enverga um gabão de briche e acende um braseiro. Para chamar o Grilo ou a moça, bate as mãos, como fazia Catão. Com os seus deliciosos vagares, já leu a Ilíada. Não faz a barba. Nos caminhos silvestres pára e fala com as crianças. Todos os casais da serra o bendizem.
Ouço que vai casar com uma forte, sã e bela rapariga de Goães. Decerto crescerá ali uma tribo, que será grata ao Senhor!
Como ele, recentemente, me mandou pedir livros da sua livraria (uma Vida de Buda, uma História da Grécia e as obras de S. Francisco de Sales) fui, depois destes quatro anos, ao Jasmineiro deserto. Cada passo meu sobre os fofos tapetes de Caramânia soou triste como num chão de mortos. Todos os brocados estavam engelhados, esgaçados. Pelas paredes pendiam, como olhos fora de órbitas, os botões eléctricos das campainhas e das luzes – e havia vagos fios de arame, soltos, enroscados, onde a aranha regalada e reinando tecera teias espessas. Na livraria, todo o vasto saber dos séculos jazia numa imensa mudez, debaixo de uma imensa poeira. Sobre as lombadas dos sistemas filosóficos alvejava o bolor: vorazmente a traça devastara as Histórias Universais: errava ali um cheiro mole de literatura apodrecida – e eu abalei, com o lenço no nariz, certo de que naqueles vinte mil volumes não restava uma verdade viva! Quis lavar as mãos, maculadas pelo contacto com estes detritos de conhecimentos humanos. Mas os maravilhosos aparelhos do lavatório, da sala de banho, enferrujados, perros, dessoldados, não largaram uma gota de água; e, como chovia nessa tarde de Abril, tive de sair à varanda, pedir ao céu que me lavasse.
Ao descer, penetrei no gabinete de trabalho de Jacinto e tropecei num montão negro de ferragens, rodas, lâminas, campainhas, parafusos... Entreabri a janela, e reconheci o telefone, o teatrofone, o fonógrafo, outros aparelhos, tombados das suas peanhas, sórdidos, desfeitos sob a poeira dos anos. Empurrei com o pé este lixo do engenho humano. A máquina de escrever, escancarada, com os buracos negros marcando as letras desarraigadas era como uma boca alvar e desdentada. O telefone parecia esborrachado, enrodilhado nas suas tripas de arame.
Na trompa do fonógrafo, torta, esbeiçada, para sempre muda, fervilhavam carochas. E ali jaziam, tão lamentáveis e grotescas, aquelas geniais invenções, que eu saí rindo, como de uma enorme facécia, daquele supercivilizado palácio.
A chuva de Abril secara: os telhados remotos da cidade negrejavam sobre um poente de carmesim e ouro. E, através das ruas mais frescas, eu ia pensando que este nosso magnífico século XIX se assemelharia um dia àquele Jasmineiro abandonado, e que os outros homens, com uma certeza mais pura do que é a Vida e a Felicidade, dariam como eu com o pé no lixo da supercivilização, e, como eu, ririam alegremente da grande ilusão que findara, inútil e coberta de ferrugem.
Àquela hora, decerto, Jacinto, na varanda em Torges, sem fonógrafo e sem telefone, reentrado na simplicidade, via, sob a paz lenta da tarde, ao tremeluzir da primeira estrela, a boiada recolher entre o canto dos boiadeiros.




Eça de Queirós


José Matias
A Ilustre Casa de Ramires
Contos
O Crime do Padre Amaro
O Mistério da Casa de Sintra
Os Maias
O tesouro
A Cidade e as Serras
No moinho (Conto)
Singularidades de uma rapariga loira (Conto)
A Correspondência de Fradique Mendes
A Relíquia
O Primo Basílio
O mandarim

Análise literária - Como fazer?

Análise literária

Em resumo é a decomposição de um texto em suas partes constitutivas, para perceber o valor e o relacionamento que guardam entre si e para melhor compreender, interpretar e sentir a obra como um todo completo e significativo.

"A análise literária não se reduz, pois, ao comum comentário do texto, trabalho colateral ao mesmo texto, que não vai até à sua essência, nem à sua explicação, nem ao mero estudo da biografia do autor. Deve ir mais além, abrindo caminho para a crítica, para a história, que investigará sobre o autor e os antecedentes da obra; e para a teoria da literatura, que extrairá da obra os princípios suscetíveis de formulação estética". (Herbert Palhano, Língua e Literatura).

A análise de texto, ensina Nelly Novaes Coelho (0 Ensino da Literatura), é o esforço por descobrir-lhe a estrutura, seu movimento interior, o valor significativo de suas palavras e de seu tema, tendo em mira a unidade Intrínseca de todos esses elementos. Pressupõe o exame da estrutura do trecho e da linguagem literária (o vocabulário, o valor das categorias gramaticais usadas), o tipo de figuras predominantes (símiles, imagens, metáforas... ), o valor da sintaxe predominante (frase ampla ou breve, tipos de subordinação e coordenação, frases elípticas...), a natureza dos substantivos escolhidos; tempos ou modos de verbo, uso expressivo do artigo, da conjunção, dos advérbios, das preposições, etc., tudo em função do significado essencial do todo. Uma boa análise de texto, isto é, de fragmento só pode ser realizada quando o todo, a que ele pertence, tiver sido perfeitamente interpretado.

Um esquema-roteiro para a análise crítico-interpretativa de um romance, proposto pela referida professora é o seguinte:

a) Leitura lúdica para contato com a obra. Essa leitura é feita pelo aluno inicialmente.

b) Fixação da Impressão ou impressões mais vivas provocadas pela leitura. Essas impressões levarão à determinação do tema.

c) Fixação do tema ( idéia central, eixo nuclear da ação).

d) Leitura reflexiva norteada pelo tema, e pelas idéias principais pressentidas na obra. É durante esta segunda leitura da obra que se Inicia a análise propriamente dita, pois é o momento em que devem ser fixadas as características de cada elemento estrutural.

e) Anotação meticulosa de como os elementos constitutivos do romance foram trabalhados para Integrarem a estrutura global.

Esta anotação deverá obedecer, mais ou menos, a um roteiro disciplinador:

1) Análise dos fatos que integram a ação (Enredo).

2) Análise dos traços característicos daqueles que vão viver a ação (Personagens).

3) Análise da ação e personagens situadas no meio-ambiente em que se movem (Espaço).

4) Análise do encadeamento da ação e personagens numa determinada seqüência temporal (Tempo).

5) Análise dos meios de expressão de que se vale o autor: narração, descrição, monólogos, intervenções do autor, gênero literário escolhido, foco narrativo, linguagem, interpolações, etc.

Para o Professor Massaud Moisés, ( Guia Prático de Análise Literária ) o núcleo da atenção do analista sempre reside no texto. Em suma: o texto é ponto de partida e ponto de chegada da análise literária.

Fonte: Escola Vesper

Análise Literária
A obra literária é a representação perfeita da relação entre o homem e o mundo em que vive. Vigora na literatura uma correspondência bastante acentuada entre o sofrimento do sujeito enquanto ser agente, metafísico e o local da ação, espaço material e mensurável. Essa dicotomia é que contribui para a criação da obra de arte e é o que gera o conflito que vai desencadear um desfecho de acordo com a intencionalidade do criador. Para atingir essas condições, Rubem Fonseca quebra os padrões convencionais da estrutura narrativa em “Relato de ocorrência em que qualquer semelhança não é mera coincidência”.

Nesse conto, é narrada a história de um acidente que ocorre numa BR, envolvendo um ônibus, que atropela uma vaca, que morre logo em seguida. Os moradores das cercanias, ao verem o acidente, correm na direção do ocorrido. A princípio, pensa-se que vão procurar meios para socorrerem as vítimas. Mas não é que acontece. Eles correm é para aproveitar a carne da vaca morta, e deixam as vítimas à mercê da sorte.

Para desenvolver tal enredo, o autor imbrica duas formas de relatar os fatos da história: estilo de jornal e a narrativa pertencente ao gênero literário. “Na madrugada do dia três de maio, uma vaca marrom caminha na ponte do Rio Coroado, no quilômetro 53, em direção ao Rio de Janeiro”. Nesse fragmento, estão presentes os elementos que constituem o texto jornalístico: o local, a data, o fato, os envolvidos, como forma de comprovação dos acontecimentos. O texto só passa a assumir a estrutura da narrativa literária a partir do sexto parágrafo, quando Elias, uma das personagens do conto, dá início às ações que vão se desenrolar na ponte, local do acidente. “O desastre foi presenciado por Elias Gentil dos Santos e sua mulher Lucília, residente nas cercanias. Elias manda a mulher apanhar um facão em casa. Um facão? Pergunta Lucília.” .

Esse procedimento de unir o jornalístico e a narrativa literária não só contribui para a verossimilhança da história, como também revela um menor grau de formalidade na atitude de narrar, já que se trata de um texto que segue os padrões modernistas. O texto foge ao estilo machadiano, por exemplo. Contudo não deixa de externar a natureza e o comportamento do homem diante dos seus problemas. Rubem Fonseca, nesse conto, apresenta um realismo marcado através da análise de uma situação que revela a intenção de mostrar pessoas preocupadas apenas em matar a fome, fato que representa a realidade de uma grande parte da população.

A onisciência do narrador é percebida através da expressão dos sentimentos das personagens e do modo como os fatos são focalizados. O narrador parece acompanhar cada detalhe dos acontecimentos. “Surge Marcílio da Conceição. Elias olha com ódio para ele. Aparece também Ivonildo de Moura júnior. E aquela besta que não traz o facão! Pensa Elias. Ele está com raiva de todo mundo, suas mãos tremem. Elias cospe no chão várias vezes, com força, até que sua boca seca.” A presença do discurso indireto livre nesse fragmento vem reforçar a expressão da angústia que toma conta de Elias no momento em que os vizinhos também chegam para desfrutar a carne do animal.

Como se pode perceber, as personagens do conto Relato de ocorrência em que qualquer semelhança não é mera coincidência não são apenas um elemento da estrutura narrativa, mas habitantes da realidade ficcional, os quais representam seres que se confundem, em nível de recepção, com o ser humano e sua complexidade. Para criar essa realidade, o autor, sabendo que personagem representa pessoa, o faz através dos recursos lingüísticos, uma vez que se constrói a personagem ficcional por meio das palavras e, quanto ao modo como essa linguagem aparece no texto, nota-se claramente a marca da oralidade no processo da construção do discurso. Nesse conto, tanto narrador, quanto personagem possuem o mesmo nível na utilização da palavra. Isso porque se trata de uma forma de não distanciar lingüisticamente as personagens do narrador. É através da linguagem que, ao lermos o conto de Rubem Fonseca, nos deparamos com uma simulação do real, criada a partir da cosmovisão do autor.

Considerando que um texto é um tecido, em que todos os elementos que o compõem devem estar entrelaçados para que exista significação, o conto de Rubem Fonseca é a representação concreta dessa assertiva. Desde o foco narrativo até o espaço, tudo se encaixa de modo a favorecer a coerência dos episódios narrados. A história é contada em terceira pessoa, por um narrador que presencia todos os acontecimentos. Essa é uma forma cinematográfica de construir o enredo e, com esse procedimento narrativo, o leitor se coloca em contato mais direto com os fatos narrados. O espaço onde se passa a história, a ponte, exerce um papel importante uma vez que, por representar um local perigoso, aparece como o lugar onde ocorre o acidente, deixando várias vítimas sem vida.

Toda a história se passa em um curto intervalo de tempo, de modo linear.

udo acontece “Na madrugada do dia três de maio...” Como se pode notar, trata-se de um tempo cronológico, em que os fatos se dão numa ordem natural, isto é, do início para o final. Primeiro, acontece o acidente; depois, os moradores vão em busca da carne da vaca, que morre atropelada e, para finalizar a história, todos tiram proveito da situação. É, pois, o tempo um elemento responsável pela organização dos fatos no enredo desse conto.

Fonte: www.paratexto.com.br

Só lembrando que a UFJF divulgou a lista dos livros escolhidos para o vestibular 2011e recomendou a leitura integral e a análise das seguintes obras:

Helena, Machado de Assis

Lira dos Vinte Anos, Álvares de Azevedo

Antologia de Crônicas, Org. Herberto Sales

O menino do engenho, José Lins do Rego

Antologia de Contos Brasileiros, Org. Herberto Sales

Sentimento do mundo, Carlos Drummond de Andrade

Civilização e Singularidades de uma rapariga loira (contos), Eça de Queirós

Incidente em Antares, Érico Veríssimo

Literatura de Dois Gumes (ensaio), Antônio Cândido

O conto da Ilha Desconhecida, José Saramago

Morte e Vida Severina, João Cabral de Melo Neto

A UFV impôs a seguinte lista:

Universidade Federal de Viçosa

PASES I (2010-2012)
♦ O fio das missangas - Mia Couto
♦ O pagador de promessas - Dias Gomes
♦ Sermões Escolhidos - Padre Antônio Vieira

PASES II (2009-2011)
♦ “A igreja do diabo”, “Pai contra mãe”, “Teoria do medalhão”, “Cantiga de esponsais” e “Um homem célebre” - Contos de Machado de Assis
♦ Dona Guidinha do Poço - Manuel Oliveira Paiva
♦ Antologia da Poesia Simbolista e Decadente - Ed. IBEP Nacional

Vestibular 2011 e PASES III (2008-2010)
♦ Contos de Aprendiz - Carlos Drummond de Andrade
♦ Anjo Negro - Nelson Rodrigues
♦ Emparedado - poema do Livro Evocações - Cruz e Souza
♦ Os Ratos - Dyonélio Machado



Compartilhe isso, porque até lá, dá tempo de ler o que você não leu.
Mãos à obra!!
Bom trabalho

O negro e o imigrante na sociedade realista - Cronograma de tarefas

ATENÇÃO, PESSOAL!!

SE NÃO SE ORGANIZAREM, VÃO ACUMULAR OBRIGAÇÕES. ISSO PESA NA NOTA.

TERCEIRA BATERIA: AGORA É TUDO PERSONALIZADO.

DATA FINAL PARA POSTAGEM: 15/11/10
Sugestivo, não??

Lembrem-se de que todas as tarefas deverão trazer as referências bibliográficas, no final das postagens.

Bom trabalho!!

I)Ezequiel e Wesley

Responder os exercícios sobre os fragmentos de "O cortiço", de Aluísio Azevedo e "Chibungo" de um escritor moçambicano. A partir das respostas, monte um quadro esquemático comparando traços de estilo entre os dois escritores. Claro que um dos dois vai ter de ler "Chibungo". Ou o livro todo, ou estudos a respeito. Acho que vocês vão gostar da experiência. Os exercícios estão nas pg 313 a 315.

II)Maelle e Daniela

Peça ajuda aos seus profs de Filosofia, Sociologia e História, pesquisem antes, depois respondam às questões abaixo:
a)Quem foram: Auguste Conte, Hipolite Taine, Charles Darwin, Karl Marx e Frederich Engels??
b) O que foi: o Positivismo, o Determininsmo, o Evolucionismo e o Socialismo Científico?
c)Como essas correntes influenciaram o Realismo, o Naturalismo e o Parnasianismo?

Monte um texto expositivo e original a partir de suas respostas e um fluxograma para facilitar a compreensão do seu raciocínio.

III)Felipe Matheus e Caio

Leiam "O crime do Pe Amaro" de Eça de Queirós e "Eurico, o presbítero" de Alexandre Herculano. Conversem com um Historiador (à sua escolha) sobre a influência da igreja católica, na sociedade do séc XIX e com qualquer estudioso que possa esclarecer sobre o perfil do clérigo atual, segundo os desígnios da igreja contemporânea. Depois juntem as descobertas de vocês, com base nos perfis de "Eurico" e "Amaro", e escrevam um artigo de opinião para ser publicado, sob o título "A crítica literária e a igreja do sec XIX".

IV)Leilane e Northon

Ler "O Cortiço" de Aluísio Azevedo e pesquisar sobre o imigrante português. Desenvolver o roteiro de estudos da pag. 290 e com base nas respostas,montar um texto ilustrado sobre os diferentes destinos de imigrantes, no Brasil do Séc XIX. As explicações devem se basear também em trechos do livro, ok??

V)Dayane e Rafael

Em 1988, no ano do centenário da Abolição da Escravatura, foi promulgada a nova Constituição da República Federativa do Brasil. Nela, em decorrência da lutas pelos direitos civis dos negros, ficou consagrado, no Título II - Dos direitos e garantias fundamentais -, Capítulo I - Dos direitos e deveres individuais e coletivos -, Artigo 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

Artigo XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei.

A regulamentação desse parágrafo veio em seguida pela Lei nº 7716, de 5 de janeiro de 1989, modificada pela Lei 008882 de 3 de junho de 1994 e novamente modificada em 13 de maio de 1997, pela Lei nº 9459, que acrescentou também ao Artigo 140 do Código Penal relativo ao crime de injúria por utilização de "elementos referentes a raça, cor, etnia, religião ou origem", estabelecendo pena de "reclusão de um a três anos e multa".

A tarefa de vocês é a seguinte:
Realizar uma pesquisa traçando um perfil geral do negro escravo no Brasil.
O texto deve tomar como base o artigo:
'A MÃO DE OBRA NEGRA NO SÉCULO XIX: NEGRAS(OS) DE ALUGUEL E DE GANHO' - Publicado por Adomair O Ogunbiyi. (Ver publicações do mês de outubro).
Podem fazer citações do próprio artigo, e de outros que encontrarem, mas devem acrescentar informações retiradas dos livros "Casa Grande e Senzala" e "Sobrados e Mucambos" de Gilberto Freire.
Eu não dispenso algumas ilustrações com legendas.

VI)Karla e Nayane

O que é que o livro e o filme homônimo "Germinal", de Emile Zola tem a ver com o conto "Civilização" de Eça de Queirós????
Escrevam um artigo contendo a análise das duas obras e levantando os pontos que vocês acharem que merecem destaque.

Pra facilitar, eu publiquei o conto e um breve estudo. Espero que ajude, mas eu sugiro que vocês usem melhor a internet e os livros da biblioteca como fontes de pesquisa.

Isso vai dar trabalho, então...
comecem logo!!

Quando precisarem, é só chamar!!

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

O amor e a mulher na sociedade realista - Cronograma de Tarefas

ATENÇÃO, PESSOAL!!
O PRAZO DE VOCÊS PRA CUMPRIR AS PRIMEIRAS TAREFAS ESTÁ ESTOURADO.
SE NÃO SE ORGANIZAREM, VÃO ACUMULAR OBRIGAÇÕES. ISSO PESA NA NOTA.

TERCEIRA BATERIA: AGORA É TUDO PERSONALIZADO.

DATA FINAL PARA POSTAGEM: 15/11/10
Sugestivo, não??

Lembrem-se de que todas as tarefas deverão trazer as referências bibliográficas, no final das postagens.

Bom trabalho!!

I)Bia Mauro e Quésia

Montar um álbum visual com trechos de filmes, trailers e vídeos sobre obras importantes do período realista/naturalista, no Brasil e no mundo. Vídeos que tratem da temática feminina e da ideia do amor, sob a visão realista/naturalista. Lembrem-se de que existem inúmeras obras. Escolham as mais importantes e significativas, começando pelas francesas, depois as demais europeias, passando pela Rússia, a América e o melhor de tudo, é claro: o Brasil. Os vídeos e trechos devem ser comentados.Elabore trechos críticos, originais e inteligentes.

II)Jéssika e Thamires

Comparem o romance Dom Casmurro, de Machado de Assis, com o roteiro de cinema "Capitu", de Lygia Fagundes Telles e Paulo Emílio Salles Gomes (tem na biblioteca). Usando a técnica do RETRATO (descrição de pessoa) tracem um perfil da personagem "Capitulina", apontando semelhanças e diferenças. Assistam e postem trechos da obra homônima "Capitu", escrita para a televisão (estrelada por Maria Fernanda Cândido e musicada pelo grupo Beirut) para ilustrar sua abordagem.

III) Edna e Marien

Analisar, esquematizar e classificar a visão de "amor" exposta nas obras "Madame Bovary",de Flaubert e Anna Karenina de Tolstói; confrontar essa visão com o tipo de amor que surge nos contos de "Noite na Taverna", (Álvares de Azevedo). Escrever uma carta de leitor à uma revista literária, convencendo os jornalistas a escreverem uma matéria a respeito.

V) Gizelle e Anna Clara

No século XIX, as leis viam com diferença o adultério praticado pelo homem e pela mulher.Pesquise sobre a visão histórica do adultério na sociedade. Comece fazendo uma entrevista com um advogado e peça esclarecimentos sobre as leis atuais e as que vigoraram na História do Direito brasileirto, sobre o tema. Confronte a visão de adultério mostrada nas obras realistas com a retratada por casos reais, atualmente, e escreva uma dissertação expositivo-argumentativa sobre suas conclusões. Publiquem a entrevista e a dissertação.

VI)Janine e Ludmila

Pesquisem sobre as roupas e a moda da segunda metade do século XIX. Busquem informações em enciclopédias e livros especializados no assunto, como, por exemplo, "O espírito das roupas", de Gilda de Mello e Souza, e "A roupa e a moda", de James Laver. Publiquem os resultados possíveis, mas criem modelos próprios. Desenhem os crockies e montem uma espécie de "Revista", com fotos e modelos originais, criados por vocês, inspirados nos daquela época. Pode ser em cd também. Xeroquem ou escaneem as fotos e criem legendas explicativas. Ver: "O Cotidiano Europeu no Século XIX - Povos do Passado"(Melhoramentos). Ah!! Deem uma olhadinha nos livros de História.

VII)Karolina e Israel

Pesquise sobre o tema O Ciúme patológico (também identificado como a Síndrome de Otello), a partir da leitura de Dom Casmurro, e da peça "Otello, o mouro de Veneza" de Shakespeare. Reflita se o ciúme de Bentinho por Capitu deve ser tomado como "normal" ou pode ser classificado como uma "patologia". Para ajudar a refletir, assista os filmes "Atração Fatal" (com Michael Douglas), "Dormindo com o inimigo" (com Julia Roberts) e o brasileiro "Dom", (com Marcos Palmeira). Se possível, converse com profissionais da área médica. Anote suas conclusões e escreva um ensaio científico com base em suas anotações.

Ok!
Qualquer dúvida, é só perguntar.
E eu não quero ouvir ninguém dizer que não dá conta, ou que nunca fez isso... ou que blá, blá,
blá...

Mãos à obra!

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Contrapontos - Cronograma de Tarefas

ATENÇÃO, PESSOAL!!

SE NÃO SE ORGANIZAREM, VÃO ACUMULAR TAREFAS. ISSO PESA NA NOTA.

TERCEIRA BATERIA: AGORA ELAS VIRÃO PERSONALIZADAS.

DATA FINAL PARA POSTAGEM: 15/11/10
Sugestivo, não??

Lembrem-se que todas as tarefas deverão trazer as referências bibliográficas, no final das postagens.

Bom trabalho.

I)Matheus e Letícia

Visitar o site nilc.icmc.sc.usp.br/literatura/parnasianismo1.htm
analisá-lo e escrever uma crítica apontando pontos positivos e negativos do site. Seu texto deve servir de direcionamento para quem estiver pesquisando sobre o assunto também. Tente responder às questões 'É bom?", "Por quê?", "O que falta?", "O que excede?","Gostei?", "O que eu faria de diferente?".
No final, você deve indicar outros sites que possam ajudar na pesquisa. Se tiver dúvidas sobre a produção da crítica, visite a página 364 do seu livro de Português.

II)Diego e Tomás

Vocês devem postar um estudo sobre o livro "O xangô de Baker Street" de Jô Soares e escrever uma crítica literária ORIGINAL, a exemplo do modelo que consta no livro de Português, p. 362.

III)Anna Karolina e Víctor

Montar um roteiro de análise do poema: "Via láctea" de Olavo Bilac.
Tomar como base para a elaboração do roteiro:
a leitura do texto "Olavo Bilac, o ourives da linguagem", p. 305;
a análise pronta do poema "Vila Rica" , p. 306;
o exercício da p. 307;
os estudos sobre o gênero "poema" - livro 01 p. 57 a 63 e 68 a 75
o álbum de gêneros textuais, aula sobre Poema e lit de Cordel.

IV)Luís Henrique e Maria Clara

Pesquisar a vida e a obra do pintor realista Gustave Courbet e montar uma "vitrine virtual".

V)Luciana e Nayara

Escrever um texto analítico-expositivo comparando os estilos dos poetas parnasianos brasileiros Raimundo Corrêa e Alberto de Oliveira, a partir da análise dos poemas "As pombas" e "Vaso grego".
Ver pgs.307 a 309 do livro básico.

VI) Sarynne e Sophia

Pesquisar letras de músicas e clips atuais, que tenham características parnasianas. Analisar e postar material.

VII)Geyza e Beatriz Kelly

Pesquisem sobre o tipo de amor expresso nos poemas parnasianos. Analisem diferentes poemas,entre parnasianos e românticos, e proponham uma "teoria" a respeito. Cada uma deve escrever uma dissertação argumentativa, evidenciando suas conclusões e defendendo um ponto de vista.

Fique esperto!!!!!!!!
Se não você perde a hora.

Té mais >>>>

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Pepita Jimenez - Juan Valera - resumo

A história de Pepita Jiménez e D.Luis se passa em Andalucía. D.Luis um jovem de 20 anos que aspira ao sacerdócio, mas quando conhece Pepita se encanta e fica apaixonado por ela.

Pepita embora seja jovem, é viúva. Casou-se com um tio já idoso e após três anos de comunhão ele morre, deixando Pepita rica e bela.

A jovem se entrega a uma vida religiosa e reforça isso com uma amizade muito sincera com o padre da cidade.

Pepita têm muitos pretendentes, porém diz não a todos eles. Quando conhece o jovem aspirante a sacerdote, a jovem viúva também sente o coração balançar, mas este amor está condenado à morte por causa da vocação do jovem, cujo pai é um dos pretendentes da viúva Pepita. D. Pedro, pai de D.Luis, é apaixonado por Pepita e sonha casar-se com ela.

O jovem está passando as férias na casa de seu pai e escreve constantemente para seu D. Deán, seu mentor espiritual, que se encontra no seminário. O teor das cartas é o dia a dia na fazenda com seu pai, o amor por Pepita, os passeios etc.

Em suas cartas D. Luis também ao seu tio que interceda por ele para que não caia em tentação. Por mais que lute contra seus sentimentos D.Luis vê em Pepita o exemplo de mulher ideal, tudo isto faz com que ele tenha uma forte crise existencial, não sabe o que fazer, pensa em fugir da cidade e voltar ao seminário. Pede ao seu tio que interceda junto ao seu pai para que este o deixe ir embora, porém D.Pedro não aceita a sua partida e a adia o quanto pode.

O tempo passa e o amor de Pepita e D.Luis aumenta cada dia, Pepita como amiga do vigário da cidade pede a este conselhos no que é criticada duramente. Dom Luis continua a escrever ao seu tio D. Deán, e diz que quer voltar ao seminário antes que ele não consiga mais vencer a tentação. Como foi criado no seminário com seu tio, D. Luis não sabe andar a cavalo e isto lhe causa constrangimentos. Um dia ao visitar as hortas de Pepita junto com seu pai, seu primo Currito, o vigário e uma tia idosa. D.Luis é escarnecido por Currito, todos vão a cavalo, exceto a tia, o vigário e D.Luis. E este fica muito bravo consigo mesmo, mas seu pai trata de resolver a situação ensinando-o a andar no animal

O amor de Pepita e D.Luis aumenta a cada dia e o jovem já não consegue disfarçar seus sentimentos e toma a atitude de ir embora para sempre daquele lugar entregar-se aos seus estudos e rezas esquecendo-se daquele amor, que para ele é uma maldição em sua vida.

Nisto Antoñona, aliada de Pepita resolve interceder na vida de sua ama que está muito doente e vai a procura de D.Luis e lhe diz que, antes de ir embora que ele vá até sua ama e dê a ela satisfações e lhe explique que não a está trocando por coisa vil, mas pelo amor de Deus e que suas convicções quanto ao sacerdócio são sólidas e que nada poderá abalar.Talvez desta forma ela concorde em esquecê-lo , reaja a enfermidade e a tristeza que lhe abateu.

Após relutar, D Luis concorda e vai ao encontro de Pepita, a encontra triste e muito abatida, conversam e a princípio ele busca todas as soluções possíveis para negar o amor contido em seu coração. Se negam ao amor por causa da vocação pensam estar ofendendo à Deus, se negam pelo que o povo irá dizer acerca dos dois, principalmente D.Luis que é um seminarista e por fim pensam na inimizade entre pai e filho que amam a mesma mulher.

Após várias horas de conversa e lágrimas, chegam a conclusão de que não podem viver separados. D.Luis decide tomar a decisão de enfrentar a situação e a primeira coisa a fazer é contar para seu pai, que reage de forma surpreendente, recebendo com alegria o romance do filho com Pepita. Seu pai já sabia de tudo há alguns meses através das cartas enviadas por seu irmão D.Deán

D. Pedro sabia de tudo, inclusive de seu duelo com o conde Genazahar, que ofendera a honra de Pepita com palavras, a verdade é que para o pai de Luis foi uma alegria, pois ele não concordava no fato de seu filho ser padre. Talvez a idéia de casar-se com Pepita partira do fato de que não teria herdeiros, mas relembra que com a chegada do filho a jovem viúva abandona o luto e passa a se vestir de maneira mais alegre, confessa que por um momento pensou ser ele o motivo de tão grande mudança. D. Luis larga a batina de vez e se casa com Pepita Jiménez, o padre amigo da família falece em virtude da avançada idade, o que deixa Luis bastante entristecido, mas isso logo é superado com a abnegação de Pepita. Os dois tem um filho, deixando D. Pedro muito feliz, o casal segue a vida buscando sempre em Deus o estímulo, o conforto, a tranqüilidade para superarem todos as situações opostas;Tornam-se um exemplo em Andalucía de respeito, amor e obediência à Deus e reconhecem que o amor de ambos não é uma queda, mas começo de uma grande mudança na história de suas vidas.

Respostas do teste surpresa, de 16/02/11


EXPLICAÇÕES

01. Resposta c
A palavra que atrai para junto de si o pronome situado na mesma frase.

02.
a) Condições meteorológicas. O adjetivo meteorológico deriva de meteoro, que é qualquer fenômeno perceptível que ocorre na atmosfera terrestre, desde chuva até estrelas cadentes.
b) Caranguejo. Alguns estudiosos acreditam que a palavra caranguejo tem origem do espanhol cangrejo, que por sua vez é o diminutivo do termo cangro, derivado do latim cancer, cancris.
c) Chimpanzé. O i nasal é decorrente de sua origem africana. O termo vem do congolês ki(m)penzi e se transformou em quimpenzé pelos franceses.
d) Supetão. A palavra é o aumentativo de súpeto, forma popular de súbito.
e) Cabeleireiro. Termo derivado de cabeleira.

03. Resposta b
Um evento bimensal ocorre duas vezes por mês, já o bimestral se realiza de dois em dois meses.

04. O problema central da frase é de nexo lógico entre os termos. Tal como está a escrita, o "uso indevido" - aquilo que não é fabricado na empresa - é que apresentaria defeitos. Mais exato seria dizer: "A fábrica garante o produto contra todos os defeitos de fabricação. Problemas provocados por uso indevido não são responsabilidade da empresa." Para evitar o cacófato "fábrica garante", deve-se trocar "garante" por "assegura".

05. "As participações" deveriam ser trocadas por "a participação". Trata-se do uso indevido do plural, uma das distrações, enganos ou impropriedades mais comuns e menos discutidas da língua. Se uma propriedade se refere a sujeitos diversos, deve-se manter no singular. E mais: quando são vários os possuidores, o nome da coisa possuída fica no singular, inclusive partes do corpo, se unitárias, ou atributos da pessoa. Ex. O correto é dizer "eles balançaram a cabeça" e não "eles balançaram as cabeças".

06.
a) a
b) a
c) à
d) à
e) a

07. O 'se' está sobrando. Em construções como essa, o verbo no infinitivo já carrega a noção de passividade. É só lembrar de casos como "Indispensável para produzir", "Difícil de fazer" e "Fácil de amar". Todos eles dispensam a partícula.

08. Resposta a
No enunciado I, como o objeto do verbo denunciar não vem marcado por preposição, pode ser interpretado como sujeito e o sujeito como objeto. Não se sabe, com isso, se é o senador que faz a denúncia e o Senado afetado por ela ou vice-versa. Em II e III, como o objeto de desconfiar é marcado pela preposição de, não há ambigüidade alguma.

09. Resposta d
Todo pronome de tratamento comporta-se gramaticalmente como terceira pessoa.

10. Resposta a
Ao dizer que até as universitárias são prostitutas, a frase deixa entrever uma crítica ao regime cubano - atingiu tal degradação, que ocorre o que menos se espera: universitárias prostituindo-se. Já ao dizer que até as prostitutas são universitárias, o sentido da frase é o avesso do anterior: o regime é tão rico de possibilidades, que mesmo as prostitutas podem tornar-se universitárias.

E aí?? Como é que foi??
Anota quantas questões vc acertou e vamos discutir.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

'A MÃO DE OBRA NEGRA NO SÉCULO XIX: NEGRAS(OS) DE ALUGUEL E DE GANHO' - * Por Adomair O Ogunbiyi

'A MÃO DE OBRA NEGRA NO SÉCULO XIX: NEGRAS(OS) DE ALUGUEL E DE GANHO'

* Por Adomair O Ogunbiyi
* Publicado 15/01/2009
* História
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Negros(as) de Ganho

A MÃO DE OBRA NEGRA NO SÉCULO XIX: NEGRAS(OS) DE ALUGUEL E DE GANHO"

Rechaço o individualismo porque pertenço a todos os negros. Sou José o peão, João o porteiro e Moisés o mineiro. Quando estão em apuros estou também.

Maulana Ron Karenga

O elemento negro, raptado em África, foi trazido ao Brasil para trabalhar, isto é um fato. Este modo de produção que surgiu com o mercantilismo e a expansão do capitalismo, sendo um dos elementos constituintes básicos da acumulação primitiva do capital, conforme nos ensina o Professor Clóvis Moura (2004).

A escravidão moderna ou colonial expandiu-se nas colônias da Inglaterra, Portugal, Espanha, Holanda, França etc., tendo como elemento escravizado os filhos do continente africano. Calcula-se que cerca de dez milhões de africanos foram transplantados para várias partes do mundo.

E de seu trabalho como mão-de-obra não assalariada nosso país foi reconhecido mundialmente como o maior produtor de açúcar, de ouro e por fim de café, respectivamente nos séculos XVII e XVIII conforme afirmou Maurício Goulart (1950), em Escravidão Africana no Brasil.

Mário Meireles registra que antes da Companhia Geral de Comércio do Grão-Pará e Maranhão (6/6/1755), construído por Marques de Pombal, não havia escravatura africana nas capitanias do Pará e Maranhão. (MEIRELES, 1994, p.129)

A primeira introdução africana que se tem notícia data de 1761, segundo César Marques. Contudo, encontramos informações do Senado da Câmara de São Luís, que por vereação de 14.06.1655, resolveu criar um cargo de Juiz da Saúde, por haver muitas moléstias e para visitar os navios que chegavam com negros.

O mesmo César Marques vai relacionar, entre 1812 a 1821, a entrada de 36.356 negros(as) retirados(as) de África e introduzidos no estado. Eram povos Bantos e Sudaneses das mais variadas etnias.

Alguns viajantes vão apresentar os seguintes dados:

Maranhão

Thomas Ewbank


280.000 (em 1845)

Charles Ribeyrolles


370.000 (em 1856)

São Luís

Daniel Parish Kidder


33.000 (em 1841)

George Gardner


26.000 (em 1841)

Os dados acima estão conforme apontamentos de José Ribamar C. Caldeira (1991, p. 17 e 19).

Em 1821, Maria Graham, apontara que a população escravizada era cerca 71% de negros(as) e 29% de não-negros(as), exemplificando:

Condição Jurídica


População Total

nº Habitantes


Trabalhadores(as) da

Lavoura

Livres


35,618


19.960

Escravizados(as)


84.434


68.534

Total:


120.052


89.494

Fonte: Maria Graham (1821)

D'Orbigny notou, em 1832, que a população da capital maranhense era composta, em sua maioria, de "crioulos portugueses e negros(as) escravizados(as).

Em São Luís o(a) escravizado(a) de ganho – comerciante – só era permitido pela Câmara Municipal se estivesse portando autorização escrita de que o enviou.

Uma das regras da segunda metade do século XIX, em São Luís, dizia que o escravizado só poderia estar fora de casa até às dez horas da noite e daí em diante, somente com a autorização escrita de seu/sua senhor(a). (Martins, 2000, p. 76).

É interessante assinalar as diversas profissões exercidas segundo as condições jurídicas, em 1821:

Profissão


Número de trabalhadores(as)

Livres


Escravizados(as)

Pedreiro os e canteiros


404


608

Carpinteiros


138


326

Alfaiates


61


96

Entalhadores


96


42

Carpinteiros navais


80


38

Ourives


49


11

Ferreiros (em S. Luís)


37


23

Marceneiros


30


27

Pintores e caiadores


10


5

Caldeireiros


4


1

Seleiros


4


1

Serralheiros


5


-

Curtidores


4


-

Tanoeiros (em s. Luís)


2


-

Fonte: Spix e Martius, 1981, II, p. 285

Interessante citar a existência do Código de Posturas de 1882, que tratava da legislação trabalhista.

A escassez da mão-de-obra escravizada, na cidade de São Luís, no final do século XIX era evidente.As motivações variavam desde as compra de cartas de alforria, fugas para quilombos - aqui localizamos a Balaiada (1838-1841), tendo como um dos líderes Negro Cosme, sociedades de manumissão, libertação por batismo e por herança.

Negros de ganho ou de canga, em São Luís, se reuniam na "esquina da rua Formosa com a de Santana" , [...] "era o Canto Pequeno, ponto de reunião". (LIMA, 2002, 179).

O abolicionista Joaquim Nabuco enfatizava que a população negra era "os pés e mãos do senhor". Essa população se encontrava na lavoura, nas cidades. Dentro de casa, nas senzalas, fugidos no mato – nos quilombos espraiados de norte a sul do Brasil. Prestando serviços nas grandes cidades, como Rio de Janeiro, Salvador, Maranhão[2]: vendendo água, comida, panelas, miçangas, badulaques. Exercendo ofícios especializados, como pode se observar nos relatos sobre a vida brasileira realizados por Jean-Baptiste Debret:

[...] o oficial de barbeiro no Brasil é quase sempre um negro ou pelo menos escravizado. Esse contraste, chocante para um europeu, não impede ao habitante do Rio de entrar com confiança numa dessas lojas, certo de aí encontrar numa mesma pessoa um barbeiro hábil, um cabeleireiro exímio, um cirurgião familiarizado com o bisturi e um destro aplicador de sanguessugas".

(DEBRET, Jean Baptiste. apud: TOLEDO, Roberto Pompeu, 1996, p. 52)

Negros africanos das mais variadas origens eram, também, carregadores. Carregavam as cadeirinhas onde os(as) brancos(as) iam sentados(as), baús, caixas, caixões, caixotes, sacas de café, os barris com água ou dejetos (tigres)[3], etc.

Encontravam-se na minas, na extração de pedras preciosas e ouro.

Havia diversos tipos de escravizados(as). De propriedade do senhor(a) ou alugados(as). Empregados(as) no eito ou nos serviços domésticos. Havia os(as) escravizados(as) "ao ganho" – aqueles(as) que o senhor punha a realizar determinado serviço para fazer algum dinheiro. Os(As) que trabalhavam nas cidades, exercendo diversos ofícios, podiam ser libertos(as), mas podiam ser também escravizados(as) "ao ganho". Ou escravas, que tanto podiam vender quitutes como serem prostituídas, para proveito de seu senhor ou senhora. (SANTOS NETO, Manoel, 2004, p. 101).

As profissões exercidas por negras e negros de ganho eram de: carregadores, moços de recado, cirurgiões[4], "sangradores" e aplicadores de sanguessugas, fabricantes e vendedores de cestos (indústria do trançado), vendedores de aves, serradores de tábuas, caçadores, vendedores de milho, de leite, de capim e de sapé, transportes de cana de corte, calçadores de rua (calceteiros), etc. As mulheres negras eram vendedoras de angu, sonhos, refrescos, pães-de-ló, quitandeiras e lavadeiras.

ESCRAVOS(AS) DE GANHO

Tudo parece negro: negros na praia, negros na cidade, negros na parte baixa, negros nos bairros altos. Tudo o que corre, grita, trabalha, tudo o transporta e carrega é negro.

Robert Ave-Lallemant (1860)

Escravizados(as) de ganho ou "ao ganho" eram aqueles(as que trabalhavam fora da casa do(a) seu/sua proprietário(a), como jornaleiro(a). Vendia nos mercados ou nas ruas da cidade água, frangos, comidas e doces, poucas, perfumes, tecidos e bagatelas, ou eventualmente, agenciava prostituídas.

Outra profissão ambulante para um negro escravizado de ganho era a de barbeiro. Eram também carregadores de cadeirinha, de barracas, de sacas de café etc. Enquanto esperavam que alugasse os seus serviços, trançavam chapéus e esteiras, vassouras de piaçava, enfiavam rosários de coquinhos, faziam correntes de arame para prender papagaios, pulseiras de couro e assim conseguiam algum dinheiro que juntavam para comprar sua alforria[5]. (SANTOS NETO, 2004, p.101; MARTINS. 2000, p. 78)

A respeito de alforria e "ganhadeiras" Dunshee de Abrantes nos relata que Amélia, que era dona de uma quitanda onde vendia café, mingau de milho, caruru, arroz-de-cuxá, folhe, manuê, e cuscuz – a Princesa da Calçada do Açougue - primogênita de um português com a conhecida Emília (mi'ama) mãe de leite do autor:

A muito custo fora redimida por ocasião do batismo, no dia de São Benedito, pelo pai, um português. Aprendera a ler e escrever; crescera sempre robusta e sadia; e, virgem ainda aos 27 anos, repelia sistematicamente todas as proposta de casamento ou de sedução, com risadas cristalinas e ritmadas, dizendo que só pensaria em amores no dia em que tirasse a sua mão do cativeiro. Para tanto juntou 200 mil reis e foi fazer o pedido de alforria de sua mãe, Emilia, também por ocasião do dia de S. Benedito, ocasião em que "era uso anos antes fazere-se as tradicionais libertações na pia de pequenos escravizados(as), ora pelos próprios senhores(as), ora custeadas pelos cofres da Sociedade Manumissora, a Dona Evarinta que recusou dar alforria. E, em resposta disse: "Isso não pode ficar assim: você embarca, minha mãe, e vou atrás. Lá no Rio há de haver juízes. Irei até aos pés do Imperador!"Ante a negação de Dona Evarinta justificada com a afirmação de que "não poderia passar sem a Emilia é quem me trata nas minhas doenças; e como vamos para a Corte nestes dias, preciso que me acompanhe, e lá então decidirei com ela o que desejar, e eu quero fazer [...]".Passado dois meses foi ao Rio e entregou ao Senador Nunes Gonçalves (Visconde de São Luís do Maranhão) a quantia solicitada para alforriar sua mãe.

(ABRANTES, 1992. p.135)

Outros casos exemplares, no Maranhão, apresentados por Dunshee de Abrantes em "O Cativeiro" (1992) como de Catarina Mina (Catarina Rosa Ferreira de Jesus), escravizada e posteriormente alforriada, tornando comerciante "ao sopé do Beco da Praia Grande, hoje com o nome de Beco Catarina Mina; e o de Adelina Charuteira que:

Era uma escravizada, quase branca, de cabelos compridos ligeiramente ondulados, de 16 anos de idade, inteligente, arguta, de discrição a toda prova. Sempre bem calçada e de vestidos modestos, mas bem feitos, tinha traços finos e formosos que traíam a família ilustre de seu pai que, apesar de abastado, não teve a coragem ou a caridade de adota-la nem redimi-la ao nascer. Ela e sua mãe continuaram assim escravizadas da família conhecida por Boca da Noite; e seu senhor, empobrecendo dia a dia, vivia então de fabricar charutos. Daí o apelido que deram à jovem cativa de Adelina Charuteira. Sabia ler e escrever; fazia e conhecia a costura de cortes.

(ABRANTES, 1992, p. 156-158).

E, ainda pegando exemplos da importante participação feminina no "comércio de produtos indispensáveis para a população e realizando atividades que, que certa forma, dependiam a ordem econômica e política" nos centros urbanos temos o "vai-e-vem das mulheres a alguns tráfico proibido e/ou comunicação com negros aquilombados". Aí, situa-se o, também, emblemático/simbólico caso da quitandeira Luiza Mahim[6] que participou da Revolta dos Malês, 1835, na Bahia. (SOARES, 2006, p.77).

O escravizado carregador, quase sempre de ganho, carregava malas, pipas e outros objetos. Um mercenário alemão que serviu às tropas de D. Pedro I, entre os anos de 1824 e 1826, observou na cidade um negro que carregava pesada mala e cantava a seguinte cantiga traduzida por Gustavo Barroso (1961):

Vou carregando por meus pecados

Mala de branco pra viajar.

Quem dera ao Tonho, pobre do negro,

Pra sua terá poder voltar.

O(A) escravizado(a) de ganho entregava ao seu/sua proprietário(a) uma quantia fixa, freqüentemente uma vez por semana, e em geral tinha de prover seu próprio sustento. Era possível também o arranjo pelo o pagamento era entregue integralmente ao(à) senhor(a), que então ficava obrigado a sustentar o(a) escravizado(a).

Usavam "os ganhadores ou trabalhadores do "canto", no serviço diário, vestimenta de pano de algodão grosso (de saco de farinha de trigo, ou de sacos de aniagem (tecido na juta usado em sacaria, servindo especialmente naquele tempo para enfardamento de xarque).

O(A) escravizado(a) de ganho dava um jornal fixo, em 1837, seria de 320 mil-réis diários, dos quais metade pelo menos seria necessário para seu sustento, segundo Burlamarque. (1837, p. 64).

Negros de ganho podiam morar com seus/suas donos(as) e deles receber refeições ou se alojar em algum cortiço e suprir as refeições por conta própria.A obrigação, à qual não podiam faltar, era a de entregar ao dono(a) uma renda fixa, por dia ou semana, ficando somente com o que lhes sobrasse. Aquele(a) que descumprisse esta obrigação se sujeitava a surras de palmatória. Os(as) recalcitrantes eram entregues à delegacia de polícia para reclusão e açoitamento.

Gorender (1988) afirma que nem mesmo o negro aleijado não estava dispensado de trabalhar.

Ao contrário destes(as) os escravos de aluguel eram alugados pelo seu/sua senhor(a) a outro(a) em troca de um pagamento. Podiam ser domésticos, artesãos, amas-de-leite, cozinheiros(as), governantes, carpinteiros, sapateiros, barbeiros, ferreiros, ceramistas pintores, pedreiros etc. (MOURA, 2004, p.150; GORENDER, 1988, XXXIII)

Contrapondo-se à falácia da "democracia racial", tese gilbertofreiriana, Manuela Carneiro da Cunha (1985, p. 17) assevera:

O escravismo é um sistema hierárquico de produção, e seus aspectos específicos são esclarecidos por referência ao sistema. Em particular, como qualquer sistema hierárquico, ele tem contidos nele loci da violência e de opressão que estarão eventualmente situados em pontos diferentes em diferentes sociedades, mas não poderão deixar de existir.

As duas modalidades apresentadas – negros(as) de ganho e negros(as) de aluguel – diferem uma da outra, conforme argumentos contundentes do Professor/Mestre Clóvis Moura (2004) e seguindo seus ensinamentos entende-se que nas relações de trabalho, nos dias atuais, encontram-se similitudes, no caso de negros(as) de ganho, nas Empresas do tipo Gelre, que surgiram nos anos 70 e as terceirizadorasdo anos 80 e 90 – empresas que oferecem a mão-de-obra de trabalhadores(as) ao mercado efetuando seus pagamentos mensalmente, após o recebimento dos proventos recebidos das empresas ou indivíduos contratantes.

Não basta escrever um canto revolucionário para participar da revolução [...]; é preciso fazer esta revolução com o povo. Com o povo, e os cantos surgirão sozinhos e por mesmos.

Não há nenhum lugar fora deste combate único nem para o(a) artista, nem para o(a) intelectual que não esteja ele(a)próprio(a) empenhado(a) empenhado e totalmente mobilizado com o povo na grande luta da África e da humanidade.

Sékou Touré

Não concluindo, propomos que a presente reflexão seja uma pista para pesquisas mais profundas e amplas acerca do tema. Esperamos, contudo, que tenhamos conseguido contribuir para estimulo do espírito artístico e crítico daqueles que pensam uma sociedade justa e igualitária.

Bi Olorun ba fe!

Adomair O. Ogunbiyi

REFERÊNCIAS:

ABRANTES, Dunshee. O Cativeiro. 2. ed. São Luís: Alumar, 1992.

AZEVEDO, Paulo César de. LISSOVSKY, Maurício. (orgs.). Escravos Brasileiros do século XIX na fotografia de Christiano Jr. São Paulo: Ex Libris, 1988.

CALDEIRA, José Ribamar C. O Maranhão na literatura dos viajantes do século XIX. São Luís: AML/SIOGE, 1991.

CUNHA, Manuela Carneiro da. Negros, Estrangeiros: Os escravos libertos e sua volta à África. São Paulo: Brasiliense, 1985.

GOULART, Maurício. Escravidão Negra no Brasil. 2. ed. São Paulo: Livraria Martins Editora, 1950.

LIMA, Carlos. Caminhos de São Luís: ruas, logradouros e prédios históricos. São Paulo: Siciliano, 2002.

MARTINS, Ananias Alves. São Luís: Fundamentos do patrimônio cultural – séc. XVII, XVIII e XIX. São Luís: 2000.

MEIRELES, Mário M. Dez Estudos Históricos.São Luís: Alumar, 1994.

MOURA, Clóvis. Dicionário da Escravidão Negra no Brasil. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2004.

SANTOS NETO, Manoel. O negro no Maranhão. São Luís: 2004.

SOARES, Cecília C. Moreira. Mulher Negra na Bahia no Século XIX. Salvador: EDUNEB, 2006.

TOLEDO, Roberto Pompeu de. À Sombra da escravidão.São Paulo: Veja, edição 1.444. Ano 29 – nº. 20 – 15 de maio de 1996, p.52-65.

VERGER, Pierre. Notícias da Bahia – 1850. Salvador: Corrupio, 1981.

[1] Militante do Movimento Negro Unificado – MNU, desde 1981, atua como Coordenador de Organização e Formação. Acadêmico de Pedagogia. Assessor Sindical do Sindoméstico – Sindicato das Trabalhadoras Domésticas do Estado do Maranhão.

[2] Maurício Goulart relata que a Fazenda Real contratara com Pascoal Pereira Jansen e ouros negociantes de Lisboa a introdução, no Pará e Maranhão, pelo prazo de vinte anos, de 10 mil escravizados, à razão de 500 por ano. (1950, p. 124 -125). Confirma a entrada de 40.000 escravizados(as) no Maranhão entre 1801-1839 (1950, p. 272).

[3] A existência do Beco da Bosta, hoje conhecida com Travessa 28 de Setembro, nos remete aonde "transitavam os escravizados carregando os tonéis de excrementos das famílias para joga-los na maré, os conhecidos tigres ou cabungos", conforme afirma Carlos Lima (2002, p. 36).

[4] A profissão de barbeiro era outra a que os escravizados se dedicavam, e nela estava incluída a tarefa de aplicação de sangria, isto é, retirada de parte de sangue do paciente para tratar de problemas tão distintos como febre, erisipela, varíola, sarampo, diarréias, machucados e dores. Alguns barbeiros, mesmo libertos ou escravizados de origem africana,obtinham licença especial para praticar o ofício de cirurgião "prático": amputavam membros (em casos como de gangrena),extraíam tumores e dentes e colocavam ossos no lugar. (Relatório de Desenvolvimento Humano 2005, PNUD, grifos nossos)

[5] Havia dois caminhos para a alforria: um podia ser graciosamente concedida e podia ser comprada. A diferença entre elas era falaciosa, pois grande parte das alforrias gratuitas era acoplada a condições suspensivas que estipulavam anos de serviços a serem cumpridos, ou que exigiam que o escravizado servisse determinada pessoa, o senhor, sua viúva, algum herdeiros ou testamenteiro por vezes até a morte destes.

[6] Mãe de Luís Gama, abolicionista.

Ao usar este artigo, mantenha os links e faça referência ao autor:
'A MÃO DE OBRA NEGRA NO SÉCULO XIX: NEGRAS(OS) DE ALUGUEL E DE GANHO' publicado 15/01/2009 por Adomair O Ogunbiyi em http://www.webartigos.com