Professor por vocação

Professor por vocação
Nós...

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Tupiniquim

O que aconteceu com os tupiniquins ? Você sabe o que um tupiniquim ? Responda e concorra a prêmios.

Cai número de alunos da rede pública aprovados na USP

Cai número de alunos da rede pública aprovados na USP
O número de alunos oriundos da escola pública aprovados em primeira chamada na Universidade de São Paulo (USP) caiu para o menor patamar desde 2007, quando o programa de inclusão foi implantado na instituição

AE | 11/08/2010 11:30

* Mudar o tamanho da letra:
* A+
* A-

selo

O número de alunos oriundos da escola pública aprovados em primeira chamada na Universidade de São Paulo (USP) caiu para o menor patamar desde 2007, quando o programa de inclusão foi implantado na instituição. Neste ano, 25,6% do total de 10.662 convocados para matrícula - ou seja, 2.717 alunos - cursou o ensino médio na rede pública. O porcentual está abaixo do número de 2009, que foi de 30% - um recorde para a USP.



Os dados são referentes ao Programa de Inclusão Social da Universidade de São Paulo (Inclusp) e foram apresentados nesta terça-feira, dia 10, pela pró-reitora de graduação da USP, Telma Zorn. O Inclusp oferece ao aluno da rede pública a possibilidade de aumentar sua nota do vestibular em até 12%, de acordo com os bônus do programa.



O porcentual de 25,6% se aproxima dos índices anteriores à criação do Inclusp - por exemplo, em 2001, 25,19% dos aprovados na Fuvest estudaram na rede pública. Além disso, está abaixo da meta do programa. Quando foi criado, o objetivo era conceder 30% das matrículas a estudantes formados na rede pública - número que só foi atingido em 2009, já que, em 2007, ficou em 26,98% e, em 2008, em 26,31%.



De acordo com Telma, há algumas possibilidades para a queda específica de 2009 para 2010: a não realização do programa de embaixadores do Inclusp no ano passado (ou seja, faltou divulgação nas escolas); a maior oferta de vagas com a expansão de universidades federais; a procura pelo Programa Universidade Para Todos (ProUni), que chama alunos carentes para instituições particulares, e a divulgação escassa do "bônus Fuvest", criado em 2009 para substituir a nota do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) no vestibular. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Harvard...

Representante de Harvard visita o Brasil para esclarecer dúvidas
Responsável por selecionar aplicações de estudantes brasileiros vai ao Rio de Janeiro e a Curitiba, após passar por São Paulo

Marina Morena Costa, iG São Paulo | 11/08/2010 12:41

Jovens estudantes lotaram a platéia do auditório do Colégio Rio Branco, em Higienópolis, para tirar dúvidas e assistir a palestra de Jim Pautz, representante de escritórios de admissões e ajuda financeira da Universidade de Harvard, na última terça-feira (10). Após a passagem por São Paulo, Pautz estará ainda no Rio de Janeiro, na quinta-feira (12) e em Curitiba, na segunda-feira (16) para explicar os trâmites do processo de seleção de uma das universidades mais restritas e criteriosas do mundo.

Apesar de ter aprovado apenas dois estudantes brasileiros para o próximo ano letivo, o interesse por uma vaga é crescente. “Pelo menos 10% dos alunos de Harvard são estrangeiros, estudantes que precisam de um visto para ingressar na universidade”, informa Pautz. Entre os mais de 30 mil inscritos neste ano, apenas 1.656 foram aprovados.

Uma das principais dúvidas dos estudantes é sobre os critérios de seleção. Não há nota de corte para Harvard. Os candidatos devem prestar o Scholastic Aptitude Test (SAT) e o American College Testing (ACT). O SAT é um exame mais analítico, que consiste em interpretação de texto, gramática, redação e matemática. Já o ACT é mais voltado para checar o aprendizado ao longo dos anos de escola. A pontuação máxima desses testes é 800, e a média, 500.

Segundo Pautz, Harvard aceita alunos com pontuação na casa dos 500. A aprovação depende da análise dos documentos enviados pelos candidatos, feita por um comitê de avaliadores. O representante aconselha aos estudantes a prestarem bastante atenção na redação: “É a sua chance de falar algo sobre você, para que nós possamos conhecê-lo melhor”.

A participação dos estrangeiros tem crescido em Harvard nos últimos 20 anos. Tanto é que hoje a instituição conta com alunos de 98 nacionalidades diferentes. De acordo com Pautz isso acontece porque a universidade investe na diversidade e tem como objetivo selecionar os melhores talentos. “Geralmente, nossos alunos fizeram parte do grupo dos 10% melhores em suas escolas.”

Somando o gasto com passagens, livros, dormitório, alimentação e visto, estudar em Harvard custa cerca de US$ 55 mil anuais (aproximadamente R$ 97.262). Mas Harvard tem um programa de ajuda financeira para alunos que não podem pagar arcar com os custos. Para famílias que ganham até US$ 60 mil anuais (aproximadamente R$ 106.230) é possível conseguir uma bolsa integral.

Palestras de Jim Pautz

Rio de Janeiro
12 de agosto, às 18h
IBEU de Copacabana
Av. Nossa Senhora de Copacabana, 690, 2º andar
Confirmar presença pelo e-mail monica@fullbright.org.br

Curitiba
16 de agosto, 19h30
Auditório da FAE
Centro Universitário, 7º andar
Confirmar presença pelo e-mail aretagalat@fae.edu

Mais informações: http://www.drclas.harvard.edu/brazil/college-info-sessions-2010


E tem gente que diz que educação não tem preço!!

Exercícios de concordância verbal - prática de língua portuguesa

Faça a Concordância Correta Rasurando o Verbo Incorreto:

01 – [Deu / Deram] dez horas no relógio da sala.

02 – [Deu / Deram] uma hora há pouco.

03 – O carrilhão [bateu / bateram] oito horas.

04 – [Está / Estão] batendo três horas.

05 - Quando [bater / baterem] dez horas, podem sair.

06 – Nisto [deram / deu] três horas o relógio do boteco.

07 – Será que já [soou / soaram] seis horas, o despertador?

08 – [Bateram / bateu] dez horas em três torres.

09 – A torre da igreja [bateram / bateu] dez horas.

10 – [Davam / Dava] dez horas na igreja da cidade.

11 – Naquele relógio já [soaram / soou] duas horas.

12 – [Tinham / Tinha] batido duas horas no cartório do tabelião.

13 – [Falta / Faltam] três minutos para as dez horas.

14 – [Deve / Devem] faltar poucos minutos para as nove.

15 - O jogo de ontem foi ótimo: não [faltaram / faltou] vaias.

16 – [Sobrou / Sobraram] apenas duas balas no meu bolso.

17 - [Basta / Bastam] duas pessoas para arrombar a porta.

18 – [Bastam / Basta] duas crianças para a casa virar do avesso.

19 – Conhecera-o assim, [fazia / faziam] quase vinte anos.

20 – [Vai fazer/ Vão fazer] cem anos que nasceu o genial artista.

21 – [Vai / Vão] fazer dois meses que não chove.

22 - Sou aquele sobre quem mais [tem / têm] chovido elogios.

23 – Conhecido o resultado da votação, [choveu / choveram] vaias.

24 – Aqui, [choveu / choveram] vários dias.

25 – [choviam / chovia] pétalas de flores.

26 – Males inevitáveis [iam / ia] chover sobre mim.

27 – [Faz / Fazem] vinte minutos que estamos a sua espera.

28 – [Haviam / Havia] muitos anos que não vinha ao Rio.

29 - Talvez ainda [haja / hajam] vagas naquela escola.

30 - Por cima do fogão [deviam / devia] haver fósforos.

31 – [Fazem / Faz] hoje precisamente sete anos.

32 - Na cidade [havia / haviam] poucos médicos.

33 – [Vai / Vão] haver grandes festas.

34 - Nas fazendas [haveriam / haveria] verduras frescas.

35 – [Havia / Haviam] dois anos que não nos víamos.

36 – Não [havia / haviam] vizinhos naquele deserto.

37 – Hoje [é / são] dez de setembro.

38 – [Haverá / Haverão] desistências.

39 – [Faz / Fazem] três anos que estou morando neste bairro.

40 – [Falta / Faltam] apenas os exercícios.

41 - Não lhe [falta / faltam] qualidades para você ser um vitorioso.

42 – [Havia / Haviam] poucas vagas para o curso.

43 – [Faz / Fazem] mil anos que aquela estrela está ali.

44 – [Vai / Vão] haver desistências.

45 - [Haviam / Havia] ali muitas rivalidades.

46 - Aqui [faz / fazem] verões terríveis.

47 – [Falta / Faltam] um minuto e cinquenta segundos.

48 – [Faz / Fazem] alguns anos que nós viajamos.

49 –[Deve / Devem] existir outras opções de investimentos.

50 – [Há / Hão] de haver razões para ele não vir.

51 - Após a reunião [haverá / haverão] debates.

52 - Não [podem / pode] haver rasuras neste documento.

53 - Nos rios e lagos não [havia / haviam] mais peixes.

54 – Nossa! Já [é / são] meia-noite.

55 – Hoje [é / são] dia dois de abril

56 - Na minha turma [havia / haviam] alunos brilhantes.

57 - Anotei os objetos que [faltavam / faltava].

58 – No Rio de Janeiro [faz / fazem] dias muito bons.

59 – [Começou a haver / Começaram a haver] abusos.

60 – [Deve \ Devem] fazer uns dois anos que não vou lá.

Autor:
Ricardo Sérgio
Publicado no Recanto das Letras em 29/10/2005
Código do texto: T64866

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Sermão dos Peixes, Vieira

Sermão de Santo António aos Peixes foi proferido na cidade de São Luís do Maranhão em 1654, na sequência de uma disputa com os colonos portugueses no Brasil.

O Sermão de Santo António aos Peixes constitui um documento da surpreendente imaginação, habilidade oratória e poder satírico do Pe. António Vieira, que toma vários peixes (o roncador, o pegador, o voador e o polvo) como símbolos dos vícios daqueles colonos.

Com uma construção literária e argumentativa notável, o sermão pretende louvar algumas virtudes humanas e, principalmente, censurar com severidade os vícios dos colonos. Este sermão (alegórico) foi pregado três dias antes de Padre António Vieira embarcar ocultamente (a furto) para Portugal, para obter uma legislação justa para os índios.

Todo o sermão é uma alegoria, porque os peixes são a personificação dos homens.

Estrutura do Sermão

1. INTRODUÇÃO (Exórdio) - cap.I
A partir do conceito predicável "vós sois o sal da terra": "Luis Mello foi sal da terra e foi sal do mar."

2. DESENVOLVIMENTO (Exposição e Confirmação) - cap. II-III e IV-V
"(...) para que procedamos ].; com alguma clareza, dividirei, peixes, o vosso sermão em dois pontos: no primeiro louvar-vos-ei as vossas virtudes, no segundo repreender-vos-ei os vossos vícios.".

2.1. LOUVOR DAS VIRTUDES
"Começando, pois, pelos vossos louvores, irmãos peixes, ..."
2.1.1. LOUVORES EM GERAL - cap. II (1.º momento da Exposição)
a) "ouvem e nsentinelas e deu-lhes dois olhos, que direitamente olhassem para cima, para se vigiarem das aves, e outros dois que direitamente olhassem para baixo, para se vigiarem dos peixes."
2.2. REPREENSÃO DOS VÍCIOS
"Antes, porém, que vos vades, assim como ouvistes os vossos louvores, ouvi também agora as vossas repreensões."
[editar] Louvoures em Geral

* São obedientes (obediência), ouvem e não falam

"aquela obediência, com que chamados acudistes todos pela honra de vosso Criador e Senhor"
"ouvem e não falam"

* Foram os primeiros animais a serem criados

"vós fostes os primeiros que Deus criou"

* São os mais numerosos e os mais volumosos

"entre todos os animais do mundo, os peixes são os mais e os maiores"

* Não são domesticáveis, presos, virgens.

"só eles entre todos os animais não se domam nem "

[editar] Capítulo III - Louvores em Particular

* Peixe de Tobias
o Cura a cegueira

"(...) sendo o pai de Tobias cego, aplicando-lhe o filho aos olhos um pequeno do fel, cobrou inteiramente a vista;"

*
o Expulsa os demónios

"(...) tendo um demónio chamado Asmodeu morto sete maridos a Sara, casou com ela o mesmo Tobias; e queimando na casa parte do coração, fugiu dali o demónio e nunca mais tornou;"

* Rémora

Um peixe pequeno mas tem muita força. Representa a soberba

*
o A fraqueza e nada com que luz

"(...) se se pega ao leme de uma nau da índia (...) a prende e amarra mais que as mesmas âncoras, sem se poder mover, nem ir por diante."
"Oh se houvera uma rémora na terra, que tivesse tanta força como a do mar, que menos perigos haveria na vida, e que menos naufrágios no mundo!"
"(...) a virtude da rémora, a qual, pegada ao leme da nau, é freio da nau e leme do leme"

*
o Apenas é comparável à língua de Santo António, que serve de guia às pessoas

* Torpedo

Peixe que faz descargas eléctricas para se defender. Representa a vingança.

*
o Faz abanar, faz passar a dout, o bom e a virgindade do Espírito Santo

"Está o pescador com a cana na mão, o anzol no fundo e a bóia sobre a água, e em lhe picando na isca o torpedo, começa a lhe tremer o braço. Pode haver maior, mais breve e mais admirável efeito? De maneira que, num momento, passa a virtude do peixezinho, da boca ao anzol, do anzol, à linha, da linha à cana e da cana ao braço do pescador"

*
o Faz t(r)emer os pe(s)cadores

* Quatro Olhos

Vê para cima e para baixo. Representa a capacidade de distinguir o bem do mal (céu/inferno).

*
o A Vigilância, providência

"Esta é a pregação que me fez aquele peixezinho, ensinando-me que, se tenho fé e uso da razão, só devo olhar direitamente para cima, e só direitamente para baixo: para cima, considerando que há Céu, e para baixo, lembrando-me que há Inferno" (Senão por amor a Deus (cima), então, por repúdio ao inferno (baixo))

O Sermão do Bom ladrão (Pe. Antônio Vieira) - Comentário

O intróito é a primeira das três partes de um sermão que diz o plano que se utilizará na análise, o intuito do Pe. Vieira era que basicamente todos pudessem imitar ao Rei dos Reis. Inicia-se discorrendo sobre dois ladrões que haviam sido condenados e executados através da crucifixão. Narra que quando o bom ladrão (Dimas) pediu a Cristo que se lembrasse dele no seu reino, o Senhor teve a lembrança de que ambos se vissem no Paraíso. A subjetividade, a emoção e o convencimento são expressados no texto através de figuras de linguagens. “Êste sermão, que hoje se prega na Misericórdia de Lisboa” Percebe-se aqui a presença da metonímia. A segunda parte de um sermão é o seu desenvolvimento o qual nos apresentará o sermão propriamente dito.Uma das características do barroco era a religião como alívio para as angústias; a literatura barroca procurou conciliar o espiritualismo medieval com o materialismo do classicismo renascentista numa tentativa de equilibrar os contrários por exemplo: O DIVINO E O HUMANO, O BEM E O MAL, O PECADO E A VIRTUDE, A VIDA TERRENA E A ETERNA, O SAGRADO E O PROFANO, O AMOR PURO E O PECADO, A DÚVIDA E A CERTEZA. “Nem os Reis podem ir ao Paraíso sem levar consigo os ladrões, nem os ladrões podem ir ao inferno sem levar consigo os Reis. Isto é o que hei de pregar. Ave Maria.” Nesta citação nota-se o conjunto de idéias com a presença de antíteses bem como o reflexo das oposições acima citadas. São várias as características barrocas que podem ser encontradas neste sermão que se apresentam por marcas lingüísticas e floreios literários presentes em todo o texto e também por fatores como a necessidade do perdão e as maneiras de se alcançá-lo. Para Pe. Vieira sem a restituição do alheio não se poderia alcançar a salvação. Não se perdoava o pecado sem se restituir o roubado quando o ladrão tivesse possibilidade de restituí-lo. As restituições do alheio sob pena da salvação estavam sujeitos tanto os súditos quanto os reis. Os ladrões de quem fala o padre neste sermão não são os miseráveis a quem a pobreza obriga a agir de maneira incorreta, mas os ladrões de maior calibre e de mais alta esfera. É narrado que Alexandre em uma poderosa armada pelo mar Eritreu repreendeu um pirata que fora trazido à sua presença porque roubava os pescadores; porém o pirata respondeu que ele por roubar em uma barca era considerado um ladrão e que Alexandre ao usar uma armada para roubar era considerado imperador. O Pe. vieira insinua, metaforicamente, que os reis adquirem um passaporte para furtar. O vocabulário rico, as comparações, as metáforas, além da dubiedade de sentidos aparecem em muitas passagens do texto, mas há um trecho bastante longo, porém bastante interessante que se apresenta em mais evidência, é guando ele explica as maneiras de furtar: no modo indicativo, imperativo, mandativo, optativo, permissivo, infinito; acrescenta ainda que esses modos sejam conjugados em todas as pessoas e ainda furtam por todos os tempos. A terceira parte de um Sermão é a Peroração que é o momento que além de finalizá-lo, os ouvintes são conclamados a seguirem a prática das virtudes propostas como se percebe quando ele faz com que o ouvinte (em nosso caso: o leitor) pense sobre sua citação: não se pode calar com boa consciência, ainda que seja com repugnância, é força que se diga ou ainda quando ele narra baseado no que disse Cristo, que é melhor ir ao Paraíso manco, aleijado e cego, que com todos membros inteiros ao inferno. Finaliza fazendo uso de repetições, pedindo a Deus que ensine com o seu exemplo e inspire com a sua graça a todos os reis de tal forma que evitem os furtos futuros e ainda devolvam os passados para que no lugar de os ladrões os levem ao inferno que vá ao Paraíso os ladrões juntamente aos reis.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Gonçalves Dias -Poemas escolhidos pelo grupo da Jéssyca...

Sofrimento

Meu Deus, Senhor meu Deus, o que há no mundo
Que não seja sofrer?
O homem nasce, e vive um só instante,
E sofre até morrer!

A flor ao menos, nesse breve espaço
Do seu doce viver,
Encanta os ares com celeste aroma,
Querida até morrer.

É breve o romper d'alva, mas ao menos
Traz consigo prazer;
E o homem nasce e vive um só instante:
E sofre até morrer!

Meu peito de gemer já está cansado,
Meus olhos de chorar;
E eu sofro ainda, e já não posso alivio
Sequer no pranto achar!

Já farto de viver, em meia vida,
Quebrado pela dor,
Meus anos hei passado, uns após outros,
Sem paz e sem amor.

O amor que eu tanto amava do imo peito,
Que nunca pude achar,
Que embalde procurei, na flor, na planta,
No prado, e terra, e mar!

E agora o que sou eu? - Pálido espectro,
Que da campa fugiu;
Flor ceifada em botão; imagem triste
De um ente que existiu...

Não escutes, meu Deus, esta blasfêmia;
Perdão, Senhor, perdão!
Minha alma sinto ainda, - sinto, escuto
Bater-me o coração.

Quando roja meu corpo sobre a terra,
Quando me aflige a dor,
Minha alma aos céus se eleva, como o incenso,
Como o aroma da flor.

E eu bendigo o teu nome eterno e santo,
Bendigo a minha dor,
Que vai além da terra aos céus infindos
Prender-me ao criador.

Bendigo o nome teu, que uma outra vida
Me fez descortinar,
Uma outra vida, onde não há só trevas,
E nem há só penar.

Fonte: www.bibvirt.futuro.usp.br


A Minha Musa

Minha Musa não é como ninfa
Que se eleva das águas - gentil -
Co’um sorriso nos lábios mimosos,
Com requebros, com ar senhoril.
Nem lhe pousa nas faces redondas
Dos fagueiros anelos a cor;
Nesta terra não tem uma esp’rança,
Nesta terra não tem um amor.
Como fada de meigos encantos,
Não habita um palácio encantado,
Quer em meio de matas sombrias,
Quer à beira do mar levantado.
Não tem ela uma senda florida,
De perfumes, de flores bem cheia,
Onde vague com passos incertos,
Quando o céu de luzeiros se arreia.

Não é como a de Horácio a minha Musa;
Nos soberbos alpendres dos Senhores
Não é que ela reside;
Ao banquete do grande em lauta mesa,
Onde gira o falerno em taças d’oiro,
Não é que ela preside.
Ela ama a solidão, ama o silêncio,
Ama o prado florido, a selva umbrosa
E da rola o carpir.
Ela ama a viração da tarde amena,
O sussurro das águas, os acentos
De profundo sentir.
D’Anacreonte o gênio prazenteiro,
Que de flores cingia a fronte calva
Em brilhante festim,
Tomando inspirações à doce amada,
Que leda lh’enflorava a ebúrnea lira;
De que me serve, a mim?
Canções que a turba nutre, inspira, exalta
Nas cordas magoadas me não pousam
Da lira de marfim.
Correm meus dias, lacrimosos, tristes,
Como a noite que estende as negras asas
Por céu negro e sem fim.
É triste a minha Musa, como é triste
O sincero verter d’amargo pranto
D’órfã singela;
E triste como o som que a brisa espalha,
Que cicia nas folhas do arvoredo
Por noite bela.
É triste como o som que o sino ao longe
Vai perder na extensão d’ameno prado
Da tarde no cair,
Quando nasce o silêncio involto em trevas,
Quando os astros derramam sobre a terra
Merencório luzir.
Ela então, sem destino, erra por vales,
Erra por altos montes, onde a enxada
Fundo e fundo cavou;
E pára; perto, jovial pastora
Cantando passa - e ela cisma ainda
Depois que esta passou.
Além - da choça humilde s’ergue o fumo
Que em risonha espiral se eleva às nuvens
Da noite entre os vapores;
Muge solto o rebanho; e lento o passo,
Cantando em voz sonora, porém baixa,
Vêm andando os pastores.
Outras vezes também, no cemitério,
Incerta volve o passo, soletrando
Recordações da vida;
Roça o negro cipreste, calca o musgo,
Que o tempo fez brotar por entre as fendas
Da pedra carcomida.
Então corre o meu pranto muito e muito
Sobre as úmidas cordas da minha Harpa,
Que não ressoam;
Não choro os mortos, não; choro os meus dias
Tão sentidos, tão longos, tão amargos,
Que em vão se escoam.
Nesse pobre cemitério
Quem já me dera um lugar!
Esta vida mal vivida
Quem já ma dera acabar!
Tenho inveja ao pegureiro,
Da pastora invejo a vida,
Invejo o sono dos mortos
Sob a laje carcomida.
Se qual pegão tormentoso,
O sopro da desventura
Vai bater potente à porta
De sumida sepultura:
Uma voz não lhe responde,
Não lhe responde um gemido,
Não lhe responde urna prece,
Um ai - do peito sentido.
Já não têm voz com que falem,
Já não têm que padecer;
No passar da vida à morte
Foi seu extremo sofrer.
Que lh’importa a desventura?
Ela passou, qual gemido
Da brisa em meio da mata
De verde alecrim florido.
Quem me dera ser como eles!
Quem me dera descansar!
Nesse pobre cemitério
Quem me dera o meu lugar,
E co’os sons das Harpas d’anjos
Da minha Harpa os sons casar!

A Leviana

És engraçada e formosa
Como a rosa,
Como a rosa em mês d’Abril;
És como a nuvem doirada
Deslizada,
Deslizada em céus d’anil.
Tu és vária e melindrosa,
Qual formosa
Borboleta num jardim,
Que as flores todas afaga,
E divaga
Em devaneio sem fim.
És pura, como uma estrela
Doce e bela,
Que treme incerta no mar:
Mostras nos olhos tua alma
Terna e calma,
Como a luz d’almo luar.
Tuas formas tão donosas,
Tão airosas,
Formas da terra não são;
Pareces anjo formoso,
Vaporoso,
Vindo da etérea mansão.
Assim, beijar-te receio,
Contra o seio
Eu tremo de te apertar:
Pois me parece que um beijo
É sobejo
Para o teu corpo quebrar.
Mas não digas que és só minha!
Passa asinha
A vida, como a ventura;
Que te não vejam brincando,
E folgando
Sobre a minha sepultura.
Tal os sepulcros colora
Bela aurora
De fulgores radiante;
Tal a vaga mariposa
Brinca e pousa
Dum cadáver no semblante.

Seus olhos

Oh! rouvre tes grands yeux dont la paupière tremble,
Tes yeux pleins de langueur;
Leur regard est si beau quand nous sommes ememble!
Rouvre-les; ce regard manque à ma vie, il semble
Que tufermes ton coeur.
Turquety




Seus olhos tão negros, tão belos, tão puros,
De vivo luzir,
Estrelas incertas, que as águas dormentes
Do mar vão ferir;


Seus olhos tão negros, tão belos, tão puros,
Têm meiga expressão,
Mais doce que a brisa, — mais doce que o nauta
De noite cantando, — mais doce que a frauta
Quebrando a solidão,


Seus olhos tão negros, tão belos, tão puros,
De vivo luzir,
São meigos infantes, gentis, engraçados
Brincando a sorrir.


São meigos infantes, brincando, saltando
Em jogo infantil,
Inquietos, travessos; — causando tormento,
Com beijos nos pagam a dor de um momento,
Com modo gentil.


Seus olhos tão negros, tão belos, tão puros,
Assim é que são;
Às vezes luzindo, serenos, tranqüilos,
Às vezes vulcão!


Às vezes, oh! sim, derramam tão fraco,
Tão frouxo brilhar,
Que a mim me parece que o ar lhes falece,
E os olhos tão meigos, que o pranto umedece
Me fazem chorar.


Assim lindo infante, que dorme tranqüilo,
Desperta a chorar;
E mudo e sisudo, cismando mil coisas,
Não pensa — a pensar.


Nas almas tão puras da virgem, do infante,
Às vezes do céu
Cai doce harmonia duma Harpa celeste,
Um vago desejo; e a mente se veste
De pranto co'um véu.


Quer sejam saudades, quer sejam desejos
Da pátria melhor;
Eu amo seus olhos que choram em causa
Um pranto sem dor.


Eu amo seus olhos tão negros, tão puros,
De vivo fulgor;
Seus olhos que exprimem tão doce harmonia,
Que falam de amores com tanta poesia,
Com tanto pudor.


Seus olhos tão negros, tão belos, tão puros,
Assim é que são;
Eu amo esses olhos que falam de amores
Com tanta paixão.

Recordação

Nessun maggior dolore...
Dante




Quando em meu peito as aflições rebentam
Eivadas de sofrer acerbo e duro;
Quando a desgraça o coração me arrocha
Em círculos de ferro, com tal força,
Que dele o sangue em borbotões golfeja;
Quando minha alma de sofrer cansada,
Bem que afeita a sofrer, sequer não pode
Clamar: Senhor, piedade; — e que os meus olhos
Rebeldes, uma lágrima não vertem
Do mar d'angústias que meu peito oprime:


Volvo aos instantes de ventura, e penso
Que a sós contigo, em prática serena,
Melhor futuro me augurava, as doces
Palavras tuas, sôfregos, atentos
Sorvendo meus ouvidos, — nos teus olhos
Lendo os meus olhos tanto amor, que a vida
Longa, bem longa, não bastara ainda
por que de os ver me saciasse!... O pranto
Então dos olhos meus corre espontâneo,
Que não mais te verei. — Em tal pensando
De martírios calar sinto em meu peito
Tão grande plenitude, que a minha alma
Sente amargo prazer de quanto sofre.

Amor! delírio - engano

Y el llanto que en su cólera derrama,
La hoguera apaga del antiguo amor!
Zorrilla




Amor! delírio — engano... Sobre a terra
Amor também fruí; a vida inteira
Concentrei num só ponto — amá-la, e sempre.
Amei! — dedicação, ternura, extremos
Cismou meu coração, cismou minha alma,
— Minha alma que na taça da ventura
Vida breve d'amor sorveu gostosa.
Eu e ela, ambos nós, na terra ingrata
Oásis, paraíso, éden ou templo
Habitamos uma hora; e logo o tempo
Com a foice roaz quebrou-lhe o encanto,
Doce encanto que o amor nos fabricara.


E eu sempre a via!... quer nas nuvens d'oiro,
Quando ia o sol nas vagas sepultar-se,
Ou quer na branca nuvem que velava
O círculo da lua, — quer no manto
D'alvacenta neblina que baixava
Sobre as folhas do bosque, muda e grave,
Da tarde no cair; nos céus, na terra,
A ela, a ela só, viam meus olhos.


Seu nome, sua voz — ouvia eu sempre;
Ouvia-os no gemer da parda rola,
No trépido correr da veia argêntea,
No respirar da brisa, no sussurro
Do arvoredo frondoso, na harmonia
Dos astros inefável; — o seu nome!
Nos fugitivos sons de alguma frauta,
Que da noite o silêncio realçavam,
Os ares e a amplidão divinizando,
Ouviam meus ouvidos; e de ouvi-lo
Arfava de prazer meu peito ardente.


Ah! quantas vezes, quantas! junto dela
Não senti sua mão tremer na minha;
Não lhe escutei um lânguido suspiro,
Que vinha lá do peito à flor dos lábios
Deslizar-se e morrer?! Dos seus cabelos
A mágica fragrância respirando,
Escutando-lhe a voz doce e pausada,
Mil venturas colhi dos lábios dela,
Que instantes de prazer me futuravam.
Cada sorriso seu era uma esp'rança,
E cada esp'rança enlouquecer de amores.


E eu amei tanto! — Oh! não! não hão de os homens
Saber que amor, à ingrata, havia eu dado;
Que afetos melindrosos, que em meu peito
Tinha eu guardado para ornar-lhe a fronte!
Oh! — não, — morra comigo o meu segredo;
Rebelde o coração murmure embora.


Que de vezes, pensando a sós comigo,
Não disse eu entre mim: — Anjo formoso,
Da minha vida que farei, se acaso
Faltar-me o teu amor um só instante;
— Eu que só vivo por te amar, que apenas
O que sinto por ti a custo exprimo?
No mundo que farei, como estrangeiro
Pelas vagas cruéis à praia inóspita
Exânime arrojado? — Eu, que isto disse,
Existo e penso — e não morri, — não morro
Do que outrora senti, do que ora sinto,
De pensar nela, de a rever em sonhos,
Do que fui, do que sou e ser podia!


Existo; e ela de mim jaz esquecida!
Esquecida talvez de amor tamanho,
Derramando talvez noutros ouvidos
Frases doces de amor, que dos seus lábios
Tantas vezes ouvi, — que tantas vezes
Em êxtase divino aos céus me alçaram,
— Que dando à terra ingrata o que era terra
Minha alma além das nuvens transportaram.
Existo! como outrora, no meu peito
Férvido o coração pular sentindo,
Todo o fogo da vida derramando
Em queixas mulheris, em moles versos.
E ela!... ela talvez nos braços doutrem
Com sua vida alimenta uma outra vida,


Com o seu coração o de outro amante,
Que mais feliz do que eu, infemo! a goza.
Ela, que eu respeitei, que eu venerava
Como a relíquia santa! — a quem meus olhos,
Receando ofendê-la, tantas vezes
De castos e de humildes se abaixaram!
Ela, perante quem sentia eu presa
A voz nos lábios e a paixão no peito!
Ela, ídolo meu, a quem o orgulho,
A força d'homem, o sentir, vontade
Própria e minha dediquei, — sujeita
À voz de alguém que não sou eu, — desperta,
Talvez no instante em que de mim se lembra,
Por um ósculo frio, por carícias
Devidas dum esposo!...
Oh! não poder-te,
Abutre roedor, cruel ciúme,
Tua funda raiz e a imagem dela
No peito em sangue espedaçar raivoso!
Mas tu, cruel, que és meu rival, numa hora,
Em que ela só julgar-se, hás de escutar-lhe
Um quebrado suspiro do imo peito,
Que d'eras já passadas se recorda.
Hás de escutá-lo, e ver-lhe a cor do rosto
Enrubescer-se ao deparar contigo!
Presa serás também d'atros cuidados,
Terás ciúme, e sofrerás qual sofro:
Nem menor que o meu mal quero a vingança.

2. Se se morre de amor! Gonçalves Dias Se se morre de amor! — Não, não se
[morre,
Quando é fascinação que nos surpreende
De ruidoso sarau entre festejos;
Quando luzes, calor, orquestra e flores
Assomos de prazer nos raiam n’alma,
Que embelezada e solta em tal ambiente
No que ouve, e no que vê prazer alcança!

Simpáticas feições, cintura breve,
Graciosa postura, porte airoso,
Uma fita, uma flor entre os cabelos,
Um quê mal definido, acaso podem
Num engano d’amor arrebatar-nos.
Mas isso amor não é; isso é delírio,
Devaneio, ilusão, que se esvaece
Ao som final da orquestra, ao derradeiro
Clarão, que as luzes no morrer despedem:
Se outro nome lhe dão, se amor o chamam,
D’amor igual ninguém sucumbe à perda.

Amor é vida; é ter constantemente
Alma, sentidos, coração — abertos
Ao grande, ao belo; é ser capaz
[d’extremos,
D’altas virtudes, té capaz de crimes!
Compr’ender o infinito, a imensidade,
E a natureza e Deus; gostar dos campos,
D’aves, flores, murmúrios solitários;
Buscar tristeza, a soledade, o ermo,
E ter o coração em riso e festa;
E à branda festa, ao riso da nossa alma
Fontes de pranto intercalar sem custo;
Conhecer o prazer e a desventura
No mesmo tempo, e ser no mesmo ponto
O ditoso, o misérrimo dos entes:
Isso é amor, e desse amor se morre!

Amar, e não saber, não ter coragem
Para dizer que amor que em nós sentimos;
Temer qu’olhos profanos nos devassem
O templo, onde a melhor porção da vida
Se concentra; onde avaros recatamos
Essa fonte de amor, esses tesouros
Inesgotáveis, d’ilusões floridas;
Sentir, sem que se veja, a quem se adora.
Compr’ender, sem lhe ouvir, seus
[pensamentos,
Segui-la, sem poder fitar seus olhos,
Amá-la, sem ousar dizer que amamos,
E, temendo roçar os seus vestidos,

Arder por afogá-la em mil abraços: Isso é amor, e desse amor se morre! Se tal paixão enfim transborda,
Se tem na terra o galardão devido
Em recíproco afeto; e unidas, uma,
Dois seres, duas vidas se procuram,
Entendem-se, confundem-se e penetram
Juntas — em puro céu d’êxtases puros:
Se logo a mão do fado as torna
[estranhas,
Se os duplica e separa, quando unidos
A mesma vida circulava em ambos;
Que será do que fica, e do que longe
Serve às borrascas de ludíbrio e
[escárnio?
Pode o raio num píncaro caindo,
Torná-lo dois, e o mar correr entre
[ambos;
Pode rachar o tronco levantado
E dois cimos depois verem-se erguidos,
Sinais mostrando da aliança antiga;
Dois corações porém, que juntos batem,
Que juntos vivem, — se os separam,
[morrem;
Ou se entre o próprio estrago inda
[vegetam,
Se aparência de vida, em mal,
[conservam,
Ânsias cruas resumem do proscrito,
Que busca achar no berço a sepultura!

Esse, que sobrevive à própria ruína,
Ao seu viver do coração, — às gratas
Ilusões, quando em leito solitário,
Entre as sombras da noite, em larga
[insônia,
Devaneando, a futurar venturas,
Mostra-se e brinca a apetecida imagem;
Esse, que à dor tamanha não sucumbe,
Inveja a quem na sepultura encontra
Dos males seus o desejado termo!

4 Interpretação do texto. Em “Se se morre de amor”, o lirismo deixa transparecer uma atitude idealizada, devendo ser preservado em sua plenitude. A pureza, então, passa a ser vista como fonte da plena realização do desejo transcendente e, uma vez profanada, gera a dilaceração da plenitude do Eu: “amá-la, [sem ousar dizer que amamos,/ E temendo roçar os seus vestidos,/ Arder por afogá-la [em mil abraços:/ Isso é amor, e desse amor se morre!”. A plenitude concretiza-se na impossibilidade, o sujeito idolatra a amada à distância; é como se a proximidade destruísse a idealização. Nos momentos em que o desejo de profanação materializa- se, o sujeito transfigura o “perfeito”, degradando a figura divinizada.
Essa possibilidade de degradação imanente ao espírito romântico, muitas vezes proporciona um amargor em relação à visão positiva do sujeito com o mundo (Eu pacificado pelo natural). Nesse caso, o pessimismo invade o espaço eufórico, levando à angústia e à melancolia. O universo natural, transfigurado em negatividade e sofrimento, passa a agressor, perpetuando o desequilíbrio do Eu. É o “mal du siècle”, momento em que o Eu torna-se irônico por assumir uma posição consciente face sua inquietação com o mundo.
4.1. Interpretação deste texto à luz do pensamento de Alfonso López Quintás, pensador e educador espanhol que muito tem escrito sobre a literatura como “lugar” privilegiado de compreensão da vida humana por Gabriel Perissé,
Doutorando em Educação (FEUSP). Um poema representativo é aquele que transcende os limites de sua criação no tempo e no espaço. É aquele que transcende as idiossincrasias de seu criador, as circunstâncias próprias de uma mentalidade, de uma época, de um movimento literário. É aquele que faz sentido para outros leitores que não compartilham aquela época, aquelas idiossincrasias, aquela mentalidade etc., em virtude das quais o poema se tornou o que é.
Um poema representativo não representa apenas uma data ou uma personalidade, mas um aspecto essencial da vida humana. Se existe um especial prazer na arte da crítica literária, é o de detectar essa transcendência, estabelecendo uma relação empática e objetiva entre o que foi escrito e a minha (a nossa) concreta realidade, mesmo que entre leitor e autor existam abismos históricos, ideológicos e lingüísticos.
O encontro entre Gonçalves Dias e Alfonso López Quintás realiza-se nesse “lugar” único da transcendência. O poeta brasileiro romântico e o pensador espanhol, contemporâneo nosso, conversam diante de nós.
O poema Se se Morre de Amor! parece ter sido composto por encomenda para ilustrar uma das mais promissoras intuições de Quintás. A intuição de que o ser humano está sujeito a duas experiências que, à primeira vista, parecem semelhantes: a experiência do êxtase e a experiência da vertigem.
Alfonso López Quintás é um dos pensadores contemporâneos mais preocupados com o poder formativo da experiência estética. Para ele, enquanto professor, a contemplação da arte e a reflexão filosófica constituem duas vertentes de um só projeto educativo. Ética e estética, beleza e lógica, criatividade e intuições metafísicas, mística e poesia são “condimentos” indispensáveis para a formação integral de uma pessoa. Em seus livros e palestras, Quintás lê A metamorfose, de Kafka, O túnel, de Ernesto Sábato, Bodas de Sangue, de Lorca, e outras obras de outros autores (Sartre, Camus, Miguel de Unamuno, Hermann Hesse), descortinando a densidade humanística que uma leitura crítica baseada em simples formalismos estéticos mal consegue identificar.
A cooperação entre filosofia e literatura é, nessa perspectiva, fundamental. Sem prejudicar a fruição literária, Quintás, ao contrário, intensifica-a, trazendo à luz “lo que Unamuno denominaba ‘intrahistoria’ de los personajes, la peripecia íntima que viven, los ‘ámbitos de realidad’ que crean o que destruyen, los procesos de vértigo o de éxtasis que siguen, los mundos que construyen o que aniquilan...”
O método lúdico-ambital que Quintás propõe para analisar textos literários exige que o leitor “brinque” com esses textos, que os vivencie como um jogo, como um âmbito em que seja possível refazer pessoalmente as experiências fundamentais ali descritas, ali vivenciadas de um modo “irreal”, “ficcional”.
Ficcional e irreal, mas de modo algum inautêntico. Vemos um indígena australiano “brincando” de canguru (essa imagem é sugerida por Huizinga no clássico Homo Ludens[4]), envolvido, em êxtase, concentrado nos movimentos da sua dança mágica, empenhado em atrair a essência do animal, em ser um símbolo vivo do animal. Esse jogo, essa brincadeira, é uma das tarefas mais sérias, mais sagradas e decisivas para o selvagem. Ele “faz de conta”, “finge”, “imagina” que é canguru, mas na verdade está captando o ser do canguru, está celebrando a existência do canguru, porque acredita que o canguru e ele são uma só realidade, porque a ele se une poética, teatral e misticamente.
Portanto, a leitura criativa de um poema, de um conto, de um romance, exige “dançar conforme a música” do texto, para captar de um modo pessoal os aspectos relevantes da obra em questão, sem deixar-se fascinar (e distrair), por exemplo, pelas “receitas” analíticas da moda, como o foram, a seu tempo, o estruturalismo e as leituras “marxistas” ou “heideggerianas” da obra literária.
A força intrínseca do poema de Gonçalves Dias acima transcrito radica na antítese “amor generoso” x “amor egoísta”. Na primeira estrofe, há uma “argumentação”. Levanta-se como que uma hipótese: morre-se de amor, quando esse amor (se assim o chamam) é mera empolgação causada por um ambiente colorido, animado, simpático, regido pelas seduções, pela cintura fina de uma moça, pela música animada, pelo perfume inebriante das flores, pelas luzes ofuscantes?
O prazer que a alma alcança (verso 7), ouvindo essas músicas, essas vozes em estado de exaltação, vendo essas imagens insinuantes, leva ao delírio, à vertigem, à tontura, a uma sensação de redemoinho. A um arrebatamento negativo, mais excitação do que propriamente enlevo e encanto. E desse amor não se morre, porque “isso amor não é” (verso 13).
E como se sabe que não é amor? A fugacidade é um dos sinais. E a sensação de vazio, tão logo a ambientação fascinante, excitante, delirante, desaparece. Assim que a orquestra emite o último acorde (verso 15), assim que o dia amanhece e a luz natural substitui o clarão que mantinha o ambiente iluminado (verso 16), vem à tona o tédio, sente-se o mais profundo cansaço.
Esse cansaço e esse tédio não são a morte, no sentido de um “sair de si mesmo”. Desse “amor” ninguém morre quando acaba (verso 18). Uma vez que acaba! Precisamente porque acaba!
A segunda estrofe define o amor como um estado de êxtase, numa abertura (verso 20) generosa de corpo, sensibilidade e alma a valores que levam o homem ao extremo de si mesmo: à beleza, ao grandioso, à virtude — até mesmo a crimes (verso 22), porque por amor se pode fazer “loucuras” aos olhos de muitos —, à compreensão do natural e do divino, do terreno e do celeste, das mesmas flores que estavam na festa alucinante mas agora transmitem a imagem da vida em plenitude (versos 23-5).
A experiência extática do amor não é estática. Leva à descoberta de uma festa do coração que convive com a tristeza e com as lágrimas (versos 26-9), leva à descoberta dessa realidade paradoxal: somos os mais felizes e os mais infelizes dos seres, quando amamos (verso 32).
E desse amor se morre! Morre-se porque é um amor verdadeiro. “Morrer de amor” é uma loucura, é um “crime”, é sucumbir por ter vivido um sentimento fortíssimo. Mas a pergunta retorna: e agora, como se sabe que esse amor é verdadeiro?
A exaltação do amor egoísta assemelha-se, mas nada tem a ver com o entusiasmo do amor generoso. Sentir vertigem não leva à morte. Pode-se desmaiar depois de uma noite de orgia. Pode-se perder os sentidos depois de uma falsa experiência de amor. Se o desejado não é autenticamente desejável, quem deseja não “morre de amor”, simplesmente fica alienado, perde-se, frustra-se.
Contudo, “si lo deseado es deseable, en cuanto ofrece posibilidades de juego creador ao hombre, éste no sale de sí, se eleva a lo mejor de sí mismo. Es la experiencia de éxtasis, que confiere al hombre su cabal identidad.”
A experiência filosófica e mística do ocidente vê um sentido na idéia da morte que não significa destruição pura e simples. O morrer pode bem ter o sentido de completar os próprios dias, de alcançar a plenitude da vida, de ultrapassar a mediocridade, e, assim, estar pronto a entrar no plano do que é valioso, mais valioso do que a própria vida.
A brasileiríssima gíria “lindo de morrer” expressa essa intuição. O que se vê é tão bonito, tão extraordinariamente lindo, que quem o contempla sente-se perto da morte, sente-se chamado a entregar a alma, num estado de êxtase, como se viver já não tivesse a menor importância.
A frase de Sófocles — “para o morto não existem mais armadilhas” — também pode ajudar-nos a entender a morte como uma libertação das ciladas dos baixos instintos, dos interesses escusos, dos pseudo-amores, das ilusões, dos auto-enganos.
“Morrer de amor” é então viver plena e somente de amor. Vale a pena entregar tudo para viver/morrer um grande amor. Vinícius de Moraes resume tudo na última estrofe de seu Soneto do amor total:
“E de te amar assim muito e amiúde, É que um dia em teu corpo de repente Hei de morrer de amar mais do que pude.” O amante que “morre de amor” dá o testemunho mais vivo de seu amor. É um martírio. O martírio é a morte sem o aniquilamento do mais essencial, do mais importante. Ao contrário, o martírio é a glorificação do essencial.
Na terceira estrofe do seu poema, Gonçalves Dias capta novos matizes do êxtase amoroso. Quem ama receia banalizar, expor inutilmente, medir o amor inesgotável (versos 34-5), dado que se trata de algo sagrado, valioso, “a melhor porção da vida” (verso 37).
Esse cuidado para não ferir o amor e a quem se ama, essa sensibilidade aguçada de quem ama, esse pudor e esse ardor, esse desejo de união absoluta (versos 41-46) configuram o êxtase ascensional, com traços de experiência do indizível, como num estado de adoração — sentir sem ver, compreender sem ouvir, saber sem poder dizer. Esse misto de impotência e onipotência, de receio e de integração, pertence ao amor verdadeiro. E desse amor se morre (verso 47).
O afeto recíproco (verso 50) cria um âmbito de plenitude: um “puro céu d’êxtases puros” (verso 53). É a união dos que se amam, e a constatação dessa pureza remete, não ao puritanismo, mas à genuinidade, tal como quando falamos “ar puro”, “água pura”, dizendo implicitamente: “ar ar”, “água água”, ar que é ar e água que é realmente água.
O amor puro. Mas desse amor também se morre! Quando, bruscamente, interfere a “mão do fado” (verso 54). É de tal ordem a união que, se porventura os que se amam precisam separar-se, morrem os dois, ou desejam morrer (verso 65), uma vez que esse amor é a própria vida.
Quem uma vez experimentou o êxtase do amor, o amor verdadeiro, portanto, já não pode viver sem ele. A última estrofe retrata o amante que sobreviveu à própria destruição (verso 70) e que, numa insônia sem fim, vê a imagem de quem ama (verso 75), e inveja aqueles que encontram o fim do seu sofrimento no cemitério.
Também desse amor se morre, ou pelo menos se deseja morrer — trata-se do amor que não sucumbe à dor (da separação) tamanha (verso 76), mas já não se habitua nem espera a vertigem. Está entre as sombras da noite (verso 73), e ao mesmo tempo fora do âmbito de luz que o amor instaura.
As noções de “êxtase” e “vertigem” propiciam uma leitura criativa de textos como este de Gonçalves Dias. Pois convidam o leitor a distinguir com mais lucidez as realidades que o habitam e o circundam.
No caso do amor que leva à morte, podemos discernir melhor os matizes desse amor, dessa morte, conquistando a consciência de que as palavras, sobretudo quando poeticamente em ação, assumem novos sentidos que transcendem os significados do dicionário, por mais preciso que este seja.
5. Vocabulário. - Ânsia: desejo intenso
- Apetecido: extremamente desejado; cobiçado
- Arrebatar: atrair ou sentir-se atraído; enlevar(-se), encantar(-se), extasiar(-se)

- Assomar: atingir, chegar
- Avaro: que ou aquele que é obcecado por adquirir e acumular dinheiro; sovina
- Borrasca: contratempo que gera transtorno ou inquietação; contrariedade inopinada
- Brando: que se caracteriza pela docilidade, pela flexibilidade; afável

- Cimo: a parte superior de uma coisa que tem maior altura do que comprimento ou largura; a parte de cima; alto, topo
- Clarão: claridade intensa
- Derradeiro: que ocupa uma posição extrema no espaço
- Desventura: ausência de ventura; má fortuna; desgraça, desaventura, infortúnio
- Devaneio: produto da fantasia, da utopia; sonho, quimera
- Devassar: invadir, observar, conhecer por completo
- Ditoso: que tem boa dita; venturoso, feliz, afortunado
- Ente: o que existe, o que é; ser, coisa, objeto
- Ermo: diz-se de ou lugar desabitado, deserto

- Escárnio: atitude ou manifestação ostensiva de desdém, de menosprezo, por vezes indignada - Esvaecer: perder o ânimo, as forças; esmorecer - Êxtase: estado de quem se encontra como que transportado para fora de si e do mundo sensível, por efeito de exaltação mística ou de sentimentos muito intensos de alegria, prazer, admiração, temor reverente etc.
- Fado: destino, sorte, estrela; o que necessariamente tem de ser; vaticínio, decreto do destino - Festejo: reunião, encontro entre pessoas, organizado por um ou mais indivíduos em espaço público ou privado; festa
- Futurar: maginar o que ainda não aconteceu; antever, prenunciar, prognosticar
- Galardão: prêmio, homenagem, glória
- Intercalar: que se mete de permeio

- Ludíbrio: ato ou efeito de ludibriar, enganar
- Misérrimo: extremamente mísero
- Píncaro: o ponto mais elevado de um monte; cume
- Profano: que não pertence ao âmbito do sagrado

- Proscrito: exilado, banido, degredado
- Raiar: estar próximo a; beirar, aproximar-se
- Recatar: guardar(-se) com recato; pôr(-se) em recato; resguardar(-se), acautelar(-se),

defender(-se)
- Recíproco: que se alternam entre duas pessoas, uma em resposta à outra
- Resumir: fazer consistir ou consistir apenas em; concentrar(-se); limitar(-se), reduzir(-

se)
- Sarau: reunião festiva, ger. noturna, para ouvir música, conversar, dançar
- Soledade: estado de quem está ou se sente só; solidão
- Sucumbir: não resistir, ser vencido; ceder, entregar-se
- Templo: lugar digno de respeito
- Termo: fim, remate ou conclusão no espaço ou no tempo
- Ventura: sorte (boa ou má); fortuna, destino, acaso

Vamos falar de Manuel Antônio ÁLVARES DE AZEVEDO...A pedido da Gizelle Marques e porque ela escreve muito bem!

Nasceu na cidade de São Paulo e era descendente de duas ilustres famílias. O pai ocupara importantes cargos públicos (juiz de direito; chefe de polícia, deputado geral), tanto na capital paulista quanto no Rio de Janeiro, para onde se transferira com a família, passando a residir em Niterói. Toda a formação básica e secundária de Manuel Antônio Álvares de Azevedo foi feita na capital do Império. Em 1848, ele voltou a São Paulo para cursar a Faculdade de Direito, participando ativamente da vida acadêmica e literária de seu tempo. Revelou-se um aluno brilhante e um colega estimado, mas o caráter provinciano da Paulicéia, a mediocridade de sua vida social e a incapacidade do poeta de estabelecer um relacionamento amoroso concreto o tornaram bastante infeliz. Sentia saudades de casa, especialmente da mãe e da irmã, e a exemplo de seus companheiros de curso consumia-se na leitura dos autores malditos do Romantismo europeu. Este desnível entre as vidas intensas dos europeus e a pobreza de experiências dos universitários de São Paulo certamente o atormentava. Ele, porém, não se tornou um alienado das coisas locais. Numa sociedade acadêmica, que reunia os colegas, proferiu duro discurso contra a educação pública no Brasil, dizendo que ela era "um escárneo", em particular "a instrução primária para as classes baixas".

Nas férias longas, entre o ano letivo de 1849 e 1850, os familiares repararam no caráter acabrunhado e melancólico do "Maneco". A leitura desenfreada dos ultra-românticos, a solidão e o desejo insatisfeito pareciam deprimi-lo, aproximando-o de inclinações mórbidas. No início de 1852, a tísica se manifestou. Como disse um de seus biógrafos: "O infeliz byroniano que durante anos declamara versos macabros por mero esnobismo via com horror chegar a sua morte." Neste momento dramático, escreveu alguns de seus poemas mais desesperados. Em seguida, após curta passagem pelo campo, na fazenda de um tio, pareceu se recuperar, chegando a pedir transferência de Faculdade - de São Paulo para Olinda, onde o clima seria mais propício à tuberculose - mas uma queda de cavalo afetou-lhe a região ilíaca. Os médicos resolveram operá-lo, obviamente sem anestesia. Ele suportou as dores, porém tudo foi inútil: a tísica havia destruído as imunidades de seu organismo. Poucos dias depois morreu. Era abril de 1852 e faltavam cinco meses para que completasse vinte e um anos de idade. Nenhum de seus livros tinha sido publicado. E a "glória que pressinto em meu futuro" , como ele diz em um de seus poemas, viria após o falecimento.

Obras: Lira dos vinte anos (poemas - 1853), Noite na taverna (contos - 1855), O conde Lopo (poema - 1886), Macário (poema dramático - 1855).

A obra de Álvares de Azevedo, fortemente autobiográfica, traz a marca da adolescência, mas de uma adolescência tão dilacerada e conflituosa que acaba por representar a experiência mais pungente do Romantismo brasileiro, tanto do ponto de vista pessoal quanto do ponto de vista poético.

Incansável leitor, surpreendentemente culto, o jovem paulista viveu a contradição entre o saber livresco e os seus limites existenciais. Sua alternativa é o fingimento: "Finge um formidável conhecimento da vida", diz dele Mário de Andrade. Em muitos poemas expressa essa "pose de cinismo" que nasce, simultaneamente, da imitação dos ultra-românticos europeus e da fantasia delirante. Por sorte, no seu universo lírico, os temas se ampliam, superando o artificialismo byroniano, o que lhe assegura um lugar privilegiado na história literária do período.

Quatro são os seus temas preferidos:

o amor
a morte
o tédio
o humor prosaico

O AMOR

É a parte menos convincente de sua lírica. A máscara satânica que tenta usar peca pela falsidade. As orgias em que submerge, os vícios que o escravizam e as dissipações que o arrastam para o lodo hoje provocam o riso do leitor. E não apenas porque o jovem escritor tenha ficado, de fato, virgem dessas vivências tresloucadas, mas porque - em seus poemas de "crimes morais e maldições" - poucos versos têm poder de persuasão e quase nada inquieta ou sobressalta. Veja-se o tom falso deste excerto:

E por te amar, por teu desdém, perdi-me...
Tresnoitei-me em orgias, macilento,
Brindei, blasfemo, ao vício, e da minh'alma
Tentei me suicidar, no esquecimento!


Amor e medo

No entanto, como bem observou Mário de Andrade, o autor de Lira dos vinte anos (esse Dom Juan das aparências) acaba sendo traído pela própria interioridade. O grande devasso, o amante cínico, revela inconscientemente um medo obscuro das relações amorosas.

Este medo se traduz, por exemplo, através da imagem da mulher adormecida. Numa série de poemas, a preparação erótica e a vontade sexual do adolescente se frustram, pois ele não quer acordar ("profanar") o objeto de seu desejo:

Ó minha amante, minha doce virgem,
Eu não te profanei, e dormes pura
No sono do mistério, qual na vida,
Podes sonhar ainda na ventura.


Em Soneto, um de seus textos melhor elaborados, Álvares de Azevedo descreve o sono da amada e cria sutil atmosfera que passa da idealização à sensualidade:

Pálida à luz da lâmpada sombria,
Sobre o leito de flores reclinada,
Como a lua por noite embalsamada,
Entre nuvens de amor ela dormia!

Era a virgem do mar! na escuma fria
Pela maré das águas embalada...
-- Era um anjo entre nuvens d' alvorada
Que em sonhos se banhava e se esquecia!

Era mais bela! o seio palpitando...
Negros olhos, as pálpebras abrindo...
Formas nuas no leito resvalando...


Diante disso, desse "seio palpitando", dessas "formas nuas no leito resvalando" o que faz o poeta? Atira-se sobre a encantadora como um lobo cheio de volúpia? Não; a timidez entrava o erotismo e ele simplesmente opta por ficar sorrindo e chorando pelo seu "anjo":

Não te rias de mim, meu anjo lindo!
Por ti - as noites eu velei chorando,
Por ti - nos sonhos morrerei sorrindo!


Aliás, em vários momentos, quando o amor parece a ponto de se concretizar, o escritor prefere dormir, desmaiar ou morrer: "Na tua cheirosa trança / Quero sonhar e dormir!"; "Ah! volta inda uma vez! foi só contigo / Que à noite, de ventura eu desmaiava"; "E no teu seio ser feliz morrendo!"; "E morra no teu seio o meu viver!" No poema Tereza, chega a confessar explicitamente o seu medo:

Não acordes tão cedo! enquanto dormes
Eu posso dar-te beijos em segredo...
Mas, quando nos teus olhos raia a vida,
Não ouso te fitar...eu tenho medo!


De acordo com Mário de Andrade, algumas das dificuldades de Álvares de Azevedo com o amor nascem da velha dicotomia entre o sexo e o sentimento. A impossibilidade de unir alma e carne - segundo a tradição cultural então vigente - exaspera-o. Não existe mulher que possa corresponder às duas exigências. Há aquelas para o amor e há outras para os instintos. As primeiras, donzelas virginais, são - no dizer do crítico - "inatingíveis". As segundas, anjos caídos que cedem a pureza de seus corpos, são "desprezíveis". E assim o poeta permanece dilacerado: à sua timidez soma-se a ausência de uma mulher capaz de satisfazê-lo física e espiritualmente.

A MORTE

Quando trata da morte - o aspecto mais conhecido de sua obra - pode-se perceber com clareza as qualidades expressivas do artista. Ela é um tema constante. O poeta a antevê, a profetiza para si próprio, não pode esquecê-la. De certa maneira, fez uma opção por ela - diferentemente de outros companheiros de geração que se desesperam ao perceber o fim - quis morrer aos vinte anos, entregar-se à "leviana prostituta", como se vê neste fragmento de Hinos do Profeta:

A morte, leviana prostituta,
Não distingue os amantes!....
Eu, pobre sonhador! eu, terra inculta
Onde não fecundou-se uma semente,
Convosco dormirei...


Mesmo assim, há desespero e angústia nessa entrega. Ele lembra as coisas que vai perder, os afetos, o futuro. Lamenta-se por isso. Por outro lado, a morte é a possibilidade de resolução de sua crise, de suas dores. Se eu morresse amanhã cristaliza esta ambigüidade amarga:

Se eu morresse amanhã, viria ao menos
Fechar meus olhos minha triste irmã;
Minha mãe de saudades morreria
Se eu morresse amanhã!

Quanta glória pressinto em meu futuro!
Que aurora de porvir e que manhã!
Eu perdera chorando essas coroas
Se eu morresse amanhã!

Que sol! que céu azul! que doce n'alva
Acorda a natureza mais louçã*!
Não me batera tanto amor no peito
Se eu morresse amanhã!

Mas essa dor da vida que devora
A ânsia de glória, o dolorido afã*...
A dor no peito emudecera ao menos
Se eu morresse amanhã!"


Louçã: graciosa, encantadora
Afã: vontade, ânsia

No poema Lembrança de morrer, Álvares de Azevedo dá instruções sobre o seu túmulo e sua lápide:

"Quando em meu peito rebentar-se a fibra,
Que o espírito enlaça à dor vivente,
Não derramem por mim nem uma lágrima
Em pálpebra demente.

E nem desfolhem na matéria impura
A flor do vale que adormece ao vento:
Não quero que uma nota de alegria
Se cale por meu triste passamento. (...)

Descansem o meu leito solitário
Na floresta dos homens esquecida,
À sombra de uma cruz, e escrevam nela
- Foi poeta, sonhou e amou na vida."

O TÉDIO

Na segunda parte de Lira dos vinte anos, as fantasias eróticas, a avidez pelo amor, os artifícios byronianos e mesmo a obsessão pela morte, cedem lugar a uma espécie de cansaço existencial, o tédio.

O tédio, ou "mal du siècle", para os românticos europeus, era uma espécie de cinismo e enfado de quem tudo viveu, tudo experimentou: sexo, bebidas, ópio, transgressões. Mais tarde, Baudelaire diria que lera todos os livros, amara todas as mulheres mas que sua carne permanecia triste. Esta é a definição mais perfeita do mal do século.

Já no caso de Álvares de Azevedo, o tédio resultava da falta de vivências a que a cidade de São Paulo o condenava. Era uma cidadezinha provinciana, medíocre, de insípida vida noturna, sem horizontes para um rapaz sonhador.

Quase a pique de "suicidar-se de spleen*", o poeta atenua os excessos ultra-românticos descendo do sublime, da atmosfera rarefeita e terrível das grandes paixões, e entrando na verdade de suas coisas íntimas, expõe a subjetividade sem véus imaginários. E assim, descobrimos, por fim, o que ele realmente pensava e quem realmente ele era: um jovem tímido, inexperiente e sequioso de amor:

Passei como Dom Juan entre as donzelas,
Suspirei as canções mais doloridas
E ninguém me escutou...
Oh! nunca à virgem flor das faces belas
Sorvi o mel nas longas despedidas...
Meu Deus! ninguém me amou!


*Spleen: tédio em inglês.

Poucas vezes, na literatura brasileira, as confissões de um adolescente adquiriram tanto frescor, beleza e emoção. Esta alma solitária e impotente debateu-se entre o tédio, que o arrastava para a realidade e os ideais, que precisava para sobreviver, como vemos nestes fragmentos de Idéias íntimas, talvez o mais sedutor de seus poemas:

Vou ficando blasé*, passeio os dias
Pelo meu corredor, sem companheiro,
Sem ler, nem poetar... Vivo fumando.
Minha casa não tem menores névoas
Que as deste céu de inverno...Solitário,
Passo as noites aqui e os dias longos.
Dei-me agora ao charuto em corpo e alma; (...)
Não passeio a cavalo e não namoro.

Reina a desordem pela sala antiga,
Desce a teia de aranha as bambinelas*
À estante pulvurenta*. A roupa, os livros
Sobre as cadeiras poucas se confundem.
Marca a folha do Fausto um colarinho (...)

E resta agora aquela vaga sombra na parede
- Fantasma de carvão e pó cerúleo* -
Tão vaga, tão extinta e fumarenta
Como de um sonho o recordar incerto.

O pobre leito meu, desfeito ainda,
A febre aponta da noturna insônia.
Aqui lânguido à noite debati-me
Em vãos delírios anelando um beijo...(...)
Foram sonhos contudo. A minha vida
Se esgota em ilusões. (...)

Oh! ter vinte anos sem gozar de leve
A ventura de uma alma de donzela!
E sem na vida ter sentido nunca
Na suave atração de um róseo corpo
Meus olhos turvos se fechar de gozo! (...)

Meu pobre leito! eu amo-te contudo!
Aqui levei sonhando noites belas,
As longas horas olvidei libando*
Ardentes gotas de licor doirado.
Esqueci-as no fumo, na leitura
Das páginas lascivas do romance...(...)
E a mente errante devaneia em mundos
Que esmalta a fantasia! Oh! quantas vezes
Do levante no sol entre odaliscas,
Momentos não passei que valem vidas!
Quanta música ouvi que me encantava!
Quantas virgens amei! (...)

Parece que chorei...Sinto na face
Uma perdida lágrima rolando...
Satã leve a tristeza! Olá, meu pajem,
Derrama no meu copo as gotas últimas
Dessa garrafa negra...
Eia! bebamos!
És o sangue do gênio, o puro néctar
Que as almas de poeta diviniza,
O condão que abre o mundo das magias!
Vem fogoso cognac! É só contigo
Que sinto-me viver.(...)

E eu me esquecia...
Faz-se noite; traz o fogo e dois charutos
E na mesa do estudo acende a lâmpada...

* Blasé: entediado.
* Bambinelas: cortinas.
* Pulvurenta: empoeirada.

O Humor Prosáico




Um dos traços mais surpreendentes de Álvares de Azevedo é a ironia, resultante da descoberta do risível nas coisas prosaicas. Sem qualquer exacerbação sentimental, o poeta olha para tudo aquilo que o cerca e penetra humoristicamente no cotidiano.

Nenhum romântico antes ou depois dele conseguiu efeitos tão engraçados e inesperados. No mais das vezes, a ironia tem rara fineza. Em Spleen e charutos, obra composta por seis poemas, o humor prima pela sutileza, como nesta estrofe de Solidão:

Ó lua, ó lua bela dos amores,
Se tu és moça e tens um peito amigo,
Não me deixes assim dormir solteiro,
À meia-noite vem cear comigo.


* Cerúleo: da cor do céu.
* Libando: bebendo.

MACÁRIO

Em Macário, Álvares de Azevedo intentou criar uma obra dramática em prosa. São cinco cenas de qualidade variável e pouco propícias à encenação. Na peça, um jovem, Macário, viajando rumo a cidade de São Paulo, onde vai estudar, pára numa estalagem no meio do caminho e faz amizade com um desconhecido mais velho, que é nada menos que o próprio Satã. Ambos iniciam então uma série de diálogos nos quais refletem cinicamente (em especial o diabo) sobre o sentido da vida, da morte, do amor e do sexo.

Na segunda cena, quando abandonam a estalagem e marcham para São Paulo, ocorre o melhor momento da peça, pois Satã faz análises hilariantes da realidade paulistana. Observe-se este diálogo entre o estudante e o demônio:

Macário:Por acaso há mulheres ali? (Em São Paulo)
Satã: Mulheres, padres, soldados e estudantes. (...) Para falar mais claro as mulheres são lascivas, os padres dissolutos, os soldados ébrios, os estudantes vadios. Isso salvo honrosas exceções, por exemplo, de amanhã em diante tu.
Macário: Esta cidade deveria ter o teu nome.
Satã: Tem o de um santo: é quase o mesmo. Não é o hábito que faz o monge. Demais essa terra é devassa como uma cidade, insípida como uma vila e pobre como uma aldeia. (...) Até as calçadas...
Macário: Que têm?
Satã: São intransitáveis. Parecem encastoadas* as tais pedras. As calçadas do inferno são mil vezes melhores. Mas o pior da história é que as beatas e os cônegos cada vez que saem, a cada topada, blasfemam tanto com o rosário na mão que já estou enjoado.



* Encastoadas: embutidas.

Na terceira cena, na casa de Satã, já na cidade, a temática concentra-se na questão do amor, visto como ilusão e sentimento ligado à morte. Na cena seguinte, Macário acorda de novo na pensão, como quem acordasse de um longo sonho, porém marcas chamuscadas no assoalho sugerem a passagem real do diabo.

A segunda parte da peça é assinalada pela presença de um personagem angelical (a antítese de Satã) chamado Penseroso. O artificialismo dos diálogos e a desarticulação das cenas tornam essa parte muito inferior à primeira. Quase no final, o puro Penseroso morre e Macário volta a se ligar com Satã, que então conduz o rapaz a uma orgia. Não para participar da mesma e sim para observá-la. E o que o demônio descortina para Macário parece ser o início de Noite na taverna:

Macário: Onde me levas?
Satan: A uma orgia. Vais ler uma página da vida; cheia de sangue e vinho - que importa? (...) Paremos aqui. Espia nessa janela.
Macário: Eu vejo-os. É uma sala fumacenta. À roda da mesa estão sentados cinco homens ébrios. Os mais revolvem-se no chão. Dormem ali mulheres desgrenhadas... umas lívidas, outras vermelhas... Que noite!
Satã: Que vida! Não é assim? Pois bem, escuta, Macário. Há homens para quem essa vida é mais suave que a outra. O vinho é como o ópio, é o Letes* do esquecimento... A embriaguez é como a morte...
Macário: Cala-te. Ouçamos.


* Letes: rio do Inferno mitológico.

NOITE NA TAVERNA (CONTO)



Se fôssemos cobrar verossimilhança dos contos que compõem o livro Noite na taverna, certamente riríamos desses sete rapazes que bebem, fumam, gritam, e - enquanto a fumaça se mistura com os eflúvios da cerveja e do conhaque - narram histórias de suas vidas orgíacas e criminosas.

Há algo de falsidade (e mesmo de bobagem pueril) nas cenas de necrofilia, incesto, canibalismo, assassinato e violação de todos os códigos morais que eles vão contando, falsamente horrorizados com o seu próprio desregramento. No entanto, apesar de sua total improbabilidade, esses relatos cínicos ainda hoje exercem uma sedução nos leitores, especialmente os mais jovens, mostrando que não se deve cobrar dos contos realismo e sim aquilo que eles representam simbolicamente.

Tendências góticas?

A partir do final do século XVIII e durante todo o Romantismo se desenvolveu um tipo de narrativa que ficou conhecida como gótico (2). Walnice Nogueira Galvão delimitou-o assim:

O gótico invoca as potências das trevas e exerce o ocultismo, a feitiçaria, a missa negra, a necrofilia, o culto ao demônio. Num clima onírico sepulcral predominam o informe, o inquietante. Compõem o cenário o castelo mal-assombrado, o cemitério, as ruínas, a bruma, entre as imagens dos mundos ínferos, tais como a masmorra, o porão, o túmulo. Pouco se disfarçam a sedução da morte e do aniquilamento. A prosa tempestuosa mimetiza as pulsões e projeções do inconsciente, às voltas com a atração pelo sacrilégio e pela profanação.

Ora, nos relatos curtos de Álvares de Azevedo predominam a concepção noturna da existência, a atração pela morte, o amoralismo com que se trai e se mata, além de compulsões incestuosas e necrófilas. Ou seja, elementos do gótico. O resultado é a criação de um mundo de sombras, onde indivíduos - torturados por impulsos proibidos - praticam ações que revelam o lado sujo e perverso de suas almas.

Talvez Álvares de Azevedo quisesse indagar, como disse Antonio Candido - através de suas histórias macabras, perversas e até mesmo risíveis - sobre os limites da crueldade e das possibilidades diabólicas do ser humano. Tudo isso o aproxima do gótico e dá certa consistência aos contos que assim ultrapassam a dimensão da falsidade melodramática* e transformam-se em opressivo pesadelo. Como exemplo, podemos lembrar um desses relatos.

* Melodramática: que apresenta exagero sentimental e gosto pelo patético.

(2) O nome gótico veio do primeiro romance desta tendência: O castelo de Otranto, de Horace Walpole, cujo enredo (cheio de mistério e terror) se desenvolve em um velho castelo gótico. Entre os autores que seguiram esta linha encontramos Mary Shelley, com Frankenstein e Bram Stoker, com Drácula. Também há fortes traços góticos nas obras de Edgar Allan Poe e de Lord Byron.

O RELATO DE JOHANN

A história de um dos moços, Johann, é um exemplo deste delírio noturno de Álvares de Azevedo. Em uma disputa de bilhar, o protagonista sente-se ofendido por outro jovem. Insultam-se e acabam duelando. Johann mata o estranho no confronto. Depois, rouba-lhe um anel e ao revistar o bolso do desconhecido encontra dois bilhetes: um para sua mãe e outro para a sua amada:

"A uma hora da noite na rua de ...n. 60, acharás a porta aberta. Tua G."
Não tinha outra assinatura. Eu não soube o que pensar. Tive uma idéia: era uma infâmia.
Fui à entrevista. Era no escuro. Tinha no dedo o anel que trouxera do morto. Senti uma mãozinha acetinada tomar-me pela mão, subi. A porta fechou-se.
Foi uma noite deliciosa. A amante era virgem. (...)
Quando eu ia sair, topei um vulto à porta.
- Boa noite, cavalheiro...eu vos esperava há muito.
Essa voz pareceu-me conhecida, porém eu tinha a cabeça desvairada...
Não respondi: o caso era singular. Continuei a descer, o vulto acompanhou-me. Quando chegamos à porta, vi luzir a folha de uma faca. Fiz um movimento e a lâmina resvalou-me no ombro. A luta fez-se terrível na escuridão. Eram dois homens que não se conheciam, que não pensavam talvez terem-se visto um dia à luz e que não haviam mais de ver-se porventura ambos vivos.
O punhal escapou-lhe das mãos, perdeu-se no escuro; subjuguei-o. Era um quadro infernal, um homem na escuridão abafando a boca do outro com a mão, sufocando-lhe a garganta com o joelho, e a outra mão a tatear na sombra procurando um ferro.
Nessa ocasião senti uma dor horrível: frio e dor me correram pela mão. O homem morrera sufocado e na agonia me enterrara os dentes pela carne. Foi a custo que desprendi a mão sangrenta da boca do cadáver. Ergui-me. (...)
Eu não podia crer: era um sonho fantástico toda aquela noite. Arrastei o cadáver pelos ombros... levei-o pela laje da calçada até o lampião da rua, levantei-lhe os cabelos ensangüentados do rosto... Um espasmo de medo contraiu horrivelmente a fase do narrador... Tomou o copo, foi beber... os dentes lhe batiam como de frio... o copo estalou-lhe nos lábios.
Aquele homem - sabeis-lo? - era do sangue do meu sangue, era filho das entranhas de minha mãe, como eu... era meu irmão! Uma idéia passou entre meus olhos como um anátema*. Subi ansioso ao sobrado. Entrei. A moça desmaiara de susto ouvindo a luta. Tinha a face fria como o mármore. Os seios nus e virgens estvam parados e gélidos como os de uma estátua (...)
Abri a janela, levei-a até aí...
Na verdade que sou um maldito! Olá, Archibald, dá-me um outro copo, enche-o de conhaque, enche-o até a borda! Vêde!... sinto frio, muito frio... tremo de calafrios e o suor me corre nas faces!(...)
- Que tens, Johann? Tiritas como um velho centenário.
- O que tenho? o que tenho? não vedes pois? Era minha irmã!


* Anátema: excomunhão, maldição.

Tá aí, meninas!!
Espero que ajude.
Bjiñsss

A lírica de Gonçalves Dias

A NATUREZA


Enquanto poeta da natureza, Gonçalves Dias canta o mar, o céu, os campos, as florestas, etc. No entanto, a natureza não tem um valor universal, só merecendo ser celebrada quando simbolizava seu país. A luz do sol, por exemplo, é sempre a imensa luz do sol brasileiro. Só aqui, no espaço da pátria, os elementos naturais se manifestam em sua plena majestade. Significativamente, ele deu a esta parte de sua obra o título de poesias americanas.

Não é de surpreender também que no espetáculo e nos contornos da natureza brasileira, o poeta se elevasse até Deus. Assim, nacionalismo e panteísmo se mesclam em sua lírica.

A celebração da natureza entrelaça-se também com o sentimento saudosista. Gonçalves Dias é um homem nostálgico que lembra a infância, os amores idos e vividos e, antes de mais nada, um homem que, na Europa, sentira-se exilado. Por isso, a memória a todo momento o arrasta até a terra natal. E a pátria aparece sempre como natureza: palmeiras, céu, estrelas, várzeas, bosques e o indefectível sabiá.

Canção do exílio sintetiza genialmente esta identificação entre o país e sua expressão física. Desde o seu surgimento, tornou-se o poema mais conhecido do Brasil e, por derivação, o mais imitado e o mais parodiado. Talvez seja o nosso verdadeiro hino nacional.

Contudo, se observamos este texto clássico, poderíamos argumentar que mesmo em Portugal, (onde o poema é escrito, no ano de 1843) há árvores e aves, bosques e várzeas. Aliás, em todos os países há uma natureza interessante a ser cantada. Mas, para Gonçalves Dias, é só na moldura do solo pátrio, que a natureza (brasileira) adquire um maior valor, um valor que em nenhum outro lugar ela pode ter.

Estamos diante da essência do ufanismo romântico: minha pátria é a melhor. Por outro lado, trata-se de uma verdade humana definitiva: qualquer indivíduo no exílio - independente da terra natal ser boa ou ruim - sempre guardará por ela uma amorosa e obstinada saudade. Assim, não é de estranhar que Canção do exílio se transformasse no nosso poema:

Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.

Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.

Em cismar - sozinho, à noite -
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

Minha terra tem primores,
Que tais não encontro eu cá;
Em cismar - sozinho, à noite
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

Não permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lá;
Sem que desfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu'inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá."

O AMOR IMPOSSÍVEL


A lírica amorosa de Gonçalves Dias é marcada pelo sofrimento. Em seus poemas, o amor raramente se realiza, é sempre ilusão perdida, impossibilidade vital de relacionamento. Entre a esperança e a vivência, entre a intenção e o gesto estão os abismos da experiência concreta. E a experiência concreta remete para o fracasso. "Cismar venturas e só topar friezas", eis a delimitação desse posicionamento. Em outro de seus versos, um dos mais desencantados, ele desabafa: "Amor! delírio - engano".

Apaixonar-se é, pois, predispor-se à angústia e à solidão. O poeta confessa sua afetividade, suplica a paixão da mulher, mas não obtém resposta. Resta-lhe, pois, o desespero. Em poemas como Se se morre de amor, conseguiu dar dignidade a esse sofrimento:


Se se morre de amor! - Não, não se morre,
Quando é fascinação que nos surpreende
De ruidoso sarau entre os festejos;
Quando luzes, calor, orquestra e flores
Assomos de prazer nos raiam n'alma (...)

Simpáticas feições, cintura breve,
Graciosa postura, porte airoso*
Uma fita, uma flor entre os cabelos,
Um quê mal definido acaso podem
Num engano d'amor arrebatar-nos.
Mas isso amor não é, isso é delírio,
Devaneio, ilusão que se esvanece
Ao som final da orquestra, ao derradeiro
Clarão, que as luzes no morrer despedem:
Se outro nome lhe dão, se amor o chamam,
D'amor igual ninguém sucumbe à perda.

Amor é vida; é ter constantemente
Alma, sentidos, coração - abertos
Ao grande, ao belo; é ser capaz d'extremos,
D'altas vitudes, té capaz de crimes!
Compreender o infinito, a imensidade,
E a natureza e Deus; gostar dos campos,
D'aves, flores, murmúrios solitários;
Buscar tristeza, a soledade, o ermo,
E ter o coração em riso e festa.
Isso é amor, e desse amor se morre! (...)

Amá-la, sem ousar dizer que amamos,
E, temendo roçar os seus vestidos,
Arder por afogá-la em mil abraços:
Isso é amor, e desse amor se morre!"



*Airoso: esbeleto, elegante

Os Timbiras

Os Timbiras, de Gonçalves Dias
Fonte:
DIAS, Gonçalves. Os Timbiras. In: Poesia completa e prosa escolhida. Rio de Janeiro : José Aguilar, 1959. p.473-523.
Texto proveniente de:
A Biblioteca Virtual do Estudante Brasileiro
A Escola do Futuro da Universidade de São Paulo
Permitido o uso apenas para fins educacionais.
Texto-base digitalizado por:
Roberto Dauar – São Paulo/SP
Este material pode ser redistribuído livremente, desde que não seja alterado.


Os Timbiras, de Gonçalves Dias
(Recomende esta página para um amigo)

Versão para impressão

Epopéia indianista inacabada de Gonçalves Dias, é uma narração dividida em uma introdução e quatro cantos. É o ponto exato em que o mito do bom selvagem, constante desde os árcades, acabou por fazer-se verdade artística, e o poemeto épico I-Juca Pirama - tornou-se a mais acabada realização do indianismo na poesia brasileira.

Nos poemas são narrados os feitos de guerreiros timbiras, principalmente do chefe Itajuba e do jovem guerreiro Jatir. Altamente idealizados, estes índios falam apenas em valor, coragem, guerra e honra, num mundo habitados por inimigos vis, piagas (pajés) sábios e guerreiros valorosos. O autor usa e abusa de termos em tupi e do verso branco (sem rima). A obra Cantos era composta dos primeiros quatro cantos de Os Timbiras. Gonçalves Dias não pôde concluir o poema, pois antes disso faleceu num desastre.

Em Os Timbiras, a civilização luso-brasileira é apresentada como usurpadora de uma terra que tinha outros senhores, uma “nação que tem por base / Os frios ossos da nação senhora, / E por cimento a cinza profanada / Dos mortos, amassada aos pés de escravos”. E em poemas como O Canto do Piaga e Deprecação os pajés pressagiam os horrores da colonização: “Não sabeis o que o monstro procura? / Não sabeis a que vem, o que quer? / Vem matar vossos bravos guerreiros, / Vem roubar-vos a filha, a mulher!”

Gonçalves Dias tenta elaborar a epopéia Os Timbiras como um projeto ambicioso: os índios substituindo os heróis gregos, numa Ilíada brasileira, tropical, com abundantes e coloridas descrições da flora e da fauna. A narrativa teria como eixo a formação e dispersão do povo timbira. A obra, contudo, fica inconclusa e os fragmentos elaborados são inexpressivos.

OS TIMBIRAS

Gonçalves Dias
Introdução
Os ritos semibárbaros dos Piagas,
Cultores de Tupã, a terra virgem
Donde como dum trono, enfim se abriram
Da cruz de Cristo os piedosos braços;
As festas, e batalhas mal sangradas
Do povo Americano, agora extinto,
Hei de cantar na lira.– Evoco a sombra
Do selvagem guerreiro!... Torvo o aspecto,
Severo e quase mudo, a lentos passos,
Caminha incerto, – o bipartido arco
Nas mãos sustenta, e dos despidos ombros
Pende-lhe a rôta aljava... as entornadas,
Agora inúteis setas, vão mostrando
A marcha triste e os passos mal seguros
De quem, na terra de seus pais, embalde
Procura asilo, e foge o humano trato.
Quem poderá, guerreiro, nos seus cantos
A voz dos piagas teus um só momento
Repetir; essa voz que nas montanhas
Valente retumbava, e dentro d’alma
Vos ia derramando arrojo e brios,
Melhor que taças de cauim fortíssimo?!
Outra vez a chapada e o bosque ouviram
Dos filhos de Tupã a voz e os feitos
Dentro do circo, onde o fatal delito
Expia o malfadado prisioneiro,
Qu’enxerga a maça e sente a muçurana
Cingir-lhe os rins a enodoar-lhe o corpo:
E sós de os escutar mais forte acento
Haveriam de achar nos seus refolhos
O monte e a selva e novamente os ecos.
Como os sons do boré, soa o meu canto
Sagrado ao rudo povo americano:
Quem quer que a natureza estima e preza
E gosta ouvir as empoladas vagas
Bater gemendo as cavas penedias,
E o negro bosque sussurrando ao longe ___
Escute-me. ____ Cantor modesto e humilde,
A fronte não cingi de mirto e louro,
Antes de verde rama engrinaldei-a,
D’agrestes flores enfeitando a lira;
Não me assentei nos cimos do Parnaso,
Nem vi correr a linfa da Castália.
Cantor das selvas, entre bravas matas
Áspero tronco da palmeira escolho.
Unido a ele soltarei meu canto,
Em quanto o vento nos palmares zune,
Rugindo os longos encontrados leques.
Nem só me escutareis fereza e mortes:
As lágrimas do orvalho por ventura
Da minha lira distendendo as cordas,
Hão de em parte ameigar e embrandece-las.
Talvez o lenhador quando acomete
O tranco d’alto cedro corpulento,
Vem-lhe tingido o fio da segure
De puto mel, que abelhas fabricaram;
Talvez tão bem nas folhas qu’engrinaldo,
A acácia branca o seu candor derrame
E a flor do sassafraz se estrele amiga.
CANTO PRIMEIRO
Sentado em sítio escuso descansava
Dos Timbiras o chefe em trono anoso,
Itajubá, o valente, o destemido
Acoçador das feras, o guerreiro
Fabricador das incansáveis lutas.
Seu pai, chefe também, também Timbira,
Chamava-se o Jaguar: dele era fama
Que os musculosos membros repeliam
A flecha sibilante, e que o seu crânio
Da maça aos tesos golpes não cedia.
Cria-se... e em que não crê o povo stulto?
Que um velho piaga na espelunca horrenda
Aquele encanto, inútil num cadáver,
Tirara ao pai defunto, e ao filho vivo
Inteiro o transmitira: é certo ao menos
Que durante uma noite juntos foram
O moço e o velho e o pálido cadáver.
Mas acertando um dia estar oculto
Num denso tabocal, onde perdera
Traços de fera, que rever cuidava,
Seta ligeira atravessou-lhe um braço.
Mão d’imigo traidor a disparara,
Ou fora algum dos seus, que receioso
Do mal causado, emudeceu prudente.
Relata o caso, irrefletido, o chefe.
Mal crido foi! –– por abonar seu dito,
Redobra d’imprudência, –– mostra aos olhos
A traiçoeira flecha, o braço e o sangue.
A fama voa, as tribos inimigas
Adunam-se, amotinam-se os guerreiros
E as bocas dizem: o Timbira é morto!
Outras emendam: Mal ferido sangra!
Do nome do Itajubá se despega
O medo, – um só desastre venha, e logo
Esse encanto vai prestes converter-se
Em riso e farsa das nações vizinhas!
Os manitós, que moram pendurados
Nas tabas d’Itajuba, que as protejam:
O terror do seu nome já não vale,
Já defensão não é dos seus guerreiros!
Dos Gamelas um chefe destemido,
Cioso d’alcançar renome e glória,
Vencendo a fama, que os sertões enchia,
Saiu primeiro a campo, armado e forte
Guedelha e ronco dos sertões imensos,
Guerreiros mil e mil vinham trás ele,
Cobrindo os montes e juncando as matas,
Com pejado carcaz de ervadas setas
Tingidas d’urucu, segundo a usança
Bárbara e fera, desgarrados gritos
Davam no meio das canções de guerra.
Chegou, e fez saber que era chegado
O rei das selvas a propor combate
Dos Timbiras ao chefe. –– “A nós só caiba,
(Disse ele) a honra e a glória; entre nós ambos
Decida-se a questão do esforço e brios.
Estes, que vês, impávidos guerreiros
São meus, que me obedecem; se me vences,
São teus; se és o vencido, os teus me sigam:
Aceita ou foge, que a vitória é minha.”
Não fugirei, respondeu-lhe Itajubá,
Que os homens, meus iguais, encaram fito
O sol brilhante, e os não deslumbra o raio.
Serás, pois que me afrontas, torna o bárbaro
Do meu valor troféu, –– e da vitória,
Qu’hei de certo alcançar, despojo opimo.
Nas tabas em que habito ora as mulheres
Tecem da sapucaia as longas cordas,
Que os pulsos teus hão de arrochar-te em breve;
E tu vil, e tu preso, e tu coberto
D’escárnio de d’irrrisão! – Cheio de glória,
Além dos Andes voará meu nome!
O filho de Jaguar sorriu-se a furto:
Assim o pai sorri ao filho imberbe,
Que, desprezado o arco seu pequeno,
Talhado para aquelas mãos sem forças,
Tenta doutro maior curvar as pontas,
Que vezes três o mede em toda altura!
Travaram luta fera os dois guerreiros,
Primeiro ambos de longe as setas vibram,
Amigos manitôs, que ambos protegem,
Nos ares as desgarram, Do Gamela
Entrou a fecha trêmula num tronco
E só parou no cerne, a do Timbira,
Cicando veloz, fugiu mais longe,
Roçando apenas os frondosos cimos
Encontraram-se valentes: braço a braço,
Alentando açodados, peito a peito,
Revolvem fundo a terra aos pés, e ao longe
Rouqueja o peito arfado um som confuso.
Cena vistosa! quadro aparatoso!
Guerreiros velhos, à vitória afeitos,
Tamanhos campeões vendo n’arena,
E a luta horrível e o combate aceso,
Mudos quedaram de terror transidos.
Qual daqueles heróis há de primeiro
Sentir o egrégio esforço abandona-lo
Perguntam; mas não há quem lhes responda.
São ambos fortes: o Timbira hardido,
Esbelto como o tronco da palmeira,
Flexível como a flecha bem talhada,
Ostenta-se robusto o rei das selvas;
Seu corpo musculoso, imenso e forte
È como rocha enorme, que desaba
De serra altiva, e cai no vale inteira
Não vale humana força desprende-la
Dali, onde ela está: fugaz corisco
Bate-lhe a calva fronte sem parti-la.
Separam-se os guerreiros um do outro,
Foi dum o pensamento, – a ação foi d’ambos.
Ambos arquejam, descoberto o peito
Arfa, estua, eleva-se, comprime-se
E o ar em ondas sôfregos respiram
Cada qual, mais pasmado que medroso
Se estranha a força que no outro encontra,
A mal cuidada resistência o irrita.
Itajubá! Itajubá! – os seus exclamam
Guerreiro, tal como ele, se descora
Um só momento, é dar-se por vencido
O filho de Jaguar voltou-se rápido
Donde essa voz partiu? quem no aguilhoa?
Raiva de tigre anuviou-lhe o rosto
E os olhos cor de sangue irados pulam
“A tua vida a minha glória insulta!
Grita ao rival, e já de mais viveste.”
Disse, e como o condor, descendo a prumo
Dos astros, sobre o lhama descuidoso
Pávido o prende nas torcidas garras,
E sobe audaz onde não chega o raio...
Voa Itajubá sobre o rei das selvas,
Cinge-o nos braços, contra si o aperta
Com força incrível: o colosso verga,
Inclina-se, desaba, cai de chofre,
E o pó levanta e atroa forte os ecos.
Assim cai na floresta um tronco anoso,
E o som da queda se propaga ao longe!
O fero vencedor um pé alçando,
Morre! – lhe brada – e o nome teu contigo!
O pé desceu, batendo a arca do peito
Do exânime vencido: os olhos turvos,
Levou, a extrema vez, o desditoso
Àqueles céus d’azul, àquelas matas,
Doce cobertas de verdura e flores!
Depois, erguendo o esquálido cadáver
Sobre a cabeça, horrivelmente belo,
Aos seus o mostra ensangüentado e torpe;
Então por vezes três o horrendo grito
Do triunfo soltou; e os seus três vezes
O mesmo grito em coro repetiram
Aquela massa enfim côa nos ares;
Porem na destra do feliz guerreiro
Dividem-se entre os dedos as melenas,
De cujo crânio marejava o sangue!
Transbordando ufania do sucesso
Inda recente, recordava as fases
Orgulhos o guerreiro! Ainda escuta
A dura voz, inda a figura avista
Desse, que ousou atravessar-lhe as sanhas:
Lembra-se! e da lembrança grato enlevo
Lhe côa n’alma em fogo: longos olhos
Em quanto assim medita, vai levando
Por onde o rio, em tortuosos giros,
Queixoso lambe as empedradas margens.
Assim o jugo seu não escorjassem
Tredos Gamelas co’a noturna fuga!
Pérfidos!o herói jurou vingar-se!
Tremei! qu’há de o valente debelar-vos!
E em quanto segue o céu, e o rio, e as selvas,
Crescem-lhe brios, força, –– alteia o colo,
Fita orgulhos a terra, onde não acha,
Nem crê achar quem lhe resista; eis nisto
Reconhece um dos seus, que pressuroso
Corre a encontra-lo, – rápido caminha;
Porém d’instante a instante, d’enfiado
Volta o pávido rosto, onde se pinta
O susto vil, que denuncia o fraco.
– Ó filho de Jaguar – de longe brada,
Neste aperto nos vale, – ei-los se avançam
Pujantes contra nós, tão bastos, tantos,
Como enredados troncos na floresta.
Tu sempre tremes, Jurucei, tornou-lhe
Com voz tranqüila e majestosa o chefe.
O mel, que em falas sem cessar distilas,
Tolhe-te o esforço e te enfraquece a vista:
Amigos são talvez, amigas tribos,
Algum chefe, que tem conosco as armas,
Em sinal d’aliança, espedaçado:
Vem talvez festejar o meu triunfo,
E os seus cantores celebrar meu nome.
“Não!não! ouvi o som triste e sonoro
Sas igaras, rompendo a custo as águas
Dos remos manejados a compasso,
E os sons guerreiros do boré, e os cantos
Do combate; parece, d'irritado,
Tão grande peso agora a flor lhe corta,
Que o rio vai sorver as altas margens”.
E são Gamelas? – perguntou-lhe o chefe.
“Vi-os, tornou-lhe Jurucei, são eles!”
O chefe dos Timbiras dentro d’alma
Sentiu ódio e vingança remorde-lo.
Rugiu a tempestade, mas lá dentro,
Cá fora retumbou, mas quase extinta.
Começa então com voz cavada e surda.
Irás tu, Jurucei, por mim dizer-lhes:
Itajubá, o valente, o rei da guerra,
Fabricador das incansáveis lutas,
Em quanto a maça não sopesa em quanto
Dormem-lhe as setas no carcaz imóveis,
Of’rece-vos liança e paz; – não ama,
Tigre repleto, espedaçar mais presas,
Nem quer dos vossos derramar mais sangue.
Três grandes Tabas, onde heróis pululam,
Tantos e mais que vós, tanto e mais bravos,
Caídas a seus pés, a voz lhe escutam.
Vós outros, atendei, – cortai nas matas
Troncos robustos e frondosas palmas,
E construí cabanas, – onde o corpo
Caiu do rei das selvas, – onde o sangue
Daquele herói, vossa perfídia atesta.
Aquela briga enfim de dois, tamanhos,
Sinalai; por que estranho caminheiro,
Amigas vendo e juntas nossas tabas,
E a fé, que usais guardar, sabendo, exclamem:
Vejo um povo de heróis e um grande chefe!
Disse: e vingando o cimo d’alto monte,
Que em roda largo espaço dominava,
O atroador membi soprou com força.
O tronco, o arbusto, a moita, a rocha, a pedra,
Convertem-se em guerreiros.-- mais depressa,
Quando soa o clarim, núncio de guerra,
Não sopra, e escava a terra, e o ar divide
Co’as crinas flutuantes, o ginete,
Impávido, orgulhoso, em campo aberto.
Da montanha Itajubá os vê sorrindo,
Galgando vales, combros, serranias,
Coalhando o ar e o céu de feios gritos.
E folga, por que os vê correr tão prestes
Aos sons do cavo búzio conhecido,
Já tantas vezes repetidos antes
Por vales e por serras; já não pode
Numera-los, de tantos que se apinham;
Mas vendo-os, reconhece o vulto e as armas
Dos seus: “Tupã sorri-se lá dos astros,
– Diz o chefe entre si, – lá, descuidosos
Das folganças de Ibaque, heróis timbiras
Contemplam-me, das nuvens debruçados:
E por ventura de lhes ser eu filho
Enlevam-se, e repetem, não sem glória,
Os seus cantores d’Itajuba o nome.
Vem primeiro Jucá de fero aspecto.
Duma onça bicolor cai-lhe na fronte
A pel’ vistosa;sob as hirtas cerdas,
Como sorrindo, alvejam brancos dentes,
E nas vazias órbitas lampejam
Dois olhos, fulvos, maus. – No bosque, um dia,
A traiçoeira fera a cauda enrosca
E mira nele o pulo; do tacape
Jucá desprende o golpe, e furta o corpo;
Onde estavam seus pés, as duras garras
Encravavam-se enganadas, e onde as garras
Morderam, beija a terra a fera exangue
E, morta, ao vencedor tributa um nome.
Vem depois Jacaré, senhor dos rios,
Ita-roca indomável, – Catucaba,
Primeiro sempre no combate, – o forte
Juçurana, – Poti ligeiro e destro,
O tardo Japeguá, – o sempre aflito
Piaíba, que espíritos perseguem:
Mojacá, Mopereba, irmãos nas armas,
Sempre unidos, ninguém não foi como eles!
Lagos de sangue derramaram juntos;
Filhos e pais e mães d'imigas tabas
Odeiam-nos chorando, e a glória d’ambos,
Assim chorada, mais e mais se exalta:
Samotim, Pirajá, e outros infindos,
Heróis também, aos quais faltou somente
Nação menor, menos guerreira tribo.
Japi, o atirador, quando escutava
Os sons guerreiros do membi troante,
Na tesa corda flecha embebe inteira,
E mira um javali que os alvos dentes,
Navalhados, remove: pára,escuta...
Volvem-lhe os mesmos sons: Bate-lhe o peito
Os olhos pulam, – solta horrendo grito,
Arranca e roça a fera!... a fera atônita,
Aterrada, transida, treme, erriça
As duras cerdas; tiritante, pávida,
Esgazeando os olhos fascinados,
Recua: um tronco só lhe embarga os passos.
Por longo trato, de si mesma alheia,
Demora-se, lembrada: a custo o sangue
Volve de novo ao costumado giro,
Em quando o vulto horrendo se recorda!
“Mas onde está Jatir? – pergunta o chefe,
Que debalde o procura entre os que o cercam:
Jatir, dos olhos negros, que me luzem,
Melhor que o sol nascendo, dentro d’alma;
Jatir, que aos chefes todos anteponho,
Cuja bravura e temerário arrojo
Folgo em reger e moderar nos prélios;
Esse, porque não vem, quando vos vindes?”
– Corre Jatir no bosque, diz um chefe
Bem sabes como: acinte se desgarra
Dos nossos, – andal só, talvez sem armas,
Talvez bem longe: acordo nele é certo,
Creio, de nos tachar assim de fracos! –
Pais de Jatir, Ogib, entrara em anos;
Grosseiro cedro mal lhe afirma os passos,
Os olhos pouco vêem; mas de conselho
Valioso e prestante. Ali, mil vezes,
Havia com prudência temperado
O juvenil ardor dos seus, que o ouviam.
Alheio agora da prudência, escuta
A voz que o filho amado lhe crimina.
Sopra-lhe o dizer acre a cinza quente,
Viva, acesa, antes brasa, – o amor paterno:
Amor inda tão forte na velhice,
Como no dia venturoso, quando
Cendi, que os olhos seus só viram bela,
Sorrindo luz de amor dos meigos olhos,
Carinhosa lho deu; quando na rede
Ouvia com prazer ass ledas vozes
Dos companheiros seus, – e quando absorto,
Olhos pregados no gentil menino,
Bem longas horas, sim, porém bem doces
Levou cismando aventuradas sinas.
Ali o tinha, ali meigo e risonho
Aqueles tenros braços levantava;
Aqueles olhos límpidos se abriam
À luz da vida: cândido sorriso,
Como o sorrir da flor no romper d’alva,
Radiava-lhe o rosto: quem julgara,
Quem poderá aventar, supor ao menos
Haverem de apertar-se aqueles braços
Tão mimosos, um dia, contra o peito
Arquejante e cansado, – e aqueles olhos
Verterem pranto amargo em soledade?
Incrível! – porém lágrimas cresceram-lhe
Dos olhos, – lá tombou-lhe uma, das faces
No filho, em cujo rosto um beijo a enxuga.
Agora, Ogib, alheio da prudência,
Que ensina, imputações tão más ouvindo
Contra o filho querido, acre responde.
“São torpes os anuns que em bandos folgam,
São maus os caitetus, que em varas pascem,
Somente o sabiá geme sozinho,
E sozinho o Condor aos céus remonta.
Folga Jatir de só viver consigo:
Em bem, que tens agora que dizer-lhe?
Esmaga o seu tacape a quem vos prende,
A quem vos dana, afoga entre os seus braços,
E em quem vos acomete, emprega as setas.
Fraco! não temes já que te não falte
O primeiro entre vós, Jatir, meu filho?”
Despeitoso Itajubá, ouvindo um nome.
Embora o de Jatir, apregoado
Melhor, maior que o seu, a testa enruga
E diz severo aos dois qu’inda argumentam
Mais respeito, mancebo, ao sábio velho,
Qu’éramos nós crianças, manejava
A seta e o arco em defensão dos nossos.
Tu, velho, mais prudência. Entre nós todos
O primeiro sou eu: Jatir, teu filho,
E forte e bravo; porém novo. Eu mesmo
Gabo-lhe o porte e a gentileza; e aos feitos
Novéis aplaudo: bem maneja o arco,
Vibra certeira a flecha; mas...(sorrindo
Prossegue) afora dele inda há quem saiba
Mover tão bem as armas, e nos braços
Robustos, afogar fortes guerreiros.
Jatir virá, senão... serei convosco.
(Disse voltado para os seus, que o cercam)
E bem sabeis que vos não falto eu nunca.
Altercam eles nas ruidosas tabas,
Em quanto Jurucei com pé ligeiro
Caminha: as aves docemente atitam,
De ramo em ramo – docemente o bosque
À medo rumoreja, – à medo o rio
Escoa-se e murmura: um borborinho,
Confuso se propaga, – um rio incerto
Dilata-se do sol doirando o ocaso.
Último som que morre, último raio
De luz, que treme incerta, quantos entes
Oh! hão de ver a luz de novo
E o romper d’alva, e os céus, e a natureza
Risonha e fresca, -- e os sons, e os ledos cantos
Ouvir das aves tímidas no bosque
Outra vez ao surgir da nova aurora?!
CANTO SEGUNDO
Desdobra-se da noite o manto escuro:
Leve brisa subtil pela floresta
Enreda-se e murmura, – amplo silêncio
Reina por fim. Nem saberás tu como
Essa imagem da morte é triste e torva.
Se nunca, a sós contigo, a pressentisse
Longe deste zunir da turba inquieta.
No ermo, sim; procura o ermo e as selvas...
Escuta o som final, o extremo alento,
Que exala em fins do dia a natureza!
O pensamento, que incessante voa,
Vai do som â mudez, da luz às sombras
E da terra sem flor, ao céu sem astro.
Simelha a graça luz, qu’inda vacila
Quando, em ledo sarau, o extremo acorde
No deserto salão geme, e se apaga!
Era pujante o chefe dos Timbiras,
Sem conto seus guerreiros, três as tabas,
Opimas, – uma e uma derramadas
Em giro, como dança dos guerreiros.
Quem não folgara de as achar nas matas!
Três flores em três hastes diferentes
Num mesmo tronco, – três irmãs formosas
Por um laço de amor ali prendidas
No ermo; mas vivendo aventuradas?
Deu-lhes assento o herói entre dois montes,
Em chã copada de frondosos bosques.
Ali o cajazeiro as perfumava,,
O cajueiro, na estação das flores,
De vivo sangue marchetava as folhas?
As mangas, curvas à feição de um arco,
Beijavam-lhes o teto; a sapucaia
Lambia a terra , – em graciosos laços
Doces maracujás de espessas ramas
Sorriam-se pendentes; o pau-d’arco
Fabricava um dossel de cróceas flores,
E as parasitas de matiz brilhante
A úsnea das palmeiras estrelavam!
Quadro risonho e grande, em que não fosse
Em granito eu em mármore talhado!
Nem palácios, nem Tôrres avistaras,
Nem castelos que os anos vão comento,
Nem grimpas, nem zimbórios, nem feituras
Em pedra, que os humanos tanto exaltam!
Rudas palhoças só! que mais carece
Quem há de ter somente um sol de vida,
Jazendo negro pó antes do ocaso?
Que mais? Tão bem a dor há de sentar-se
E a morte revoar tão solta em gritos
Ali, como nos átrios dos senhores.
Tão bem a compaixão há de cobrir-se
De dó, limpando as lágrimas do aflito.
Incerteza voraz, tímida esp’rança,
Desejo, inquietação também lá moram;
Que sobra pois em nós, que falta neles?
De Itajubá separam-se os guerreiros;
Mudos, às portas das sombrias tabas,
Imóveis, nem que fossem duros troncos,
Pensativos meditam: Já da guerra
Nada receiam, que Itajubá os manda?
O encanto, os manitôs inda o protege,
Vela tupã sobre ele, e os santos piagas
Comprida série de floridas quadras
Ver lhe asseguram: nem de há pouco a luta,
Melhor dissertas de renome ensejo,
Os desmentiu, que nunca os piagas mentem.
Medo, certo, não têm; são todos bravos!
Por que meditam pois? Também não sabem!
Sai o piaga no entanto da caverna,
Que nunca humanos olhos penetraram
Com ligeiro cendal os rins aperta,
Cocar de escuras plumas se debruça
Da fronte, em que se enxerga em fundas rugas
O tenaz pensamento afigurado.
Cercam-lhe os pulsos cascavéis loquazes,
Respondem outros, no tripúdio sacro
Dos pés. Vem majestoso, e grave, e cheio
Do Deus, que o peito seu, tão fraco, habita.
E em quanto o fumo lhe volteia em torno,
Como neblina em torno ao sol que nasce,
Ruidoso maracá nas mãos sustenta,
Solta do sacro rito os sons cadentes.
_________________
“Visita-nos Tupã, quando dormimos,
É só por seu querer que estão sonhamos/
Escute-me Tupã! Sobre vós outros,
Poder do maracá por mim tangido,
Os sonhos desçam, quando o orvalho desce.
“O poder de Anhangá cresce co’a noite;
Sota de noite o mau seus maus ministros:
Caraibebes na floresta acendem
A falsa luz, que o caçador transvia.
Caraibebes enganosas formas
Dão-nos aos sonhos, quando nós sonhamos.
Poder do fumo, que lhes quebra o encanto,
De vós se partam; masTupã vos olhe,
Descendo os sonhos, quando o orvalho desce.
“O sonho e a vida são dois galhos gêmeos;
São dois irmãos quer um laço amigo aperta:
A noite é o laço; mas Tupã é o troco
E a seve e o sagüi que circula em ambos.
Vive melhor que da existência ignaro,
Na paz da noite, novas forças cria.
O louco vive com aferro, em quanto
N1alma lhe ondeiam do delírio as sombras,
De vida espúrias; Deus porém lhas rompe
E na loucura do porvir no fala!
Tupã vos olhe, e sobre vós do Ibaque
Os sonhos desçam, quando o orvalho desce!”
Assim cantava o piaga merencório,
Tangia o maracá, dançava em roda
Dos guerreiros: poderá ouvido atento
Os sons finais da lúgubre toada
Na plácida mudez da noite amiga
De longe, em côro ouvir? “Sobre nós outros
Os sonos desçam, quando o orvalho desce.”
Calou-se o piaga, ka descansam todos!
Almo Tupã os comunique em sonhos,
E os que sabem tão bem vencer batalhas
Quando acordados malbaratam golpes
Saibam dormidos figurar triunfos!
Mas que medita o chefe dos Timbiras?
Bosqueja por ventura ardis de guerra,
Fabrica e enreda as ásperas ciladas,
E a olhos nus do pensamento enxerga
Desfeita em sangue revolver-se em gritos
Morte pávida e má?! ou sente e avista,
Escandecida a mente, o Deus da guerra
Impávido Aresqui, sanhudo e forte,,
Calcar aos pés cadáveres sem conto,
Na destra ingente sacudindo a maça,
Donde certeira como o raio, desce
A morte, e banha-se orgulhosa – em sangue?
Al sente o bravo; outro pensar o ocupa!
Nem Aresqui,nem sangue se lhe antolha,
Nem resolve consigo ardis de guerra,
Nem combates, nem lágrimas medita:
Sentiu calar-lhe n’alma em sentimento
Gelado e mudo, como o véu da noite.
Jatir, dos olhos negros, onde pára?
Que faz que lida: ou que fortuna corre?
Três sóis já são passados: quanto espaço,
Quanto azar não correu nos amplos bosques
O impróvido mancebo aventureiro?
Ali na relva a cascavel se esconde,
Ali, das ramas debruçado, o tigre
Aferra traiçoeiro a presa incauta!
Reserve-lhe Tupã mais fama e glória,
E voz amiga de cantor suave
C’os altos feitos lhe embalsame o nome!
Assim discorre o chefe, que em nodoso
Tronco rudo-lavrado se recosta?
Não tem poder a noite em seus sentidos,
Que a mesma idéia de contínuo volvem.
Vela e treme nos tetos da cabana
A baça luz das resinosas tochas,
Acres perfumes recendendo; – alastram
De rubins cor de brasa a flor do rio!
“Ouvira com prazer um triste canto,
Diz lá consigo; um canto merencório.
Que este presságio fúnebre espancasse.
Bem sinto um não se que aferventar-se-me
Nos olhos, que vai prestes expandir-se:
Não sei chorar, bem sei; mas fora grato,
Talvez bem grato!à noite, e a sós comigo
Sentir macias lágrimas correndo.
O talo agreste de um cipó em graça
Verte compridas lágrimas cortado
O tronco do cajá desfaz-se em goma, Suspira o vento, o passarinho canta,
O homem cora! eu só, mais desditoso,
Invejo o passarinho, o tronco, o arbusto,
E quem, feliz, de lágrimas se paga”
Longo espaço depois falou consigo,
Mudo e sombrio: “Sabiá das matas,
Croá (diz ele ao filho d’Iandiroba)
As mais canoras aves, as mais tristes
No bosque, a suspirar contigo aprendam.
Canta, pois que trocara de bom grado
Os altos feitos pelos doces carmes
Quem quer que os escutou, mesmo Itajubá.
Eudeceu: na taba quase escura,
Com pé alterno a dança vagarosa,
Aos sons do maracá, traçava os passos.
“Flor de beleza, luz de amor, Coema,
Murmurava o cantor, onde te foste,
Tão doce e bela, quanto o sol raiava?
Coema, quanto amor que nos deixaste?
Eras tão meiga, teu sorrir tão brando,
Tão macios teus olhos! teus acentos
Cantar perene, tua voz gorjeios
Ruas palavras mel! O romper d’alva,
Se encantos punha a par dos teus encantos
Tentava embalde pleitear contigo!
Não tinha a ema porte mais soberbo,
Nem com mais graça recurvava o colo!
Coema, luz de amor, onde te foste?
“Amava-te o melhor, o mais guerreiro
Dentre nós? elegeu-te companheira,
A ti somente, que só tu achavas
Sorriso e graça na presença dele
Flor, que nasceste no musgoso cedro,
Cobravas páreas de abundante seiva,
Tinhas abrigo e proteção das ramas...
Que vendaval te despegou do tronco,
E ao longe, em pó, te esperdiçou no vale?
Coema, luz de amor, flor de beleza,
Onde te foste, quando o sol raiava?
“Anhangá rebocou estreita igara
Contra a corrente: Orapacém vem nela,
Orapacém, Tupinambá famoso
Conta prodígios duma raça estranha,
Tão alva como o dia, quando nasce,
Ou como a areia cândida e luzente,
Que as águas dum regato sempre lavam.
Raça, q quem os raios prontos servem,
E o trovão e o relâmpago acompanham
Já de Orapacém os mais guerreiros
Mordem o pó, e as tabas feitas cinza
Clamam vingança em vão contra os estranhos.
Talvez d’outros estranhos perseguidos,
Em punição talvez d’atroz delito.
Orapacém, fugindo, brada sempre:
Mair! Mair! Tupã! – Terror que mostra,
Brados que solta, e as derrocadas tabas,
Desde Tapuitapera alto proclamam
Do vencedor a indômita pujança.
Ai! não viesse nunca as nossas tabas
O tapuia mendaz, que os bravos feitos
Narrava do Mair; nunca os ouviras,
Flor de beleza, luz de amor, Coema!
“A cega desventura, nunca ouvida,
Nos move à compaixão: prestes corremos
Com ledo gasalhado a restaura-los
Da vil dureza do seu fado: dormem
Nas nossas redes diligentes vamos
Colher-lhes frutos, -- descansados folgam
Nas nossas tabas? Itajubá mesmo
Of’rece abrigo ao palrador tapuia!
Hospedes são, nos diz; Tupã os manda:
Os filhos de tupâ serão bem vindos,
Onde Itajubá impera! – Ao que não eram,
Nem filhos de Tupã, nem gratos hóspedes
Os vis que o rio, a custo, nos trouxera;
Antes dolosa resfriada serpe
Que ao nosso lar creou vida e peçonha.
Quem nunca os vira! porem tu, Coema,
Leda avezinha, que adejavas livre,
Asas da cor da prata ao sol abrindo,
A serpente cruel porque fitaste,
Se já do olhado mau sentias pejo?!
“Ouvimos, uma vez, da noite em meio,
Voz de aflita mulher pedir socorro
/e em tom sumido lastimar-se ao longe.
Opacém! – bradou feroz três vezes
O filho de Jaguar: clamou debalde.
Somente acode o eco à voz irada,,
Quando ele o malfeitor no instinto enxerga.
Em sanhas rompe o chefe hospitaleiro,
E tenta com afã chegar ao termo,
Donde as querelas míseras partiam.
Chegou – já tarde! – nós, mais tardos inda,
Assistimos ao súbito espetáculo!
“Queimam-se raros fogos nas desertas
Margens do rio, quase imerso em trevas:
Afadigados no labor noturno,
Os traiçoeiros hóspedes caminham,
Pejando à pressa as côncavas igaras.
Longe, Coema, a doce flor dos bosques,
Com voz de embrandecer duros penhascos,
Suplica e roja em vão aos pés do fero,
Caviloso tapuia! Não resiste
Ao fogo da paixão, que dentro lavra,
O bárbaro, que a viu, que a vê tão bela!
“Vai arrastá-la, – quando sente uns passos
Rápidos, breves, – volta-se: – Itajubá!
Grita; e os seus, medrosos, receiando
A perigosa luz, os fogos matam.
Mas, no extremo clarão que eles soltaram,
Viu-se Itajubá com seu arco em punho,
Calculando a distância, a força e o tiro:
Era grande a distância, a força imensa...
“E a raiva incrível, continua o chefe,
A antiga cicatriz sentindo abrir-se!
Ficou-me o arco em dois nas mãos partido,
E a frecha vil caiu-me sãos pés sem força.”
E assim dizendo nos cerrados punhos
De novo pensativo a fronte oprime.
“Sim, tornava o Cantor, Imenso e forte
Devera o arco ser, que entre nós todos
Só um achou, que lhe vergasse as pontas,
Quando Jaguar morreu! – partiu-se o arco!
Depois ouviu-se um grito, após ruído,
Que as águas fazem no tombar de um corpo;
Depois – silêncio e trevas...
–“Nessas trevas,
Replicava Itajubá, – inteira a noite,
Louco vaguei, corri d’encontro as rochas,
Meu corpo lacerei nos espinheiros,
Mordi sem tino a terra já cansado:
Soluçavam porém meus frouxos lábios
O nome dela tão querido, e o nome...
Aos vis Tupinambás nunca os eu veja,
Ou morra, antes de mim, meu nome e glória
Se os não hei de punir ao recordar-me
A aurora infausta que me trouxe aos olhos
O cadáver...” Parou, que a estreita gorja
Recusa aos cavos sons prestar acento.
“Descansa agora o pálido cadáver,
Continua o cantor junto à corrente
So regato, que volve areias d’ouro.
Ali agrestes flores lhe matizão
O modesto sepulcro, – aves canoras
Descantam tristes nênias so compasso
Das águas, que também nênia soluçam
“Suspirada Coema, em paz descansa
No teu florido e fúnebre jazigo;
Mas quando a noite dominar no espaço,
Quando a lua coar úmidos raios
Por entre as densas, buliçosas ramas,
Da cândida neblina veste as formas,
E vem no bosque suspirar co’a brisa:
Ao guerreiro, qu dorme, inspira sonhos,
E à virgem, que adormece, amor inspira.”
Calou-se o maracá rugiu de novo
A extrema vez, e jaz emudecido.
Mas no remanso do silêncio e trevas,
Como débil vagido, escutarias
Queixosa voz, que repetia em sonhos:
“Veste, Coema, as formas da neblina,
Ou vem nos raios trêmulos da lua
Cantar, viver e suspirar comigo.”
___________
Ogib, o velho pai do aventureiro
Jatir, não dorme nos vazios tetos:
Do filho ausente prendem-no cuidados;
Vela cansado e triste o pai coitado,
Lembrando-se desastres que passaram
Impróvidos, no bosque pernoitando.
E vela, – e a mente aflita mais se enluta,
Quanto mais cresce a noite e as trevas crescem!
Já tarde, sente uns passos apressados,
Medindo a taba escura; o velho treme,
Estende a mão convulsa, e roça um corpo
Molhado e tiritante: a voz lhe falta...
Atende largo espaço, até que escuta
A voz do sempre aflito Piaíba,
Ao pé do fogo extinto lastimar-se.
“O louco Piaíba, a noite inteira,
Andou nas matas; miserando sofre;
O corpo tem aberto em fundas chagas,
E o orvalho gotejou fogo sobre elas;
Como o verme na fruta, um Deus maligno
Lhe mora na cabeça, oh! quanto sofre!
“Em quanto o velho Ogib está dormindo,
Vou-me aquecer;
O fogo é bom, o fogo aquece muito;
Tira o sofrer.
Em quanto o velho dorme, não me expulsa
D’ao pé do lar;
Dou-lhe a mensagem, que me deu a morte,
Quando acordar!
Eu via a morte: vi-a bem de perto
Em hora má!
Vi´-a de perto, não me quis consigo,
Por ser tão má.
Só não tem coração, dizem os velhos,
E é bem de ver;
Que, se o tivera, me daria a morte,
Que é meu querer.
Não quis matar-me; mas é bem formosa;
Eu vi-a bem:
É como a virgem, que não tem amores,
Nem ódios tem..
O fogo é bom, o fogo aquece muito,
Quero-lhe bem!”
Remexe, assim dizendo, as frias cinzas
E mais e mais conchega-se o borralho.
O velho entanto, erguido a meio corpo
Na rede, escuta pávido, e tirita
De frio e medo, – quase igual delírio
Castiga-lhe as idéias transtornadas.
“Já me não lembra o que me disse a morte!...
Ah! sim, já sei!
–Junto ao sepulcro da fiel Coema,
Ali serei:
Ogib emprazo, que a falar me venha
Ao anoitecer! –
O velho Ogib há-de ficar contente
Co’o meu dizer;
Talvez que o velho, que viveu já muito,
Queira morrer!”
Emudeceu: alfim tornou mais brando.
“Mas dizem que a morte procura mancebos,
Porém tal não é:
Que colhe as florinhas abertas de fresco
E os frutos no pé?!...
Não, não, que só ama sem folha as flores,
E sem perfeição;
E os frutos perdidos, que apanha golosa,
Caídos no chão.
Também me não lembra que tempo hei vivido,
Nem por que razão
Da morte me queixo,que vejo, e não vê-me,
Tão sem compaixão.”
As ânsias não vencendo, que o soçobram
Salta da curva rede Ogib aflito;
Trêmulo as trevas apalpando, topa,
E roja miserando aos pés do louco.
– “Oh! dize-me, se a viste, e se em tua alma
Algum sentir humano inda se aninha,
Jatir, que é feito dele? Disse a morte
Haver-me cubiçado o moço imberbe,
A cara luz dos meus cansados olhos:
Oh dize-o! Assim o espírito inimigo
Folgados anos respirar te deixe!”
O louco ouviu nas trevas os soluços
Do velho, mas seus olhos nada alcançam:
Pasma, e de novo o seu cantar começa:
“Em quanto o velho dorme, não me expulsa
D’ao pé do lar.”
– “Mas expulsei-te eu nunca?
Tornava Ogib a desfazer-se em pranto,
Em ânsias de transido desespero.
Bem sei que um Deus te mora dentro d’alma;
E nunca houvera Ogib de espancar-te
Do lar, onde Tupã é venerado.
Mas fala! oh! fala, uma só vez repete-o:
Vagaste à noite nas sombrias matas...”
“Silencio! brada o louco, não escutas:?!”
E pára, como ouvindo uns sons longínquos.
Depois prossegue: “Piaíba o louco
Errou de noite nas sombrias matas;
O corpo tem aberto em fundas chagas,
E o orvalho gotejou fogo sobre elas.
Geme e sofre e sente fome e frio,
Nem há quem de seus males se condoa.
Oh! tenho frio! o fogo é bom, e aquece,
Quero-lhe bem!”
– “Tupã, que tudo podes,
Orava Ogib em lágrima desfeito,
A vida inútil do cansado velho
Toma, se a queres; mas que eu veja em vida
Meu filho, só depois me colha a morte!”
CANTO TERCEIRO
Era a hora em que a flor balança o cálix
Aos doces beijos da serena brisa,
Quando a ema soberba alteia o colo,
Roçando apenas o matiz relvoso;
Quando o sol em doirando os altos montes,
E as ledas aves à porfia trinam,.
E a verde coma dos frondosos cerros
Quando a corrente meio oculta soa
De sob o denso véu da parda névoa;
Quando nos panos das mais brancas nuvens
Desenha a aurora melindrosos quadros
Gentis orlados com listões de fogo;
Quando o vivo carmim do esbelto cáctus
Refulge a mêdo abrilhantado esmalte,
Doce poeira da aljofradas gotas,
Ou pó sutil de pérolas desfeitas.
Era a hora gentil, filha de amores,
Era o nascer do sol, libando as meigas,
Risonhas faces da luzente aurora!
Era o canto e o perfume, a luz e a vida,
Uma só coisa e muitas, – melhor face
Da sempre vária e bela natureza:
Um quadro antigo, que já vimos todos,
Que todos com prazer vemos de novo.
Ama o filho do bosque contemplar-te,
Risonha aurora, – ama acordar contigo;
Ama espreitar nos céus a luz que nasce,
Ou rósea ou branca, já carmim, já fogo,
Já tímidos reflexos, já torrentes
De luz, que fere oblíqua os altos cimos.
Amavam contemplar-te os de Itajubá
Impávidos guerreiros, quando as tabas
Imensas, que Jaguar fundou primeiro
Cresciam, como crescem gigantescos
Cedros nas matas, prolongando a sombra
Longes nos vales, – e na copa excelsa
Do sol estivo os abrasados raios
Parando em vasto leito de esmeraldas.
As três formosas tabas de Itajubá
Já foram como os cedros gigantescos
Da corrente impedrada: hoje acamados
Fósseis que dormem sob a térrea crusta,
Que os homens e as nações por fim sepultam
No bojo imenso! – Chame-lhe progresso
Quem do extermínio secular se ufana:
Eu modesto cantor do povo exinto
Chorarei nos vastíssimos sepulcros,
Que vão do mar ao Andes, e do Prata
Ao largo e doce mar das Amazonas.
Ali me sentarei meditabundo
Em sítio, onde não oiçam meus ouvidos
Os sons freqüentes d’europeus machados
Por mãos de escravos Afros manejados:
Nem veja as matas arrasar, e os troncos,
Donde chorando a preciosa goma,
Resina virtuosa e grato incenso
A nossa incúria grande eterno asselam:
Em sítio onde os meus olhos não descubram
Triste arremedo de longínquas terras.
Aos crimes das nações Deus não perdoa:
Do pai aos filhos e do filho aos netos,
Por que um deles de todo apague a culpa,
Virá correndo a maldição – contínua,
Como fuzis de uma cadeia eterna.
Virão nas nossas festas mais solenes
Miríade de sombras miserandas,
Escarnecendo, secar o nosso orgulho
De nação; mas nação que tem por base
Os frios ossos da nação senhora,
E por cimento a cinza profanada
Dos mortos, amassada aos pés de escravos.
Não me deslumbra a luz da velha Europa;
Há-de apagar-se mas que a inunde agora;
E nós?... sucamos leite mau na infância,
Foi corrompido o ar que respiramos,
Havemos de acabar talvez primeiro.
América infeliz! – que bem sabia,
Quem te criou tão bela e tão sozinha,
Dos teus destinos maus! Grande e sublime
Corres de pólo a pólo entre os sois mares
Máximos de globo: anos da infância
Contavas tu por séculos! que vida
Não fora a tua na sazão das flores!
Que majestosos frutos, na velhice,
Não deras tu, filha melhor do Eterno?!
Velho tutor e avaro cubiçou-te,
Desvalida pupila, a herança pingue
Cedeste, fraca; e entrelaçaste os anos
Da mocidade em flor – às cãs e à vida
Do velho, que já pende e já declina
Do leito conjugal imerecido
À campa, onde talvez cuida encontrar-te!
Tu, filho de Jaguar, guerreiro ilustre,
E os teus, de que então vós ocupáveis,
Quando nos vossos mares alinhadas
As naus de Holanda, os galeões de Espanha,
As fragatas de França, e as caravelas
E portuguesas naus se abalroavam,
Retalhado entre si vosso domínio,
Qual se vosso não fora? Ardia o prélio,
Fervia o mar em fogo a meia-noite,
Nuvem de espesso fumo condensado
Toldava astros e céus; e o mar e os montes
Acordavam rugindo aos sons troantes
Da insólita peleja! – Vós, guerreiros,
Vós, que fazíeis, quando a espavorida
Fera bravia procurava asilo
Nas fundas matas, e na praia o monstro
Marinho, a quem o mar, já não seguro
Reparo contra a fôrça e indústria humana,
Lançava alheio e pávido na areia?
Agudas setas, válidos tacapes
Fabricavam talvez!... ai não... capelas,
Capelas enastravam para ornato
Do vencedor; – grinaldas penduravam
Dos alindados tetos, por que vissem
Os forasteiros, que os paternos ossos
Deixando atrás, sem manitôs vagavam,
Os filhos de Tupã como os hospedam
Na terra, a que Tupã não dera ferros!
________________
Rompia a fresca aurora, rutilando
Sinais de um lia límpido e sereno.
Então vinham saindo os de Itajubá
Fortes guerreiros a contar os sonhos
Com que Tupã amigo os bafejara,
Quando as estrelas pálidas tombavam,
Já de clarão maior esmorecidas.
Vinham ledos ou tristes na aparência,
Timoratos ou cheios de hardimento,
Como o futuro evento se espelhava
Nos sonhos, bons ou maus; mas acordá-los
Disparatados, e o melhor de tantos
Coligir, era missão mais alta.
Não fosse o piaga intérprete divino,
Nem os seus olhos penetrantes vissem
O porvir, ao través do véu do tempo,
Como ao través do corpo a mente enxergam;
Não fosse, quem há que se afoutasse
Em campo de batalha a expor a vida,
A vida nossa tão querida, e tanto
Da flor a vida breve semilhando:
Roaz inseto a vai traçando em giro,
Nem mais revive uma só vez cortada!
Mande porém Tupã seus gratos filhos,
Rogados sonhos, que os decifra o piaga:
E Tupã, de benigno os influi sempre
Em vesp’ras de batalha, como as chuvas
Descem, quando a terra humores pede,
Ou como, em sazão própria, brotam flores.
Postam-se em forma de crescente os bravos:
Ávida turba mulheril no entanto
O rito sacro impaciente aguarde.
Brincam na relva os folgazões meninos,
Em quanto os mais crescidos, contemplando
O aparato elétrico das armas,
Enlevam-se; e, mordidos pela inveja,
Discorrem lá consigo: – Quando havemos,
Nós outros, d’empunhar daqueles arcos,
E quando levaremos de vencida
As hostes vis do pérfido Gamela!
Vem por fim Itajubá. O piaga austero,
Volvendo o maracá nas mãos mirradas,
Pergunta: – “Foi o espírito convosco,
O espírito da fôrça, e os ledos sonhos,
Ministros de Tupã, núncios da glória?"
– Sim, foram, lhe respondem, ledos sonhos,
Correios de Tupã; mas o mais claro
É duro nó que o piaga só desata.
“Dizei-os pois, que vos escuta o piaga”
Disse, e maneja o maracá: das bocas
Do mistério divino, em puros flocos
De neve, o fumo em borbotões golfeja.
Diz um qu, divagando em matas virgens,
Sentira a luz fugir-lhe de repente
Dos olhos, – se não foi que a natureza,
Por mágico feitiço transtornada,
Vestia por si mesma novas galas
E aspectos novos, – nem as elegantes,
Viçosas trepadeiras, nem as rêdes
Agrestes do cipó já divisava.
Em lugar da floresta, uma clareira
Relvosa descobria, em vez da árvores
Tão altas, de que havia pouco o bosque
Parecia ufanar-se, – um tronco apenas,
Mas tronco tal que os resumia a todos.
Ali sozinho o tronco agigantado
Luxuriava em folhas verde-negras,
Em flores cor de sangue, e na abundância
Sos frutos, como nunca os viu nas matas;
Tão alvos como a flor do mamãozeiro,
De macia penugem debruados.
“Extático de os ver ali tão belos
Tais frutos, que eu algures nunca vira,
O bárbaro dizia, fui colhendo
O melhor, por que o visse de mais perto.
Pesar de não saber se era salubre,
Ansiava gosta-lo, e em fura lida
Lutava o meu desejo co’a prudência.
Venceu aquêle! ai não vencesse nunca!
Nunca, ludibrio não dos meus desejos,
Mordessem-no meus lábios ressequidos.
Conta-lo me arrepia! – Mal o toco,
Força-me a rejeita-lo um quê oculto,
Que os nervos me estremece: a causa inquiro..
Eis que uma cobra, uma coral, de dentro
Desdobra o corpo lúbrico, e em três voltas,
Mas grata armila, me circunda o braço.
Da vista e do contato horrorizado,
Sacudo o estranho ornato; e vão me agito:
Com quanto mais afã tento livrar-me,
Mais apertado o sinto. – Nisto acordo,
Úmido o corpo e fatigado, e a mente
Molesta ainda do combate inglório.
O que é, não sei; tu sabes tudo, ó Piaga
Há e talvez razão que eu não alcanço,
Que certo isto não é sonhar batalhas.”
– “Haja sentido oculto no teu sonho,
(Diz ao guerreiro o piaga) eu, que levanto
O véu do tempo, e aos mortais o mostro.
Dir-to-ei por certo; mas eu creio e tenho
Que algum gênio turbou-te a fantasia,
Talvez angüera de traidor Gamela;
Que os Gamelas são pérfidos em morte,
Como em vida.” – Assim é, diz Itajubá.
Outro sonhou caçadas abundantes,
Temíveis caitetus, pacas ligeiras,
Coatis e jabotins, – te onça e tigres,
Tudo em rimas, em feixes: outro em sonhos
Nada disto enxergou: porém cardumes
De peixes vários, que o timbó prestante
Trazia quase à mão, se não fechados
Em mondes espaçosos! – gáudio imenso!
De os ver ali raivando na estacada
Tão grandes serubins, trauíras tantas,
Ou boiando sem tino à flor da aguas!
Outros não viram nem mondes, nem peixes,
Nem aves, nem quadrúpedes: mas grandes
Samotins transbordando argêntea espuma
Do fervente cauim; e por três noites
Girar em roda a taça do banquete,
Em quanto cada qual memora em cantos
Os feitos próprios: reina o guau, que passa
Destes àqueles com cadencia alterna.
“O piaga exulta! Eu vos auguro, ó bravos
Do herói Timbira (clama entusiasta)
Leda vitória! Nunca em nossas tabas
Haverá de correr melhor folgançã,
Nem ganhareis jamais honra tamanha.
Bem sabeis como é de uso entre os que vencem
Festejar o triunfo: o canto e a dança
Marcham de par, – banquetes se preparam,
E a glória da nação mais alta brilha!
Oh! nunca sobre as tabas de Itajubá
Haverá de nascer mais grata aurora!”
Soam festivos gritos, e as pocemas
Dos guerreiros, que sôfregos escutam
Do piaga os ditos, e o feliz augúrio
Da próxima vitória. Não dissera
Quem quer que fosse estranho aos usos deles
Senão que por aquela densa pinha
De vulgo, se espalhara a fausta nova
De gloriosa ação já consumada,
Que os seus, validos da vitória, obraram.
Entanto Japeguá, posto de parte,
Em quanto lavra em todos o contágio
Da glória e do prazer, – bem claro mostra
No rosto descontente o que medita.
“Prazer que em altos gritos se propala,
Discorre lá consigo o Americano,
“É como a chama rápida correndo
Nas folhas da pindoba: é falso e breve!”
Atenta nele o chefe dos Timbiras,
Como que interno, igual pressentimento
Rejeita, seu mau grado, a voz do piaga.
“Que pensa Japeguá? Acaso em sonhos
Tremendo e torvo se lhe antolha o êxito
Da batalha? ou seja, ou não conosco,
Que tarda em nos dizer seu pensamento?”
“Eu, vi" Japeguá ( e assim dizendo,
Sacode vezes três a fronte adusta,
Onde gravara da prudência o sêlo
Contínuo meditar). “Vi altos combros
De mortos já polutos, – via lagoas
Brutas de sangue impuro e negrejante;
Vi setas e carcaz espedaçados,
Tacapes adentados, ou partidos
Ou já sem fio! – vi...” Eis Catucaba
Mal sofrido intervém, interronpendo
A narração do sonhador de males.
Bravo e hardido como é, nunca a prudência
Lhe foi virtude, nem por tal a aceita.
Nunca o membi guerreiro em seus ouvidos
Troou medonho, inóspito combate,
Que às armas não corresse o valeroso,
Intrépido soldado; mais que tudo
Amava a luta, o sangue, vascas, transes,
Convulsos arrepios, altos gritos
Do vencedor, imprecações sumidas
Do que, vencido, jaz no pó sem glória.
Sim, ama e que o tráfego das armas
Talvez melhor que a si; nem mais risonha
Imagem se lhe antolha, nem há cousa
Que tenha em mais apreço ou mais cubice.
O p’rigo que aventasse era feitiço,
Que em delírio de febre o transtornava.
Fanático de si, ébrio de glória,
Lá se arrojava intrépido e brioso,
Onde pior, onde mais negro o via.
Não eram dois na esquadra de Itajubá
De gênios em mais pontos encontrados:
Por isso em luta sempre. Catucaba,
Fragueiro, inquieto, sempre aventuroso,
Em cata de mais glória e mais renome,
Sempre à mira de encontros arriscados,
Sempre o arco na mão, sempre embebida
Na corda tesa e frecha equilibrada.
Ninguém mais solto em vozes, mais galhardo
No guerreiro desplante, ou que mostrasse
Atrevido e soberbo e forte em campo
Quer pujança maior, que mais orgulho.
Japeguá, corajoso, mas prudente,
Evitava o conflito, via o risco,
Media o seu poder e as posses dele
E o azar da luta e descansava em ócio.
Sua própria indolência revelava
Ânimo grande e não vulgar coragem.
Se fosse lá nos paramos da Líbia,
Deitado à sombra da árvore gigante,
O leão da Numídia bem poderá
Trilhar por junto dele os movediços
Combros da areia, – amedrontando os ares
Com aquele bramir agreste e rudo,
Que as feras sem terror ouvir não sabem.
O índio ouvira impávido o rugido,
Sem que o terror lhe distingisse as faces;
E ao rei dos animais voltando o rosto,
Somente porque mais à jeito o visse,
Viras ambos, sombrios, majestosos,
Contemplarem-se á espaço, destemidos;
D’estranheza o leão os seus rugidos
Na gorja sufocar, e a nobre cauda,
Entre medos e assomos de hardimento,
Mover de leve e irresoluto aos ventos!
Um – era a luz fugaz fácil prendida
Nas plumas do algodão: luz que deslumbra
E que em breve amortece: outro – faísca,
Que surda, pouco a pouco vai lavrando
Não vista e não sentida te que surge
Dum jato só, tornada incêndio e fumo.
“Que viste? diz-lhe o êmulo brioso,
“Só coalheiras de sangue inficionado,
Só tacapes e setas bipartidas,
E corpos já corruptos?! Eia, ó fraco,
Embora em ócio ignavo aqui descanses,
E nos misteres feminis te adestres!
Ninguém te cama à vida dos combates,
Não te almeja ninguém por companheiro,
Nem há-de o sonho teu acobardar-nos.
É certo que haverá mortos sem conto,
Mas não seremos nós; – setas partidas,,
As nossas, não; tacapes amolgados...
Mas os nossos verás mais bem talhantes,
Quando houverem partido imigos crânios.
“Herói, não em façanhas, mas nos ditos
Lidador que a vileza d’alma encobres
Com frases descorteses, – já te viram,
Pendentes braço e armas, contemplando
Os feitos meus, pesar que sou cobarde.
Essa infame tarefa que me incumbes
É minha, sim; mas por diverso modo:
Não ministro cauim às vossas festas;
Mas na refrega o meu trabalho é vosso.
Da batalha no campo achais defuntos,
Vossa glória e brasão, corpos sem conto,
Cujas feridas largas e profundas,
De largas e profundas, denunciam
A mão que as sói fazer com tanto efeito.
Não tenho espaço, onde recolha os ossos,
Não tenho cinto, onde pendure os crânios,
Nem colar onde caibam tantos dentes,
De quantos venci já; por isso inteiros
Lá vo-los deixo, heróis; e vós lá ides,
Em que me não queirais por companheiro,
Rivais dos urubus, fortes guerreiros,
Fácil triunfo conquistar nas trevas,
Aos vorazes tatus roubando a presa.”
Calou-se... e o vulgo rosna em tôrno d’ambos,
Deste ou daquele herói tomando as partes.
Pois quê?... há-de ficar tamanha afronta
Impune, e não haveis levar das armas,
Por que o sangue a desbote e apague inteira?”
Diziam, – e a tais ditos mais fermente
A raiva em ambos; fazem-lhes terreiro,
Já verga o arco, já se entesa a corda,
Já batem pés no solo pulvurento:
Correra o sangue de um, talvez o de ambos,
Que sobre os dois a morte, abrira as asas!
Silêncio! brada o chefe dos Timbiras,
Interposto severo em meio da ambos;
De um lado e outro a turba circunfusa
Emudece, – divide-as largo espaço,
De cujo centro gira os torvos olhos
O herói, e só de olhar lhe estende as raias.
Assim de altivo píncaro descamba
Enorme rocha, obstruindo o leito
De um rio caudaloso: as fundas águas
Latindo envão na rocha volumosa
Separam-se, cavando novos leitos,
Em quanto o antigo se resseca e abras.
Silêncio!disse; e em torno os olhos gira,
Fúlgidos, negros: orgulhosas frontes,
Que aos golpes do tacape não se dobram
Em torno sobre o peito vão caindo
Uma após outra: altivo um só apenas
Rebelde arrosta o olhar! – rápido golpe,
Rápido e forte, como o raio, o prostra
Na arena em sangue! Mosqueado tigre,
Se cai no meio de preás medrosos,
Talvez no primo impulso algum aferra;
Vulgacho imbele! – ao mísero que prende
E torce ainda nas compridas garras,
Longe, sem vida, desdenhoso o arroja.
Assim o herói. Por longo trato mudo
Soberdo e grande alfim mostrando o rio,
Quedou sem mais dizer; o rio ao longe
As águas, como sempre, majestosas
Na gorja das montanhas derramava,
Caudal, imenso. Trás daqueles montes,
Diz Itajubá, não sabeis quem seja?
Afronta e nome vil haja o guerreiro,
Que ousa lutas ferir, travar discórdias,
Quando o imigo boré tão perto soa.”
Acorre o piaga em meio do conflito:
“Prudência, ó filho de Jaguar, exclama;
Nem mais sangue timbira se derrame,
Que já não basta por pagar-nos deste,
Que derramaste, quando houver nas veias
Dos pérfidos Gamelas. O que ouviste,
Que o forte Japeguá diz ter sonhado,
Assela o que tupã me está dizendo
Cá dentro em mim nos decifrados sonhos,
Depois que os funestou propínquo sangue.”
“Devoto piaga (Mojacá prossegue)
Que vida austera e penitente vives
Dos rochedos na Iapa venerada,
Tu, dos gênios do Ibaque bem fadado,
Tu face a face com Tupã praticas
E ves nos sonos meus melhor qu’eu mesmo.
Escuta, e dize, ó venerando piaga
(Benévolo Tupã teus ditos oiça)
Angüera mau turbou-te a fantasia,
Aflito Mojacá, teu sonho mente.”
Palavras tais no índio circunspecto,
Cujos lábios envão nunca se abriram;
Guerreiro, cujos sonhos nunca foram,
Nem mesmo em risco estreito, pavorosos;
No vulgo frio horror vão trescalando,
Que entre a crença do piaga, e a deferência
Devida a tanto herói flutua incerta.
“Eu vi, diz ele, vi em baba imiga
Guerreiro, como vós, comado e hirsuto!
A corda estreita do cruento rito
Os rins lhe aperta? a dura tangapema
Sobre-está-lhe fatal; – cantos se entoam
E a tuba dançatriz em torno gira.
Sono não foi, que o vi, como vos vejo;
Mas não vos direi já quem fosse o triste!
Se vísseis, como eu vi, a fronte altiva,
O olhar soberbo, – aquela força grande,
Aquele riso desdenhoso e fundo...
Talvez um só, nenhum talvez se encontre,
eu seja para estar no passo horrendo
Tão seguro de si, tão descansado!”
Acaso um tronco volumoso e tôsco
De escamas fortes entre si travadas
Ali perto jazia. Ogib, o velho,
Pai do errante Jatir, ali sentou-se.
Ali triste pensava, até que o sonho
Do aflito Mojacá veio acorda-lo.
“Tupã! que mal te fiz, que assim me colha
Do teu furor a seta envenenada?
Com voz choroza e trêmula clamava.
“Escuto os gabos que só cabem nele,
Vejo e conheço o costumado ornato
Do filho meu querido! isto que fora,
A quem tão infeliz como eu não fosse,
Ventura grande, me constringe o peito!
Conheço o filho meu no que disseste,
Guerreiro, como a flor pelo perfume,
Como o esposo conhece a grata esposa
Pelas usadas plumas da araçóia,
Que entre as folhas do bosque a espaços brilha,
Ai! nunca brilhe a flor, se hão de roê-la
Insetos; nunca vague a linda esposa
No bosque, se há de as feras devora-la!”
A dor que mostra o velho em todo o aspecto,
Nas vozes por soluços atalhadas,
Nas lágrimas que chora, os move a todos
A triste compaixão; mas mais àquele,
Que, antes do pobre pai, já todo angústias,
Da própria narração se enternecia.
Às querelas de Ogib volta o rosto
O fatal sonhador, – que, seu mau grado,
As setas da aflição tendo cravado
Nas entranhas de um pai, quer logo o suco,
Fresco e saudável, do louvor, na chaga
Verter-lhe, donde o sangue em jorros salta.
“Tal era, tão impávido (prossegue,
Fitando o velho Ogib o seu desplante,
Qual foi o de Jatir naquele dia,
Quando, novel nas artes do guerreiro,
Circundado se viu à nossa vista
D’imiga multidão: todos o vimos;
Todos da clara estirpe deslembrados,
Clamamos tristes, pávidos: “É morto!”
Ele porém que o arco usar não pode,
O válido tacape desprendendo,
Sacode-o, vibra-o: fere, prostra e mata
A êste, àquele; e em volumosos feixes
Acerva a turba vil, lucrando um nome.
Tapir, caudilho seu, que não suporta
Que um homem só e quase inerme, o cubra
De tamanho labéu, altivo brada:
“Cede-me, estulto, cede ao meu tacape
Que nunca ameaçou ninguém debalde.”
E assim dizendo vibra crebros golpes,
Co a bruta folha retalhando os ares!
Um coiro de tapir, em vez de escudo,
Rijo e piloso lhe guardava os membros.
Jatir, do arco seu curvando as pontas,
Sacode a seta fina e sibilante,
Que vara o couro e o corpo surge for.
Tomba de chofre o índio, e o som da queda
Remata o som que a voz não rematara.
Vista a pel’ do tapir, que o resguardava,
Japi, mesmo Japi lhe inveja o tiro.”
Todo o campo se aflige, todos clamam:
“Jatir! Jatir! o forte entre os mais fortes.”
Ordem não há; mulheres e meninos
Baralham-se em tropel: o pranto, os gritos
Confundem-se: do velho Ogib entanto
Mal se percebe a voz “Jatir” gritando.
Itajubá por fim silêncio impondo
À turba mulheril, e à dos guerreiros
Nesta batalha: “Consultemos, disse,
Consultemos o piaga: às vezes pode
O santo velho, serenando o ibaque,
Amigo bom tornar o Deus malquisto.”
Mas ora não! – responde o piaga iroso.
“Só quando ruge a negra tempestade,
“Só quando a fúria d’Anhangá fuzila
Raios do escuro céu na terra aflita
Do piaga vos lembrais?Tanta lembrança,
Tarda e fatal, guerreiros! Quantas vezes
Não fui, em mesmo, nos terreiros vossos
Fincar o santo maracá? Debalde,
Debalde o fui, que à noite o achava sempre
Sem oferta, que aos Deuses tanto prazem!
Nu e despido o vi, como ora o vedes.
(E assim dizendo mostra o sacrossanto
Mistério, que de irado pareceu-lhes
Soltar mais rouco som no seu rugido)
Quem de vós se lembrou que o santo Piaga
Na lapa dos rochedos se mirrava
Apura míngua? Só Tupã, que ao velho
Deu não sentir os dentes aguçados
Da fome, que por dentro o remordia,
E mais cruel, passada entre os seus filhos!”
Cegou-nos Anhangá, diz Itajubá,
Fincando o maracá nos meus terreiros,
Cegou-nos certo! – nunca o vi sem honras!
Que o vira, bom piaga... oh!não se diga
Que um homem só, dos meus, perece à mingua,
(Quem quer que seja, quanto mais um Piaga_
Quando campeam tantos homens d’arco
Nas tabas de Itajubá, – tantas donas
Na cultura dos campos adestradas.
hoje mesmo farei que ao antro escuro
Caminhem tantos dons, tantas ofertas,
Que o teu santo mistério há de por força,
Quer queiras, quer não, dormir sobre elas!
“Talvez a rica of’renda aplaca os Deuses,
E saudável conselho a noite inspira!”
Disse e sem ais dizer se acolhe à gruta.
À caça, ó meus guerreiros, brada o chefe;
Ledas donzelas ao cauim se apliquem,
Os meninos à pesca, à roça as donas,
Eia!” – Ferve o labor, reina o tumulto,
Que quase tanto val como a alegria,
Ou antes, só prazer que o povo gosta.
Já deslembrados do que ausente choram
Favor das turbas que tão leve passas!
Ledos no peito, ledos na aparência
Todos se incumbem da tarefa usada.
Trabalho no prazer, prazer que moras
Dentro de tanto afã! festa que nasces
Sob auspícios tão maus, possa algum gênio,
Possa Tupã sorrir-te carinhoso,
E das alturas condoer-se amigo
Do triste, órfão de amor, e pai sem filho!
CANTO QUARTO
BEM VINDO seja o fausto mensageiro,
O melífluo Timbira, cujos lábios
Destilam sons mais doces do que os favos
Que errado caçador na brenha inculta
Por ventura topou! Hóspede amigo,
Ledo núcio de paz, que o território
Pisou de imigas hostes, quando a aurora
Despontava nos céus – bem vindo seja!
Não luz mas brando e grato o romper d’alva
Que o teu sereno aspecto; nem mais doce
A fresca brisa da manhã cicia
Pela selvosa encosta, que a mensagem
Que o chefe imigo e fero anseia ouvir-te.
Melífluo Jurecei, bem vindo sejas
Dos Gamelas ao chefe, Gurupema,
Senhor dos arcos, quebrador das setas,
Das selvas rei, filho de Icrá valente.
Assim consigo as hostes do Gamela:
Consigo só, que a usada gravidade
Já na garganta, a voz lhes retardava.
Não veio Jurucei? Posto de fronte,
Arco e flecha na mão feito pedaços,
Certo sinal do respeitoso encargo,
Por terra não lançou? – Que pois augura
Tal vinda, a não ser que o audaz Timbira
Melhor conselho toma: e por ventura
De Gurupema receiando as forcas,
Amiga paz lhe of1rece, e em sinal dela
So vencido Gamela o corpo entrega?!
Em bem! que a torva sombra vagarosa
Do outrora chefe seu há-de aplacar-se,
Ouvindo a mesma voz das carpideiras,
E vendo no sarcófago depostas
As armas, que no ibaque hão-de servi-lhe,
E junto ao corpo, que foi seu, as plumas,
Em quanto vivo, insígnias do mando.
Embora ostente o chefe dos Timbiras
O ganhado troféu; embora à cinta
Ufano prenda o gadelhudo crânio,
Aberto em croa, do infeliz Gamela.
Embora; mas porém amigas quedem
Do Timbira e Gamela as grandes tabas;
E largo em roda na floresta imperem,
Que o mundo em peso, unidas , afrontaram!
Nascia a aurora: do Gamela s hostes
Em pé, na praia, mensageiro aguardam
Sisudos, graves, Um caudal regato,
Cujo branco areial a prata imita,
Sereno ali volvia as mansas águas,
Como que triste de as levar ao rio,
Que ao mar conduz a rápida torrente
Por entre a selva umbrosa e brocas penhas.
Esta a praia! – em redor troncos gigantes,
Que a folhagem no rio debruçavam,
Onde beber frescor os galhos vinham,
Cuxuriando em viço! – penduradas
Trepadeiras gentis da coma excelsa,
Estrelando do bosque o verde manto
Aqui, ali, de flores cintilantes,
Meneiavam-se ao vento, como fitas,
De que se enastra a coma a virgem bela.
Era um prado, uma várzea, um tabuleiro
Com mimoso tapiz de várias flores,
Agrestes, sim, mas belas, Gênio amigo
Chegou-lhe só a mágica vergasta!
Ei-las a prumo ao logo da corrente
Com requebros louçãos a enamorá-la!
A nós de embira aos troncos amarradas
Quase igaras em conto figuravam
Ousada ponte no correr das águas
Por força mais qu1humana trabalhada.
Vê-as e pasma Jurecei, notando
O imigo poderio, e seu mau grado
Vai lá consigo mesmo discorrendo:
“Muitos, certo e as nossas tabas forte,
Itajubá invencível; mas da guerra
É sempre incerto o azar e sempre vário!
E... quem sabe? – talvez... mas nunca, oh! nunca!
Itajubá! Itajubá! – onde há no mundo
Posses que valham contrastar seu nome?
Onde a seta que valha derriba-lo,
E a tribo ou povo que os Timbiras vençam?!”
Entre as hostes que a si tinha fronteiras
Penetra! – tão galhardo era o seu gesto,
Que os Gamelas em si tão bem disseram:
– Missão de paz o traga, que se os outros
São tão feros assim, Tupã nos valha,
Sim, Tupã; que o não pode o rei das selvas!”
Hospedagem sincera entanto of’recem
A quem talvez não tardará busca-los
Com fina seta no leal combate.
Ás igaras o levam pressurosos,
Servem-lhe o piraquém na guerra usado,
E os loiros sons so colmeal agreste;
Servem-lhe amigos suculento pasto
/em banquete frugal; servem-lhe taças
(A ver se mais que a fome o instiga a sede)
Do espumoso cauim, – taças pesadas
Na funda noz da sapucaia abertas.
Sem temor o timbira vai provando
O mel, o piraquém, as iguarias;
Mas dos vinhos coíbe-se prudente.
Em remoto lugar forma conselho
O rei da selvas, Gurupema, em quanto
Restaura o mensageiro os lassos membros.
Chama primeiro Cab-oçu valente;
As ríspidas melenas corridias
Cortam-lhe o rosto, – Pendem-lhe nas costas,
Hirtas e lesas, como o junco em feixes
Acamados no leito ressequido
D’invernosa corrente, O rosto feio
Aqui, ali negreja manchas negras
Como da bananeira a larga folha,
Colhida ao romper d’alva, qu’uma virgem
Nas mãos lascivas machucou brincando.
Valente é Caba-oçu; mas sem piedade!
Como senta fera almeja sangue
E de malvada ação cruel se paga.
Apressou em combate um seu contrário,
Que mais imigo tinha entre os imigos:
Da guerra os duros vínculos lançou-lhe
E à terreiro o chamou, como é de usança
Para o triunfo bélico adornado.
Fizeram-lhe terreiro os mais d’entôrno:
Ele do sacrifício empunha a maça,
Impropérios assaca, vibra o golpe,
E antes que tombe o corpo, aferra os dentes
No crânio fulminado: jorra o sangue
No rosto, e em gorgulhões se expande o cérebro,
Que a fera humana rábida mastiga!
E em quanto limpa à desgrenhada coma
Do sevo pasto o esquálido sobejo,
Bárbaras hostes do Gamela torcem,
À tanto horror, o transtornado rosto.
Vem Jepiaba, o forte entre os mais fortes,
Taiatu, Taiatinga, Nupançaba,
Tucura o ágil, Cravatá sombrio,
Andira, o sonhador de agouros tristes,
Que ele é primeiro a desmentir co’as armas,
Pirera que jamais não foi vencido,
Itapeba, rival de Gurupema,
Oquena, que por si vale mil arcos,
Escudo e defensão dos seus que ampara;
E outros, e muitos outros, cuja morte
Não foi sem glória no cantar dos bardos.
Guerreiros! Gurupema assim começa,
“Antes de ouvir o mensageiro estranho,
Consultar-vos me é força; a nós incumbe
Vingar do rei da selva a morte indigna.
Do que morreu, em que lhe seja eu filho,
E a todos nós da gloriosa herança
Compete o desagravo. Se nos busca
O filho de Jaguar, é que nos teme;
A nossa fúria por ventura intenta
Voltar a mais amigo sentimento.
Talvez do vosso chefe o corpo e as armas
Com larga pompa nos envia agora:
Basta-vos isto?
Guerra! guerra! exclamam.
Notai porém quanto é pujante o chefe,
Que os Timbiras dirige. Sempre o segue
Fácil vitória, e mesmo antes da luta
As galas triunfais dispõe seguro.
Embora, dizem uns; outros murmuram,
Que de tão grande herói, qualquer que seja
A oferta expiatória, em bem, se aceite.
Vacilam no conselho. A injúria é grande,
Bem fundo a sentem, mas bem grande é o risco.
“Se o orgulho desce a ponto no Timbira,
Que pazes nos propõe, diz Itapeba
Com dura voz e cavernoso acento,
Já está vencido! – Alguém pensa o contrário
(E com despeito a Gurupema encara)
Alguém, não eu! Se havemos de barato
Dar-lhe a vitória, humildes aceitando
O triste câmbio (a idéia só me irrita)
De um morto por um arco tão valente,
Aqui as armas vis faço pedaços
Em breve trato, e vou-me a ter com esse,
Que sabe leis ditar, mesmo vencido!”
Como tormenta, que rouqueja ao longe
E som confuso espalha em surdos ecos;
Como rápida flecha corta os ares,
Já perto soa, já mais perto brame,
Já sobranceira enfim roncando estala;
Nasce fraco rumor que logo cresce,
Avulta, ruge, horríssono ribomba.
Oquena! Oquena! o herói nunca vencido,
Com voz troante e procelosa exclama,
Dominando o rumor, que longe Esaú:
“Fujam tímidas aves aos lampejos
Do raio abrasador, – medrosas fujam!
Mas não será que o herói se acanhe ao vê-los!
Itapeba, só nós somos guerreiros;
Só nos, que a olhos nus fitando o raio,
Da glória a senda estreita à par trilhamos.
Tens em mim quanto sou e quanto valho,
Armas e braço enfim!”
Eis rompe a densa
Turba que d’entôrno d’Itapeba
Formidável barreira alevantava.
Quadro pasmoso! os dois de mãos travadas,
Sereno o aspecto, plácido o semblante,
À fúria popular se apresentavam
De constância e valor somente armados.
Eram escolhos gêmeos, empinados,
Que a fúria de um vulcão ergueu nos mares.
Eterno ali serão co’os pés no abismo,
Com os negros cimos devassando as nuvens,
Se outra força maior os não afunda.
Ruge embalde o tufão, embalde as vagas
Do fundo pego à flor do mar borbulham!
Estranha a turba, e pasma o desusado
Arrojo, que jamais assim não viram!
Mas mais que todos Caba-oçu valente
Enleva-se da ação que o maravilha;
E de nobre furor tomado e cheio,
Clama altivo: “Eu também serei convosco,
Eu também, que a só mercê vos peço
De haver às mãos o pérfido Timbira.
Seja, o que mais lhe apraz invulnerável,
Que d’armas não careço por vence-lo.
Aqui o tenho, – aqui comigo o aperto,
Estreitamente o aperto nestes braços,
(E os braços mostra e os peitos musculosos)
Há-de medir a terra já vencido,
E orgulho e vida perderá co’o sangue,
Arrã soprada, que um menino espoca!”
E bate o chão, e o pé na areia enterra,
Orgulhoso e robusto: o vulgo aplaude,
De prazer rancor soltando gritos
Tão altos, tais, como se ali tivera
Aos pés, rendido e morto o herói Timbira.
Por entre os alvos dentes que branquejam,
Ri-se o prazer nos lábios do Gamela.
Aos rosto a cor lhe sobe, aos olhos chega
Fugaz clarão da raiva que aos Timbiras
Votou de há muito, e mais que tudo ao chefe,
Que o espolio paternal mostra vaidoso.
Com gesto senhoril silêncio impondo
Alegre aos três a mão calosa of’rece,
Rompendo nestas vozes: “Desde quando
Cabe ao soldado pleitear combates
E ao chefe em ócio viver seguro?
Guerreiros sois, que os atos bem no provam;
Mas se vos não apraz ter-me por chefe,
Guerreiro tão bem sou, e onde se ajuntam
Guerreiros, hão-de haver logar os bravos!
Serei convosco, disse. – E aos três se passa.
Soam batidos arcos, rompem gritos
Do festivo prazer, sobe de ponto
O ruidoso aplaudir, Só Itapeba,
Que ao seu rival deu azo de triunfo,
Mal satisfeito e quase irado rosna.
Um Tapuia, guerreiro adventício,
Filhado acaso à tribo dos Gamelas,
Pede atenção, – prestam-lhe ouvidos todos.
Estranho é certo; porém longa vida
A velhice robusta lhe autoriza.
Muito há visto, sofreu muitos reveses,
Longas terras correu, aprendeu muito;
Mas quem é, donde vem, qual é seu nome?
Ninguém o sabe: ele não o disse nunca.
Que vida teve, a que nação pertence,
Que azar o trouxe à tribo dos Gamelas?
Ignora-se também. Nem mesmo o chefe
Perguntar-lhe se atreve. É forte, é sábio,
È velho e experiente, o mais que importa?
Chamem-lhe o forasteiro, é quanto basta.
Se à caça os aconselha, a caça abunda;
Se à pesca, os rios cobrem-se de peixes;
Se à guerra, ai da nação que ele indigita!
Valem seus ditos mais que valem sonhos,
E acerta mais que os piagas nos conselhos.
Mancebo (assim diz ele a Gurupema)
“Já vi o que por vós não será visto, Imensas tabas, bárbaros imigos,
como nunca os vereis; andei já tanto,
Que o não fareis, andando a vida inteira!
Estranhos casos vi, chefes pujantes!
Tabira, o rei dos bravos Tobajaras,
Alquíndar, que talvez já não exista,
Iperu, Jepipó de Mambucaba,
E Coniã, rei dos festins guerreiros;
E outros, e outros mais. Pois eu vos digo,
Ação, que eu saiba, de tão grandes Cabos,
Como a vossa não foi, – nem tal façanha
Fizeram nunca, e sei que foram grandes!
Itapeba entre os seus não encontraras,
Que não pagasse com seu sangue o arrojo
Se tanto as claras por-se-lhes contrário.
Mas quem do humano sangue derramado
Por ventura se peja? – em que logares
A glória da peleja horror infunde?
Ninguém, nenhures, ou somente aonde,
Ou só aquele que já viu infunde
Cruas vagas de sangue; e os turvos rios
Mortos por tributo ao mar volvendo.
Vi-as eu, inda novo; mas tal vista
do humano sangue saciou-me a sede.
Ouvi-me, Gurupema, ouvi-me todos:
Da sua tentativa o rei das selvas
Teve por prêmio o lacrimoso evento:
E era chefe brioso e bom soldado!
Só não pode sofrer que alguém dissesse
Haver outro maior tão perto dele!
A vaidade o cegou! hardida empresa
Cometeu, mas por si: de fora, e longe
Os seus o viram deslindas seu pleito.
Vencido foi... a vossa lei de guerra,
Bárbara, sim, mas lei, – dava ao Timbira
Usar, com ele usou, do seu triunfo.
A que pois fabricar novos combates?
Por que empreende-los nós, quando mais justos
Os Timbiras talvez mover poderam?
Que vos importa a vós vencer batalhas?
Tendes rios piscosos, fundas matas,
Inúmeros guerreiros, tabas fortes;
Que mais vos é mister? Tupã é grande:
De um lado o mar se estende sem limites,
Pingues florestas d’outro lado correm
Sem limites também. Quantas igaras
Quantos arcos houvermos, nas florestas,
No mar, nos rios caberão às largas:
Por que então batalhar? por que insensatos,
Buscando o inútil, necessário aos outros,
Sangue e vida arriscar em néscias lutas?
Se o filho de Jaguar trazer-nos manda
Do chefe desdidoto e frio corpo,
Aceite-se... se não... voltemos sempre,
Ou com ele, ou sem ele, às nossas tabas,
Às nossas tabas mudas, lacrimosas,
Que hão-de certo enlutar nossos guerreiros,
Quer vencedores voltem quer vencidos.”
Do forasteiro, que tão solto fala
E tão livre argumenta, Gurupema
Pesa a prudente voz, e alfim responde:
Tupã decidirá,” – Oh! não decide,
(Como consigo diz o forasteiro)
Não decide Tupã humanos casos,
Quando imprudente e cego o homem corre
D’encontro ao fado seu: não valem sonhos,
Nem da prudência meditado aviso
Do atalho infausto a desviar-lhe os passos!”
O chefe dos Gamelas não responde:
Vai pensativo demandando a praia,
Onde o Timbira mensageiro o aguarda.
Reina o silêncio, sentam-se na arena,
Jurucei, Gurupema e os mais com eles.
Amiga recepção, – ali não viras
Nem pompa oriental, nem galas ricas,
Nem armados salões, nem corte egrégia,
Nem régios passos, nem caçoilas fundas,
Onde a cheirosa goma se derrete.
Era tudo singelo, simples tudo,
Na carência do ornato – o grande, o belo.
Na própria singeleza a majestade
Era a terra o palácio, as nuvens teto,
Colunatas os troncos gigantescos,
Balcões os montes, pavimento a relva,
Candelabros a lua, o sol e os astros.
Lá estão na branca areia descansados.
Como festiva taça num banquete,
O cachimbo de paz, correndo em roda,
Se fumo adelgaçado cobre os ares.
Almejam,sim, ouvir o mensageiro,
E mudos são contudo: não dissera,
Quem quer que os visse ali tão descuidoso,
Que ardor inquieto e fundo os ansiava.
O forte Gurupema alfim começa
Após côngruo silêncio, em voz pausada:
Saúde ao núncio do Timbira! disse.
Tornou-lhe Jurucei: “Paz aos Gamelas,
Renome e glória ao chefe seu preclaro!
– A que vens pois? Nós te escutamos: fala
“Todos vós, que me ouvis, vistes boiantes,
À mercê da corrente, o arco e as setas
Feitas pedaços, por mim mesmo inúteis.”
“E de to ver folguei; mas quero eu mesmo
Ouvir dos lábios teus quanto imagino.
Acata-me Itajubá, e de medroso
Tenta poupar aos seus tristeza e luto?
A flor das Tabas suas, talvez manda
Trazer-me o corpo e as armas do Gamela,
Vencido, em mal, no desleal combate!
Pois seja, que talvez não queira eu sangue,
E do justo furor quebrando as setas...
Mas dize-o tu primeiro... Nada temas,
È sagrado entre nós guerreiro inerme,
E mais sagrado o mensageiro estranho.”
Treme de pasmo e cólera o Timbira,
Ao ouvir tal discurso. – Mais surpreso
Não fica o pescador, que mariscando
Vai na maré vazante, quando avista
Envolto em Iodo um tubarão na praia,
Que reputa sem vida, passa rente,
E co’as malas da rede acaso o açoita
E a desleixo; – feroz o monstro acorda
E escancarando as fauces mostra nelas
Em sete filas alinhada a morte!
Tal ficou Jurecei, – não de receio,
Mas de surpresa atônito, – o contrário,
Que de o ver merencório não se agasta,
A que proponha o seu encargo o anima.
“Não ignavo temor a voz me embarga,
Emudeço de ver quão mal conheces
Do filho de Jaguar os altos brios!
Esta a mensagem que por mim vos manda:
Três grandes tabas, onde heróis pululam,
Tantos e mais que nós, tanto e mais bravos,
Caídas a seus pés a voz lhe escutam.
Não quer dos vossos derramar mais sangue:
Tigre cevado em carnes palpitante,
Rejeita a fácil presa; nem o tenta
De perjuros haver troféus sem glória.
Em quanto pois a maça não sopesa,
Em quanto no carcaz dormem-lhe as setas
Imóveis – atendei! – cortai no bosque
Troncos robustos e frondosas palmas
E novas tabas construí no campo,
Onde o corpo caiu do rei das sevas,
Onde empastado inda enrubece a terra
Sangue daquele herói que vos infama!
Aquela briga enfim de dois, tamanhos,
Sinalai; porque estranho caminheiro
Amigas vendo e juntas nossas tabas
E a fé que usais guardar, sabendo, exclame:
Vejo um povo de heróis, e um grande chefe!”
Em quanto escuta o mensageiro estranho,
Gurupema, talvez sem que o sentisse,
Vai pouco e pouco erguendo o corpo inteiro.
A baça cor do rosto é sempre a mesma,
O mesmo o aspecto, – a válida postura
A quem de longe vê, somente indica
Vigor descomunal, e a gravidade
Que os próprios Índios por incrível notam.
Era uma estátua, exceto só nos olhos,
Que por entre as em vão caídas pálpebras
Clarão funéreo derramava entorno.
Quero ver que valor mostras nas armas,
(Diz ao Timbira, que a resposta agrada)
Tu que arrogante, em frases descorteses,
Guerra declaras, quando paz of’reces.
Quebraste o arco teu quando chegaste,
O meu te of’reço! O quebrador dos arcos
Nos dons por certo liberal se mostra,
Quando o seu arco of’rece: julga e pasma!”
Do pejado carcaz tira uma seta,
Na corda a ajeita, – o arco entesa e curva,
Atira, – soa a corda, a flecha voa
Com silvos de serpente. Sobre a copa
Duma arvore frondosa descansava
Há pouco um cenembi, – flechado agora
Despenha-se no rio, sopra iroso,
A cortante serrilha embora erriça,
Co’a dura cauda embora açoita as águas;
A corrente o conduz, e em breve trato
O hastil da flecha sobrenada a prumo.
Poderá Jurecei, alçando o braço,
Poupar ação tão baixa àqueles bosques,
Onde os guerreiros de Itajubá imperam.
Imóvel, mudo contemplou o rio
Se chôfre o cenembi cair flechado,
Lutar co’a morte, ensangüentando as águas,
Desaparecer, – a voz por fim levanta:
“Ó rei das selvas, Gurupema, escuta:
Tu, que medroso em face d’Itajuba
Não ousaras tocar o p´que o vento
Nas folhas dos seus bosques deposita;
Senhor das selvas, que de longe o insultas,
Por que me vês aqui cozinho e fraco,
Fraco e sem armas, onde armado imperas;
Senhor das selvas (que antes flecha acesa
Sobre os tetos houvesses arrojado,
Onde as mulheres tens e os filhos caros),
Nunca miraste um alvo mais funesto
Nem tiro mais fatal vibraste nunca.
Com lágrimas de sangue hás de chora-lo,
Maldizendo o lugar, o ensejo, o dia,
O braço, a força, o ânimo, o conselho
Do delito infeliz que vai perder-te!
Eu, sozinho entre os teus que me rodeiam,
Sem armas, entre as armas que descubro,
Sem medo, entre os medrosos que me cercam,
Em tanta solidão seguro e ousado,
Rosto a rosto contigo, e no teu campo.
Digo-te, ó Gurupema, , ó rei das selvas,
Que és vil, qu’és fraco!
Sibilante flecha
Rompe da turva-multa e crava o braço
Do ousado Jurecei, qu’inda falava.
“É seguro entre vós guerreiro inerme,
E mais seguro o mensageiro estranho!
Disse com riso mofador nos lábios.
Aceito o arco, ó chefe, e a treda flecha,
Que vos hei-de tornar, ultriz da ofensa
Infame, que Aimorés nunca sonharam!
Ide , correi, quem cós impede a marcha?
Vingai esta corrente, não mui longe
Os Timbiras estão! – Voltai da empresa
Com este feito heróico rematado;
Fugi, se vos apraz; fugi, cobarde!
Vida por gota pagareis meu sangue;
Por onde quer que fordes de fugida
Vai o fero Itajubá perseguir-vos
Por água ou terra, ou campos, ou florestas;
Tremei!...
E como o raio em noite escura
Cegou, desapareceu! De timorato
Procura Gurupema o autor do crime,
E autor lhe não descobre; inquire... embalde!
Ninguém foi, ninguém sabe, e todos viram.
FIM