Professor por vocação

Professor por vocação
Nós...

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

O Realismo francês - resumo

Por volta de 1830, em França, alguns escritores reagiram contra a estética romântica e promoveram um nova forma de escrita. O exotismo e a fantasia exuberante dos românticos foi substituída por uma literatura de natureza realista, cujo objectivo era descrever a vida da sociedade.

Assim, nasceu o romance realista francês, cujos maiores representantes foram Henri Beyle, conhecido como Stendhal (1783-1842), Honoré de Balzac (1799-1850) e Gustave Flaubert (1821-1880). O primeiro deles foi o autor dos dois grandes romances do século: O Vermelho e o Negro (1830) e A Cartuxa de Prma (1839). O segundo, Balzac, escreveu A Comédia Humana (1835-1847), uma das maiores séries de romances de todos os tempos, enquanto Flaubert aperfeiçoou as técnicas do realismo em obras determinantes para o romance contemporâneo: Madame Bovary (1856) e a Educação Sentimental (1869).

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Mentes Perigosas

Uma "mente armada" denota perigo porque está potencialmente preparada para tudo.
Um cérebro preparado advoga em causa própria e em favor dos outros 100% do tempo. "Arma-se" uma mente quando se ensina a pensar e se lhe dá "ferramentas" para isso.
A Ciência é uma dessas ferramentas, assim como as Artes e a Filosofia. Sobretudo a literatura porque está acima do mundo normal.
Uma mente armada de conhecimento é uma mente perigosa porque enxerga o mundo sob muitos ângulos.
Cérebros armados de conhecimentos não são manipuláveis...
e isso, para quem dita as regras, é um enorme perigo...

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Realismo Fantástico

O realismo mágico é uma escola literária surgida no início do século XX. Também é conhecido por realismo fantástico, ou realismo maravilhoso, principalmente em espanhol.

É considerada a resposta latino-americana à literatura fantástica do início do século XX. Entre seus principais expoentes estão o colombiano Gabriel García Márquez, Premio Nobel de Literatura, e o argentino Julio Cortázar, mas muitos chamam o venezuelano Arturo Uslar Pietri de pai do realismo mágico. No Brasil, um representante destacado desta corrente literária foi José J. Veiga.

Outro grande mestre do realismo mágico foi o Argentino Jorge Luis Borges. O cubano Alejo Carpentier, no prólogo de seu livro Reino deste mundo, define seu trabalho sob o realismo maravilhoso, que apesar de semelhante ao realismo mágico de Garcia Marques, não se confunde com ele.

O realismo mágico se desenvolveu fortemente nas décadas de 60 e 70, como produto de duas visões que conviviam na América hispânica e também no Brasil: a cultura da tecnologia e a cultura da superstição. Surgiu também como forma de reagir, através das palavras, contra as ditaduras da região.

Ele pode ser definido como a preocupação estilística e o interesse de mostrar o irreal ou estranho como algo cotidiano e comum. Não é uma expressão literária mágica: sua finalidade não é a de suscitar emoções, mas sim de melhor expressá-las e é, sobretudo, uma atitude frente a realidade. Uma das obras mais representativas deste estilo é Cem anos de solidão', de Gabriel Garcia Márquez.

Apesar de aparentemente desatento à realidade, o realismo mágico compartilha algumas características com o realismo épico, como a pretensão de dar verossimilhança interna ao fantástico e ao irreal, diferenciando-se assim da atitude niilista assumida originalmente pelas vanguardas do início do século XX, como o surrealismo.

O Realismo Inglês

O movimento conhecido como Realismo se instaurou no continente europeu entre 1850 e 1880, particularmente em países como a França, Inglaterra e Alemanha, disseminando-se depois pelo restante do planeta, especialmente na América do Norte. Seus adeptos rejeitavam a forma idealizada de se ver o mundo, principalmente o belo. Eles também negavam a visão não naturalista típica do Neoclassicismo e do Romantismo.

Os realistas tinham a urgência de representar a existência, as questões rotineiras e os hábitos das camadas média e baixa, as quais não pautavam seu cotidiano segundo padrões do mundo antigo. Esta corrente expressou-se tanto na escultura quanto na arquitetura e na literatura.

Nas artes plásticas destacaram-se Gustave Coubert e Jean François Millet. Neste campo, os ingleses se manifestavam através de preceitos cultivados pela ‘Irmandade Pré-Rafaelita’; seus membros dividiam a história da arte em antes e depois de Rafael. Para eles, este artista desprezava a verdade artística ao insistir na procura de padrões estéticos romantizados. Assim, o ideal para os realistas ingleses era resgatar os valores vigentes no período que antecedeu a era rafaelita.

Esta comunidade era perpassada também por conceitos espirituais, pois tinha o objetivo de glorificar a Deus por meio de suas obras consideradas honestas por seus adeptos. Uma importante produção artística filiada a esta corrente é a obra A Anunciação, criada pelo artista plástico e poeta inglês Dante Gabriel Rossetti.

Rossetti, nascido em Londres no ano de 1828, foi um dos fundadores do movimento pré-rafaelita. Ele é famoso por seu volume de poesias Baladas e sonetos, de 1881. Sua irmã, Christina Georgina, primava também pela criação poética; ela publicou Goblin market em 1862.

No âmbito literário, a obra que dá impulso ao Realismo é Madame Bovary, do francês Gustave Flaubert. A partir daí, destacam-se o russo Dostoiévski, famoso principalmente por Os Irmãos Karamazov; o representante de Portugal Eça de Queirós, célebre pela publicação de Os Maias; e os ingleses Charles Dickens, que atinge o auge de sua trajetória literária com Oliver Twist, e Thomas Hardy, autor de Judas, o obscuro.

O cenário por excelência do Realismo é a prosa, já que a poesia é dominada pelo Parnasianismo. No século XVIII, na Inglaterra, em meio a incontáveis mudanças econômicas, sociais e políticas, no auge da segunda etapa da Revolução Industrial, a narrativa inglesa solidificava as bases do romance típico do Realismo.

O narrador fixava suas raízes no presente, privilegiando a vivência histórica das novas camadas sociais, neste momento em estágio de ascensão. Ele se baseava principalmente na importância da verossimilhança das trajetórias dos protagonistas retratados em suas páginas. O meio de expressão mais significativo na esfera literária realista é, portanto, o romance social, o psicológico ou a prosa de tese.

Assim, a narrativa não visa mais apenas entreter o leitor; ela tem um objetivo mais denso, qual seja o de tecer críticas a organizações como a Igreja Católica e a classe burguesa. Sua temática passa por questões como os escravos, as discriminações raciais e o sexo, sempre enfocadas por um discurso cristalino e incisivo.

Nesta época, no século XIX, a Inglaterra vivia a Era Vitoriana, marcada pela riqueza propiciada pela Revolução Industrial, de um lado, e pela opressão da classe trabalhadora, de outro lado. Foi neste contexto que, ao lado de Dickens e Hardy, emergiram na literatura inglesa nomes como as irmãs Brontë – Charlotte é imortalizada pela obra Jane Eyre, e Emily por O Morro dos Ventos Uivantes -, Oscar Wilde – eternizado por O Retrato de Dorian Gray -, Joseph Conrad – O Coração das Trevas -, Lewis Carroll – o criador da eterna Alice no País das Maravilhas – e Robert Louis Stevenson – o sempre assustador O Médico e o Monstro -, responsáveis pela criação dos maiores clássicos literários de todos os tempos.

Armados de seus talentos e das incoerências que marcaram este período, eles contribuíram, antes de tudo, para fortalecer o gênero literário mais popular neste momento: o romance.

Fontes:
http://www.pitoresco.com.br/art_data/realismo/
http://www.angelfire.com/pa/genesis4/realismo.html
http://www.algosobre.com.br/literatura/realismo.html
Cadernos Entre Livros – Panorama da Literatura Inglesa. Editora Duetto, Editor: Oscar Pilagallo.

Morte e vida Severina -João Cabral de Melo Neto

Morte e Vida Severina, de João Cabral de Melo Neto

Recomende esta página para um amigo

Versão para impressão

Análise da obra

Morte e Vida Severina, o texto mais popular de João Cabral de Melo Neto, é um auto de natal do folclore pernambucano e, também, da tradição ibérica. Foi escrito entre 1954-55.

Naquela ocasião, Maria Clara Machado, que dirigia o teatro Tablado, no Rio, pedira que João Cabral escrevesse algo sobre retirantes. O poeta escreveu, então, um grupo de poemas dramáticos, para "serem lidos em voz alta" e os dedicou a Rubem Braga e Fernando Sabino, "que tiveram a idéia deste repertório".

Morte Vida Severina tem como subtítulo Auto de Natal pernambucano e tem inspiração nos autos pastoris medievais ibéricos, além de espelhar-se na cultura popular nordestina.

É por esse motivo que, no poema, João Cabral usa preferencialmente o verso heptassilábico, a chamada "medida velha", ou redondilho maior, verso sonoroso e facilmente obtido.

Morte e Vida Severina estruralmente está dividida em 18 partes; no entanto, outra divisão muito nítida pode ser feita quanto à temática: da parte 1 a 9, compreende-se o périplo de Severino até o Recife, seguindo sempre o rio Capibaribe, ou o "fio da vida" que ele se dispõe a seguir, mesmo quando o rio lhe falta e dele só encontra a leve marca no chão crestado pelo sol. Da parte 10 a 18, o retirante está no Recife ou em seus arredores e sofridamente sabe que para ele não há nenhuma saída, a não ser aquela que presenciou no percurso: a morte.

Sua linha narrativa segue dois movimentos que aparecem no título: "morte" e "vida". No primeiro, temos o trajeto de Severino, personagem-protagonista, para Recife, em face da opressão econômico-social, Severino tem a força coletiva de uma personagem típica: representa o retirante nordestino. No segundo movimento, o da "vida", o autor não coloca a euforia da ressurreição da vida dos autos tradicionais, ao contrário, o otimismo que aí ocorre é de confiança no homem, em sua capacidade de resolver os problemas sociais.

O auto de natal Morte e Vida Severina possui estrutura dramática: é uma peça de teatro. Severino, personagem, se transforma em adjetivo, referindo-se à vida severina, à condição severina, à miséria.

O retirante vem do sertão para o litoral, seguindo a trilha do rio Capibaribe. Quando atinge o Recife, depois de encontrar muitas mortes pelo caminho, desengana-se com o sonho da cidade grande e do mar.

Resolve então "saltar fora da ponte e da vida", atirando-se no Capibaribe. Enquanto se prepara para morrer e conversa com seu José, uma mulher anuncia que o filho deste "saltou para dentro da vida" (nasceu).

Severino assiste ao auto de natal (encenação comemorativa do nascimento). Seu José, mestre carpina, tenta demover Severino da resolução de "saltar fora da ponte e da vida".

Texto na íntegra e comentários

O RETIRANTE EXPLICA AO LEITOR QUEM É E A QUE VAI

— O meu nome é Severino,
como não tenho outro de pia.
Como há muitos Severinos,
que é santo de romaria,
deram então de me chamar
Severino de Maria;
como há muitos Severinos
com mães chamadas Maria,
fiquei sendo o da Maria
do finado Zacarias.
Mas isso ainda diz pouco:
há muitos na freguesia,
por causa de um coronel
que se chamou Zacarias
e que foi o mais antigo
senhor desta sesmaria.
Como então dizer quem fala
ora a Vossas Senhorias?
Vejamos: é o Severino
da Maria do Zacarias,
lá da serra da Costela,
limites da Paraíba.
Mas isso ainda diz pouco:
se ao menos mais cinco havia
com nome de Severino
filhos de tantas Marias
mulheres de outros tantos,
já finados, Zacarias,
vivendo na mesma serra
magra e ossuda em que eu vivia.
Somos muitos Severinos
iguais em tudo na vida:
na mesma cabeça grande
que a custo é que se equilibra,
no mesmo ventre crescido
sobre as mesmas pernas finas,
e iguais também porque o sangue
que usamos tem pouca tinta.
E se somos Severinos
iguais em tudo na vida,
morremos de morte igual,
mesma morte severina:
que é a morte de que se morre
de velhice antes dos trinta,
de emboscada antes dos vinte,
de fome um pouco por dia
(de fraqueza e de doença
é que a morte severina
ataca em qualquer idade,
e até gente não nascida).
Somos muitos Severinos
iguais em tudo e na sina:
a de abrandar estas pedras
suando-se muito em cima,
a de tentar despertar
terra sempre mais extinta,
a de querer arrancar
algum roçado da cinza.

Neste trecho, Severino retirante se apresenta às pessoas e tenta, quando mais possa, logo de início individualizar-se. Para tanto, usa referências pessoais, de sobrenomes e nomes e geográficas. Inútil, ele é apenas um igual a tantos outros Severinos e, desse modo, difícil é desidentificar-se de maneira a distanciar-se deles, os seus iguais em sofrimento, dor, busca, no mesmo espaço geográfico da secura, fome, miséria e ignorância.

A partir do 31o verso, no entanto, sua fala deixa de ser individualizada. Ao observar que "somos muitos Severinos/iguais em tudo na vida:/na mesma cabeça grande/que a custo é que se equilibra..." o retirante funde sua saga à saga dos outros nordestinos, junta-se a eles no destino da retirada, da busca de saídas, da procura, pobreza, sofrimentos e sonhos. E, corajosamente se anuncia:

Mas, para que me conheçam
melhor Vossas Senhorias
e melhor possam seguir
a história de minha vida,
passo a ser o Severino
que em vossa presença emigra.

ENCONTRA DOIS HOMENS CARREGANDO UM DEFUNTO NUMA REDE, AOS GRITOS DE "Ó IRMÃOS DAS ALMAS! IRMÃOS DAS ALMAS! NÃO FUI EU QUE MATEI NÃO!"

— A quem estais carregando,
irmãos das almas,
embrulhado nessa rede?
dizei que eu saiba.
— A um defunto de nada,
irmão das almas,
que há muitas horas viaja
à sua morada.
— E sabeis quem era ele,
irmãos das almas,
sabeis como ele se chama
ou se chamava?
— Severino Lavrador,
irmão das almas,
Severino Lavrador,
mas já não lavra.
— E de onde que o estais trazendo,
irmãos das almas,
onde foi que começou
vossa jornada?
— Onde a Caatinga é mais seca,
irmão das almas,
onde uma terra que não dá
nem planta brava.
— E foi morrida essa morte,
irmãos das almas,
essa foi morte morrida
ou foi matada?
— Até que não foi morrida,
irmão das almas,
esta foi morte matada,
numa emboscada.
— E o que guardava a emboscada,
irmão das almas,
e com que foi que o mataram,
com faca ou bala?
— Este foi morto de bala,
irmão das almas,
mais garantido é de bala,
mais longe vara.
— E quem foi que o emboscou,
irmãos das almas,
quem contra ele soltou
essa ave-bala?
— Ali é difícil dizer,
irmão das almas,
sempre há uma bala voando
desocupada.
— E o que havia ele feito,
irmãos das almas,
e o que havia ele feito
contra a tal pássara?
— Ter um hectares de terra,
irmão das almas,
de pedra e areia lavada
que cultivava.
— Mas que roças que ele tinha,
irmãos das almas,
que podia ele plantar
na pedra avara?
— Nos magros lábios de areia,
irmão das almas,
os intervalos das pedras,
plantava palha.
— E era grande sua lavoura,
irmãos das almas,
lavoura de muitas covas,
tão cobiçada?
— Tinha somente dez quadros,
irmão das almas,
todas nos ombros da serra,
nenhuma várzea.
— Mas então por que o mataram,
irmãos das almas,
mas então por que o mataram
com espingarda?
— Queria mais espalhar-se,
irmão das almas,
queria voar mais livre
essa ave-bala.
— E agora o que passará,
irmãos das almas,
o que é que acontecerá
contra a espingarda?
— Mais campo tem para soltar,
irmão das almas,
tem mais onde fazer voar
as filhas-bala.
— E onde o levais a enterrar,
irmãos das almas,
com a semente de chumbo
que tem guardada?
— Ao cemitério de Torres,
irmão das almas,
que hoje se diz Toritama,
de madrugada.
— E poderei ajudar,
irmãos das almas?
vou passar por Toritama,
é minha estrada.
— Bem que poderá ajudar,
irmão das almas,
é irmão das almas quem ouve
nossa chamada.
— E um de nós pode voltar,
irmão das almas,
pode voltar daqui mesmo
para sua casa.
— Vou eu, que a viagem é longa,
irmãos das almas,
é muito longa a viagem
e a serra é alta.
— Mais sorte tem o defunto,
irmãos das almas,
pois já não fará na volta
a caminhada.
— Toritama não cai longe,
irmão das almas,
seremos no campo santo
de madrugada.
— Partamos enquanto é noite,
irmão das almas,
que é o melhor lençol dos mortos
noite fechada.

Neste trecho Severino inicia o caminho e encontra dois homens que carregam um defunto numa rede. São os "irmãos das almas", comuns no sertão nordestino: a eles cabe, gratuitamente, lavar e vestir o defunto, velar e, posteriormente enterrá-lo em lugar digno.

O defunto é Severino Lavrador "mas já não lavra" e os "irmãos das almas" o estão trazendo da caatinga, morto à bala, numa emboscada. Inquieto, Severino pergunta o porquê da morte. E fica sabendo que o mataram por questão de terra.

Esse é apenas o primeiro dos muitos Severinos que encontrará na viagem.

O RETIRANTE TEM MEDO DE SE EXTRAVIAR PORQUE SEU GUIA, O RIO CAPIBARIBE, CORTOU COM O VERÃO

— Antes de sair de casa
aprendi a ladainha
das vilas que vou passar
na minha longa descida.
Sei que há muitas vilas grandes,
cidades que elas são ditas;
sei que há simples arruados,
sei que há vilas pequeninas,
todas formando um rosário
cujas contas fossem vilas,
todas formando um rosário
de que a estrada fosse a linha.
Devo rezar tal rosário
até o mar onde termina,
saltando de conta em conta,
passando de vila em vila.
Vejo agora: não é fácil
seguir essa ladainha;
entre uma conta e outra conta,
entre uma a outra ave-maria,
há certas paragens brancas,
de planta e bicho vazias,
vazias até de donos,
e onde o pé se descaminha.
Não desejo emaranhar
o fio de minha linha
nem que se enrede no pêlo
hirsuto desta caatinga.
Pensei que seguindo o rio
eu jamais me perderia:
ele é o caminho mais certo,
de todos o melhor guia.
Mas como segui-lo agora
que interrompeu a descida?
Vejo que o Capibaribe,
como os rios lá de cima,
é tão pobre que nem sempre
pode cumprir sua sina
e no verão também corta,
com pernas que não caminham.
Tenho de saber agora
qual a verdadeira via
entre essas que escancaradas
frente a mim se multiplicam.
Mas não vejo almas aqui,
nem almas mortas nem vivas;
ouço somente à distância
o que parece cantoria.
Será novena de santo,
será algum mês-de-Maria;
quem sabe até se uma festa
ou uma dança não seria?

No percurso que reinicia, Severino tem medo de perder-se porque o rio foi "cortado"pelo Verão, já não há indícios nele, quase: "Mas como segui-lo agora/que interrompeu a descida?" Verifique que no trecho aparecem com freqüência as palavras 'fio", "linha"e "rosário", o que nos remete ao mito grego das três Parcas, donas absolutas da vida humana, elas tecem o fio da existência, medem-no e, por fim, o cortam quando queiram.

Perdido e atônito, Severino ouve ao longe uma cantoria. É outro Severino que encontra. E, mais uma vez, encontra-o sob o signo da morte que permeia a sua vida.

NA CASA A QUE O RETIRANTE CHEGA ESTÃO CANTANDO EXCELÊNCIAS PARA UM DEFUNTO, ENQUANTO UM HOMEM, DO LADO DE FORA,VAI PARODIANDO AS PALAVRAS DOS CANTADORES

— Finado Severino, quando passares em Jordão e o demônios te atalharem perguntando o que é que levas...
— Dize que levas cera, capuz e cordão mais a Virgem da Conceição.
— Finado Severino, etc. ...
— Dize que levas somente coisas de não: fome, sede, privação.
— Finado Severino, etc. ...
— Dize que coisas de não, ocas, leves: como o caixão, que ainda deves.
— Uma excelência dizendo que a hora é hora.
— Ajunta os carregadores que o corpo quer ir embora.
— Duas excelências...
— ... dizendo é a hora da plantação.
— Ajunta os carregadores...
— ... que a terra vai colher a mão.

A cantoria se resume em cantar as "excelências"do defunto. Excelências quer dizer "qualidades". Cantando, os sertanejos recomendam o defunto para que quando ele atravesse o Jordão possa e seja cercado pelos demônios possa dizer o que leva da vida. É sempre pouca coisa: capuz, cordão, a Virgem, fome, sede , privação.

É interessante notar, no entanto, que a morte é sempre compartilhada. O camponês nunca está sozinho quando morre, outras pessoas, solidariamente, tomam conta dele, compartilham o momento.

CANSADO DA VIAGEM O RETIRANTE PENSA INTERROMPÊ-LA POR UNS INSTANTES E PROCURAR TRABALHO ALI ONDE SE ENCONTRA.

— Desde que estou retirando
só a morte vejo ativa,
só a morte deparei
e às vezes até festiva;
só a morte tem encontrado
quem pensava encontrar vida,
e o pouco que não foi morte
foi de vida severina
(aquela vida que é menos
vivida que defendida,
e é ainda mais severina
para o homem que retira).
Penso agora: mas porque
parar aqui eu não podia
e como o Capibaribe
interromper minha linha?
ao menos até que as águas
de uma próxima invernia
me levem direto ao mar
ao refazer sua rotina?
Na verdade, por uns tempos,
parar aqui eu bem podia
e retomar a viagem
quando vencesse a fadiga.
Ou será que aqui cortando
agora minha descida
já não poderei seguir
nunca mais em minha vida?
(será que a água destes poços
é toda aqui consumida
pelas roças, pelos bichos,
pelo sol com suas línguas?
será que quando chegar
o rio da nova invernia
um resto de água no antigo
sobrará nos poços ainda?)
Mas isso depois verei:
tempo há para que decida;
primeiro é preciso achar
um trabalho de que viva.
Vejo uma mulher na janela,
ali, que se não é rica,
parece remediada
ou dona de sua vida:
vou saber se de trabalho
poderá me dar notícia.

Severino, por um tempo, pensa em parar a viagem porque "só a morte vejo ativa"; pensa em procurar trabalho onde se encontra. Veja a comparação, já nos versos finais entre "vida"e "linha"; e note que o verbo "cortar"também se faz presente: é outro remetimento ao mito das três Parcas.

Parar, procurar trabalho... note aqui que o retirante não deseja emigrar, deixar a terra de origem. Ele vê uma mulher na janela e pensa em pedir a ela notícias sobre um trabalho qualquer.

DIRIGE-SE À MULHER NA JANELA QUE DEPOIS DESCOBRE TRATAR-SE DE QUEM SE SABERÁ

— Muito bom dia, senhora,
que nessa janela está;
sabe dizer se é possível
algum trabalho encontrar?
— Trabalho aqui nunca falta
a quem sabe trabalhar;
o que fazia o compadre
na sua terra de lá?
— Pois fui sempre lavrador,
lavrador de terra má;
não há espécie de terra
que eu não possa cultivar.
— Isso aqui de nada adianta,
pouco existe o que lavrar;
mas diga-me, retirante,
que mais fazia por lá?
— Também lá na minha terra
de terra mesmo pouco há;
mas até a calva da pedra
sinto-me capaz de arar.
— Também de pouco adianta,
nem pedra há aqui que amassar;
diga-me ainda, compadre,
que mais fazia por lá?
— Conheço todas as roças
que nesta chã podem dar:
o algodão, a mamona,
a pita, o milho, o caroá.
— Esses roçados o banco
já não quer financiar;
mas diga-me, retirante,
o que mais fazia lá?
— Melhor do que eu ninguém
sei combater, quiçá,
tanta planta de rapina
que tenho visto por cá.
— Essas plantas de rapina
são tudo o que a terra dá;
diga-me ainda, compadre;
que mais fazia por lá?
— Tirei mandioca de chãs
que o vento vive a esfolar
e de outras escalavradas
pela seca faca solar.
— Isto aqui não é Vitória
nem é Glória do Goitá;
e além da terra, me diga,
que mais sabe trabalhar?
— Sei também tratar de gado,
entre urtigas pastorear:
gado de comer do chão
ou de comer ramas no ar.
— Aqui não é Surubim
nem Limoeiro, oxalá!
mas diga-me, retirante,
que mais fazia por lá?
— Em qualquer das cinco tachas
de um banguê sei cozinhar;
sei cuidar de uma moenda,
de uma casa de purgar.
— Com a vinda das usinas
há poucos engenhos já;
nada mais o retirante
aprendeu a fazer lá?
— Ali ninguém aprendeu
outro ofício, ou aprenderá:
mas o sol, de sol a sol,
bem se aprende a suportar.
— Mas isso então será tudo
em que sabe trabalhar?
vamos, diga, retirante,
outras coisas saberá.
— Deseja mesmo saber
o que eu fazia por lá?
comer quando havia o quê
e, havendo ou não, trabalhar.
— Essa vida por aqui
é coisa familiar;
mas diga-me retirante,
sabe benditos rezar?
sabe cantar excelências,
defuntos encomendar?
sabe tirar ladainhas,
sabe mortos enterrar?
— Já velei muitos defuntos,
na serra é coisa vulgar;
mas nunca aprendi as rezas,
sei somente acompanhar.
— Pois se o compadre soubesse
rezar ou mesmo cantar,
trabalhávamos a meias,
que a freguesia bem dá.
— Agora se me permite
minha vez de perguntar:
como senhora, comadre,
pode manter o seu lar?
— Vou explicar rapidamente,
logo compreenderá:
como aqui a morte é tanta,
vivo de a morte ajudar.
— E ainda se me permite
que volte a perguntar:
é aqui uma profissão
trabalho tão singular?
— É, sim, uma profissão,
e a melhor de quantas há:
sou de toda a região
rezadora titular.
— E ainda se me permite
mais outra vez indagar:
é boa essa profissão
em que a comadre ora está?
— De um raio de muitas léguas
vem gente aqui me chamar;
a verdade é que não pude
queixar-me ainda de azar.
— E se pela última vez
me permite perguntar:
não existe outro trabalho
para mim nesse lugar?
— Como aqui a morte é tanta,
só é possível trabalhar
nessas profissões que fazem
da morte ofício ou bazar.
Imagine que outra gente
de profissão similar,
farmacêuticos, coveiros,
doutor de anel no anular,
remando contra a corrente
da gente que baixa ao mar,
retirantes às avessas,
sobem do mar para cá.
Só os roçados da morte
compensam aqui cultivar,
e cultivá-los é fácil:
simples questão de plantar;
não se precisa de limpa,
de adubar nem de regar;
as estiagens e as pragas
fazem-nos mais prosperar;
e dão lucro imediato;
nem é preciso esperar
pela colheita: recebe-se
na hora mesma de semear.

O retirante dirige-se à mulher da janela, dando-lhe bom dia e perguntando se há trabalho por ali; curiosa, ela lhe pergunta que tipo de trabalho ele fazia "por lá". Severino diz que foi sempre lavrador de "terra má". A mulher vai fazendo perguntas, ao que ele responde o que sabe fazer: arar até a "calva da pedra", plantar mamona, algodão, pita, milho e caroá... A mulher diz aqueles roçados o banco nem quer mais financiar. Ele anuncia que sabe tratar de gado e cuidar das casas de purgar, o que não interessa à mulher.

Mas há uma resposta magnífica que Severino dá a ela, por fim:

"deseja mesmo saber

o que eu fazia por lá?

Comer quando havia o quê

e, havendo ou não, trabalhar."

A mulher, então, informa-lhe que ali só há trabalho para os ofícios que envolvam a morte: benditos e ladainhas para rezar, cantar as excelências de um defunto. E se apresenta como "rezadora titular"da região.. Só há trabalho ali nos "roçados da morte", que dão lucros imediatos, na hora de semear, ou seja, quando "se planta"no chão o defunto.

O RETIRANTE CHEGA À ZONA DA MATA, QUE O FAZ PENSAR, OUTRA VEZ, EM INTERROMPER A VIAGEM

— Bem me diziam que a terra
se faz mais branda e macia
quando mais do litoral
a viagem se aproxima.
Agora afinal cheguei
nesta terra que diziam.
Como ela é uma terra doce
para os pés e para a vista.
Os rios que correm aqui
têm a água vitalícia.
Cacimbas por todo lado;
cavando o chão, água mina.
Vejo agora que é verdade
o que pensei ser mentira.
Quem sabe se nesta terra
não plantarei minha sina?
Não tenho medo de terra
(cavei pedra toda a vida),
e para quem lutou a braço
contra a piçarra da Caatinga
será fácil amansar
esta aqui, tão feminina.
Mas não avisto ninguém,
só folhas de cana fina;
somente ali à distância
aquele bueiro de usina;
somente naquela várzea
um banguê velho em ruína.
Por onde andará a gente
que tantas canas cultiva?
Feriando: que nesta terra
tão fácil, tão doce e rica,
não é preciso trabalhar
todas as horas do dia,
os dias todos do mês,
os meses todos da vida.
Decerto a gente daqui
jamais envelhece aos trinta
nem sabe da morte em vida,
vida em morte, severina;
e aquele cemitério ali,
branco na verde colina,
decerto pouco funciona
e poucas covas aninha.

Severino chega à Zona da Mata e se espanta porque Os rios que correm aqui/têm a água vitalícia. E vê a Usina. Apesar de tanta riqueza, quase não vê gente e pressupõe que todos estejam "feriando". Imagina Severino que ali tudo seja fácil, "decerto a gente daqui/jamais envelhece aos trinta"... Engana-se: o lugar está vazio porque as usinas prescindem dos homens, tudo é mecânico, nada requer o trabalho braçal de gente igual a ele.

Prossegue Severino o seu caminho.

ASSISTE AO ENTERRO DE UM TRABALHADOR DE EITO E OUVE O QUE DIZEM DO MORTO OS AMIGOS QUE O LEVARAM AO CEMITÉRIO

— Essa cova em que estás,
com palmos medida,
é a cota menor
que tiraste em vida.
— É de bom tamanho,
nem largo nem fundo,
é a parte que te cabe
deste latifúndio.
— Não é cova grande,
é cova medida,
é a terra que querias
ver dividida.
— É uma cova grande
para teu pouco defunto,
mas estarás mais ancho
que estavas no mundo.
— É uma cova grande
para teu defunto parco,
porém mais que no mundo
te sentirás largo.
— É uma cova grande
para tua carne pouca,
mas a terra dada
não se abre a boca.
— Viverás, e para sempre,
na terra que aqui aforas:
e terás enfim tua roça.
— Aí ficarás para sempre,
livre do sol e da chuva,
criando tuas saúvas.
— Agora trabalharás
só para ti, não a meias,
como antes em terra alheia.
— Trabalharás uma terra
da qual, além de senhor,
serás homem de eito e trator.
— Trabalhando nessa terra,
tu sozinho tudo empreitas:
serás semente, adubo, colheita.
— Trabalharás numa terra
que também te abriga e te veste:
embora com o brim do Nordeste.
— Será de terra tua derradeira camisa:
te veste, como nunca em vida.
— Será de terra e tua melhor camisa:
te veste e ninguém cobiça.
— Terás de terra
completo agora o teu fato:
e pela primeira vez, sapato.
— Como és homem,
a terra te dará chapéu:
fosses mulher, xale ou véu.
— Tua roupa melhor
será de terra e não de fazenda:
não se rasga nem se remenda.
— Tua roupa melhor
e te ficará bem cingida:
como roupa feita à medida.
— Esse chão te é bem conhecido
(bebeu teu suor vendido).
— Esse chão te é bem conhecido
(bebeu o moço antigo).
— Esse chão te é bem conhecido
(bebeu tua força de marido).
— Desse chão és bem conhecido
(através de parentes e amigos).
— Desse chão és bem conhecido
(vive com tua mulher, teus filhos).
— Desse chão és bem conhecido
(te espera de recém-nascido).
— Não tens mais força contigo:
deixa-te semear ao comprido.
— Já não levas semente viva:
teu corpo é a própria maniva.
— Não levas rebolo de cana:
és o rebolo, e não de caiana.
— Não levas semente na mão:
és agora o próprio grão.
— Já não tens força na perna:
deixa-te semear na coveta.
— Já não tens força na mão:
deixa-te semear no leirão.
— Dentro da rede não vinha nada,
só tua espiga debulhada.
— Dentro da rede vinha tudo,
só tua espiga no sabugo.
— Dentro da rede coisa vasqueira,
só a maçaroca banguela.
— Dentro da rede coisa pouca,
tua vida que deu sem soca.
— Na mão direita um rosário,
milho negro e ressecado.
— Na mão direita somente
o rosário, seca semente.
— Na mão direita, de cinza,
o rosário, semente maninha.
— Na mão direita o rosário,
semente inerte e sem salto.
— Despido vieste no caixão,
despido também se enterra o grão.
— De tanto te despiu a privação
que escapou de teu peito a viração.
— Tanta coisa despiste em vida
que fugiu de teu peito a brisa.
— E agora, se abre o chão e te abriga,
lençol que não tiveste em vida.
— Se abre o chão e te fecha,
dando-te agora cama e coberta.
— Se abre o chão e te envolve,
como mulher com quem se dorme.

Este trecho é o mais conhecido da peça de João Cabral, é a parte mais terrível do auto. Lá está outro Severino morto, levado pelos amigos ao cemitério. Cada um deles canta uma parte da despedida. Há aqui a mais lúcida condenação do poeta: os latifúndios matam o homem que se dispõe a lutar pela terra. E os consomem como "espigas debulhadas", roendo-lhes as forças, a mocidade, a fibra de trabalhador.

Esse Severino tem agora a cova em palmos medida, lugar onde cabe e se aninha o que antes queria a sua parte na terra.

Todos os amigos questionam a maneira como os patrões tratam seus empregados, explorando-lhes a força de trabalho, pagando-lhes uma ninharia.

É o momento mais dramático do poema de João Cabral e detalha bem a vida do nordestino camponês, lavrador de terra sempre má porque explorado por seus patrões metonimicamente representados pelo latifúndio.

O RETIRANTE RESOLVE APRESSAR OS PASSOS PARA CHEGAR LOGO AO RECIFE

— Nunca esperei muita coisa,
digo a Vossas Senhorias.
O que me fez retirar
não foi a grande cobiça;
o que apenas busquei
foi defender minha vida
de tal velhice que chega
antes de se inteirar trinta;
se na serra vivi vinte,
se alcancei lá tal medida,
o que pensei, retirando,
foi estendê-la um pouco ainda.
Mas não senti diferença
entre o Agreste e a Caatinga,
e entre a Caatinga e aqui a Mata
a diferença é a mais mínima.
Está apenas em que a terra
é por aqui mais macia;
está apenas no pavio,
ou melhor, na lamparina:
pois é igual o querosene
que em toda parte ilumina,
e quer nesta terra gorda
quer na serra, de caliça,
a vida arde sempre, com
a mesma chama mortiça.
Agora é que compreendo
porque em paragens tão ricas
o rio não corta em poços
como ele faz na Caatinga:
vivi a fugir dos remansos
a que a paisagem o convida,
com medo de se deter
grande que seja a fadiga.
Sim, o melhor é apressar
o fim desta ladainha,
o fim do rosário de nomes
que a linha do rio enfia;
é chegar logo ao Recife,
derradeira ave-maria
do rosário, derradeira
invocação da ladainha,
Recife, onde o rio some
e esta minha viagem se fina.

De novo, aqui, as palavras "rio", "fio"e "linha" podem ser observadas. Os advérbios "aqui" (Zona da mata) e "lá" (sertão) se contrapõem, Severino chega ao Recife e anuncia que sua viagem acabou. Ele veio como o rio em busca do mar, porque o Recife sempre foi a porta pela qual os nordestinos deixavam sua região.

CHEGANDO AO RECIFE, O RETIRANTE SENTA-SE PARA DESCANSAR AO PÉ DE UM MURO ALTO E CAIADO E OUVE, SEM SER NOTADO, A CONVERSA DE DOIS COVEIROS

— O dia de hoje está difícil;
não sei onde vamos parar.
Deviam dar um aumento,
ao menos aos deste setor de cá.
As avenidas do centro são melhores,
mas são para os protegidos:
há sempre menos trabalho
e gorjetas pelo serviço;
e é mais numeroso o pessoal
(toma mais tempo enterrar os ricos).
— Pois eu me daria por contente
se me mandassem para cá.
Se trabalhasses no de Casa Amarela
não estarias a reclamar.
De trabalhar no de Santo Amaro
deve alegrar-se o colega
porque parece que a gente
que se enterra no de Casa Amarela
está decidida a mudar-se
toda para debaixo da terra.
— É que o colega ainda não viu
o movimento: não é o que se vê.
Fique-se por aí um momento
e não tardarão a aparecer
os defuntos que ainda hoje
vão chegar (ou partir, não sei).
As avenidas do centro,
onde se enterram os ricos,
são como o porto do mar:
não é muito ali o serviço:
no máximo um transatlântico
chega ali cada dia,
com muita pompa, protocolo,
e ainda mais cenografia.
Mas este setor de cá
é como a estação dos trens:
diversas vezes por dia
chega o comboio de alguém.
— Mas se teu setor é comparado
à estação central dos trens,
o que dizer de Casa Amarela
onde não pára o vaivém?
Pode ser uma estação
mas não estação de trem:
será parada de ônibus,
com filas de mais de cem.
— Então por que não pedes,
já que és de carreira, e antigo,
que te mandem para Santo Amaro
se achas mais leve o serviço?
Não creio que te mandassem
para as belas avenidas
onde estão os endereços
e o bairro da gente fina:
isto é, para o bairro dos usineiros,
dos políticos, dos banqueiros,
e no tempo antigo, dos banguezeiros
(hoje estes se enterram em carneiros);
bairro também dos industriais,
dos membros das associações patronais
e dos que foram mais horizontais
nas profissões liberais.
Difícil é que consigas
aquele bairro, logo de saída.
— Só pedi que me mandassem
para as urbanizações discretas,
com seus quarteirões apertados,
com suas cômodas de pedra.
— Esse é o bairro dos funcionários,
inclusive extranumerários,
contratados e mensalistas
(menos os tarefeiros e diaristas).
Para lá vão os jornalistas,
os escritores, os artistas;
ali vão também os bancários,
as altas patentes dos comerciários,
os lojistas, os boticários,
os localizados aeroviários
e os de profissões liberais
que não se liberaram jamais.
— Também um bairro dessa gente
temos no de Casa Amarela:
cada um em seu escaninho,
cada um em sua gaveta,
com o nome aberto na lousa
quase sempre em letras pretas.
Raras as letras douradas,
raras também as gorjetas.
— Gorjetas aqui, também,
só dá mesmo a gente rica,
em cujo bairro não se pode
trabalhar em mangas de camisa;
onde se exige quépi
e farda engomada e limpa.
— Mas não foi pelas gorjetas,
não, que vim pedir remoção:
é porque tem menos trabalho
que quero vir para Santo Amaro;
aqui ao menos há mais gente
para atender a freguesia,
para botar a caixa cheia
dentro da caixa vazia.
— E que disse o Administrador,
se é que te deu ouvido?
— Que quando apareça a ocasião
atenderá meu pedido.
— E do senhor Administrador
isso foi tudo que arrancaste?
— No de Casa Amarela me deixou
mas me mudou de arrabalde.
— E onde vais trabalhar agora,
qual o subúrbio que te cabe?
— Passo para o dos industriários,
que é também o dos ferroviários,
de todos os rodoviários
e praças-de-pré dos comerciários.
— Passas para o dos operários,
deixas o dos pobres vários;
melhor: não são tão contagiosos
e são muito menos numerosos.
— É, deixo o subúrbio dos indigentes
onde se enterra toda essa gente
que o rio afoga na preamar
e sufoca na baixa-mar.
— É a gente sem instituto,
gente de braços devolutos;
são os que jamais usam luto
e se enterram sem salvo-conduto.
— É a gente dos enterros gratuitos
e dos defuntos ininterruptos.
— É a gente retirante
que vem do Sertão de longe.
— Desenrolam todo o barbante
e chegam aqui na jante.
— E que então, ao chegar,
não têm mais o que esperar.
— Não podem continuar
pois têm pela frente o mar.
— Não têm onde trabalhar
e muito menos onde morar.
— E da maneira em que está
não vão ter onde se enterrar.
— Eu também, antigamente,
fui do subúrbio dos indigentes,
e uma coisa notei
que jamais entenderei:
essa gente do Sertão
que desce para o litoral, sem razão,
fica vivendo no meio da lama,
comendo os siris que apanha;
pois bem: quando sua morte chega,
temos que enterrá-los em terra seca.
— Na verdade, seria mais rápido
e também muito mais barato
que os sacudissem de qualquer ponte
dentro do rio e da morte.
— O rio daria a mortalha
e até um macio caixão de água;
e também o acompanhamento
que levaria com passo lento
o defunto ao enterro final
a ser feito no mar de sal.
— E não precisava dinheiro,
e não precisava coveiro,
e não precisava oração
e não precisava inscrição.
— Mas o que se vê não é isso:
é sempre nosso serviço
crescendo mais cada dia;
morre gente que nem vivia.
— E esse povo lá de riba
de Pernambuco, da Paraíba,
que vem buscar no Recife
poder morrer de velhice,
encontra só, aqui chegando
cemitérios esperando.
— Não é viagem o que fazem,
vindo por essas caatingas, vargens;
aí está o seu erro:
vêm é seguindo seu próprio enterro.

Cansado da viagem, Severino senta-se rente ao muro de um cemitério e ouve a conversa entre dois coveiros. Eles falam de morte, o que permeia esta jornada severina, e impressionam o retirante a veemência de suas falas ríspidas que anunciam diferenças entre enterrar ricos e pobres.

Para o cemitério de Santo Antônio vão os homens como jornalistas, escritores, artistas e os de profissão liberal; para os da Casa Amarela, onde agora Severino está, vão os miseráveis de toda a sorte, "gente dos enterros gratuitos".

Um dos coveiros comenta que o rio Capibaribe devia dar-lhes uma mortalha macia, sem que precisassem de dinheiro ou coveiro e assusta o retirante ao anunciar que quando vêm da caatinga, "Vêm seguindo o próprio enterro."

O RETIRANTE APROXIMA-SE DE UM DOS CAIS DO CAPIBARIBE

— Nunca esperei muita coisa,
é preciso que eu repita.
Sabia que no rosário
de cidade e de vilas,
e mesmo aqui no Recife
ao acabar minha descida,
não seria diferente
a vida de cada dia:
que sempre pás e enxadas
foices de corte e capina,
ferros de cova, estrovengas
o meu braço esperariam.
Mas que se este não mudasse
seu uso de toda vida,
esperei, devo dizer,
que ao menos aumentaria
na quartinha, a água pouca,
dentro da cuia, a farinha,
o algodãozinho da camisa,
ao meu aluguel com a vida.
E chegando, aprendo que,
nessa viagem que eu fazia,
sem saber desde o Sertão,
meu próprio enterro eu seguia.
Só que devo ter chegado
adiantado de uns dias;
o enterro espera na porta:
o morto ainda está com vida.
A solução é apressar
a morte a que se decida
e pedir a este rio,
que vem também lá de cima,
que me faça aquele enterro
que o coveiro descrevia:
caixão macio de lama,
mortalha macia e líquida,
coroas de baronesa
junto com flores de aninga,
e aquele acompanhamento
de água que sempre desfila
(que o rio, aqui no Recife,
não seca, vai toda a vida).

Esta parte é um lamento com a quebra das expectativas de Severino. O que ele deseja é pouca coisa: um trabalho, água, farinha, algodãozinho da camisa, dinheiro pro aluguel. Sonhos de um homem simples que se desmancharam ao saber que viera seguindo o próprio enterro e que sua vida está por um triz. Imagina que tenha chegado adiantado uns dias, apenas.

APROXIMA-SE DO RETIRANTE O MORADOR DE UM DOS MOCAMBOS QUE EXISTEM ENTRE O CAIS E A ÁGUA DO RIO

— Seu José, mestre carpina,
que habita este lamaçal,
sabes me dizer se o rio
a esta altura dá vau?
sabe me dizer se é funda
esta água grossa e carnal?
— Severino, retirante,
jamais o cruzei a nado;
quando a maré está cheia
vejo passar muitos barcos,
barcaças, alvarengas,
muitas de grande calado.
— Seu José, mestre carpina,
para cobrir corpo de homem
não é preciso muito água:
basta que chega ao abdome,
basta que tenha fundura
igual à de sua fome.
— Severino, retirante,
pois não sei o que lhe conte;
sempre que cruzo este rio
costumo tomar a ponte;
quanto ao vazio do estômago,
se cruza quando se come.
— Seu José, mestre carpina,
e quando ponte não há?
quando os vazios da fome
não se tem com que cruzar?
quando esses rios sem água
são grandes braços de mar?
— Severino, retirante,
o meu amigo é bem moço;
sei que a miséria é mar largo,
não é como qualquer poço:
mas sei que para cruzá-la
vale bem qualquer esforço.
— Seu José, mestre carpina,
e quando é fundo o perau?
quando a força que morreu
nem tem onde se enterrar,
por que ao puxão das águas
não é melhor se entregar?
— Severino, retirante,
o mar de nossa conversa
precisa ser combatido,
sempre, de qualquer maneira,
porque senão ele alaga
e devasta a terra inteira.
— Seu José, mestre carpina,
e em que nos faz diferença
que como frieira se alastre,
ou como rio na cheia,
se acabamos naufragados
num braço do mar miséria?
— Severino, retirante,
muita diferença faz
entre lutar com as mãos
e abandoná-las para trás,
porque ao menos esse mar
não pode adiantar-se mais.
— Seu José, mestre carpina,
e que diferença faz
que esse oceano vazio
cresça ou não seus cabedais,
se nenhuma ponte mesmo
é de vencê-lo capaz?
— Seu José, mestre carpina,
que lhe pergunte permita:
há muito no lamaçal
apodrece a sua vida?
e a vida que tem vivido
foi sempre comprada à vista?
— Severino, retirante,
sou de Nazaré da Mata,
mas tanto lá como aqui
jamais me fiaram nada:
a vida de cada dia
cada dia hei de comprá-la.
— Seu José, mestre carpina,
e que interesse, me diga,
há nessa vida a retalho
que é cada dia adquirida?
espera poder um dia
comprá-la em grandes partidas?
— Severino, retirante,
não sei bem o que lhe diga:
não é que espere comprar
em grosso tais partidas,
mas o que compro a retalho
é, de qualquer forma, vida.
— Seu José, mestre carpina,
que diferença faria
se em vez de continuar
tomasse a melhor saída:
a de saltar, numa noite,
fora da ponte e da vida?

Esse também é um momento dramático e terrível do auto: Severino encontra-se com seu José, mestre carpina. Não é preciso dizer com quem, alegoricamente, ele se encontrou... Morando nos alagados, nas casas palafitadas, mocambos do Recife, seu José é interrogado pelo retirante.

A metáfora "saltar da ponte e da vida", renunciar à existência, não surpreende o homem que ouve a conversa do retirante a lhe perguntar sobre o rio, também metaforicamente aí significando a própria existência, com suas águas fundas e lodosas. É um diálogo figurado, intenso. A "vida de retalho", pequena e medida.
Mas os dois são surpreendidos por uma notícia.

UMA MULHER, DA PORTA DE ONDE SAIU O HOMEM, ANUNCIA-LHE O QUE SE VERÁ

— Compadre José, compadre,
que na relva estais deitado:
conversais e não sabeis
que vosso filho é chegado?
Estais aí conversando
em vossa prosa entretida:
não sabeis que vosso filho
saltou para dentro da vida?
Saltou para dento da vida
ao dar o primeiro grito;
e estais aí conversando;
pois sabei que ele é nascido.

A mulher anuncia o nascimento do filho do carpinteiro.

E você já sabe o que esta representação significa: o nascimento de outro Severino, aproximado, o auto, dos modelos pastoris das peças medievais. É, metaforicamente, o nascimento de Jesus, em meio à pobreza. O subtítulo do poema se explica agora: auto de Natal pernambucano.

APARECEM E SE APROXIMAM DA CASA DO HOMEM VIZINHOS, AMIGOS, DUAS CIGANAS ETC.

— Todo o céu e a terra
lhe cantam louvor.
Foi por ele que a maré
esta noite não baixou.
— Foi por ele que a maré
fez parar o seu motor:
a lama ficou coberta
e o mau-cheiro não voou.
— E a alfazema do sargaço,
ácida, desinfetante,
veio varrer nossas ruas
enviada do mar distante.
— E a língua seca de esponja
que tem o vento terral
veio enxugar a umidade
do encharcado lamaçal.
— Todo o céu e a terra
lhe cantam louvor
e cada casa se torna
num mocambo sedutor.
— Cada casebre se torna
no mocambo modelar
que tanto celebram os
sociólogos do lugar.
— E a banda de maruins
que toda noite se ouvia
por causa dele, esta noite,
creio que não irradia.
— E este rio de água cega,
ou baça, de comer terra,
que jamais espelha o céu,
hoje enfeitou-se de estrelas.

Aproximam-se todos para louvar o menino recém-nascido, tal como os reis magos. E vão saudá-lo dentro da pobreza, como ela lhes permitirá.

COMEÇAM A CHEGAR PESSOAS TRAZENDO PRESENTES PARA O RECÉM-NASCIDO

— Minha pobreza tal é
que não trago presente grande:
trago para a mãe caranguejos
pescados por esses mangues;
mamando leite de lama
conservará nosso sangue.
— Minha pobreza tal é
que coisa não posso ofertar:
somente o leite que tenho
para meu filho amamentar;
aqui são todos irmãos,
de leite, de lama, de ar.
— Minha pobreza tal é
que não tenho presente melhor:
trago papel de jornal
para lhe servir de cobertor;
cobrindo-se assim de letras
vai um dia ser doutor.
— Minha pobreza tal é
que não tenho presente caro:
como não posso trazer
um olho d'água de Lagoa do Carro,
trago aqui água de Olinda,
água da bica do Rosário.
— Minha pobreza tal é
que grande coisa não trago:
trago este canário da terra
que canta corrido e de estalo.
— Minha pobreza tal é
que minha oferta não é rica:
trago daquela bolacha d'água
que só em Paudalho se fabrica.
— Minha pobreza tal é
que melhor presente não tem:
dou este boneco de barro
de Severino de Tracunhaém.
— Minha pobreza tal é
que pouco tenho o que dar:
dou da pitu que o pintor Monteiro
fabricava em Gravatá.
— Trago abacaxi de Goiana
e de todo o Estado rolete de cana.
— Eis ostras chegadas agora,
apanhadas no cais da Aurora.
— Eis tamarindos da Jaqueira
e jaca da Tamarineira.
— Mangabas do Cajueiro
e cajus da Mangabeira.
— Peixe pescado no Passarinho,
carne de boi dos Peixinhos.
— Siris apanhados no lamaçal
que há no avesso da rua Imperial.
— Mangas compradas nos quintais ricos
do Espinheiro e dos Aflitos.
— Goiamuns dados pela gente pobre
da Avenida Sul e da Avenida Norte.

Cada um entrega ao menino o que tem de mais precioso: caranguejos, leite, água, um canário da terra, bolacha d'água, boneco de barro, abacaxi, tamarindos, jacas, mangabas e cajus. Ainda: siris, mangas e goiamuns.

São as ofertas dos homens simples, que tiram de si mesmos os melhores presentes para saudar a vida que começa. Outra vez a solidariedade é posta à palma, mostrada e demonstrada, largamente exercida por todos.

FALAM AS DUAS CIGANAS QUE HAVIAM APARECIDO COM OS VIZINHOS

— Atenção peço, senhores,
para esta breve leitura:
somos ciganas do Egito,
lemos a sorte futura.
Vou dizer todas as coisas
que desde já posso ver
na vida desse menino
acabado de nascer:
aprenderá a engatinhar
por aí, com aratus,
aprenderá a caminhar
na lama, como goiamuns,
e a correr o ensinarão
o anfíbios caranguejos,
pelo que será anfíbio
como a gente daqui mesmo.
Cedo aprenderá a caçar:
primeiro, com as galinhas,
que é catando pelo chão
tudo o que cheira a comida;
depois, aprenderá com
outras espécies de bichos:
com os porcos nos monturos,
com os cachorros no lixo.
Vejo-o, uns anos mais tarde,
na ilha do Maruim,
vestido negro de lama,
voltar de pescar siris;
e vejo-o, ainda maior,
pelo imenso lamarão
fazendo dos dedos iscas
para pescar camarão.
— Atenção peço, senhores,
também para minha leitura:
também venho dos Egitos,
vou completar a figura.
Outras coisas que estou vendo
é necessário que eu diga:
não ficará a pescar
de jereré toda a vida.
Minha amiga se esqueceu
de dizer todas as linhas;
não pensem que a vida dele
há de ser sempre daninha.
Enxergo daqui a planura
que é a vida do homem de ofício,
bem mais sadia que os mangues,
tenha embora precipícios.
Não o vejo dentro dos mangues,
vejo-o dentro de uma fábrica:
se está negro não é lama,
é graxa de sua máquina,
coisa mais limpa que a lama
do pescador de maré
que vemos aqui, vestido
de lama da cara ao pé.
E mais: para que não pensem
que em sua vida tudo é triste,
vejo coisa que o trabalho
talvez até lhe conquiste:
que é mudar-se destes mangues
daqui do Capibaribe
para um mocambo melhor
nos mangues do Beberibe.

As ciganas prevêem o futuro do menino, uma boa e a outra má. Uma delas, a má, dá ao menino a leitura de um destino trágico: será pobre, fazendo dos dedos iscas/para pescar camarão, para sempre atrelado ao lamarão dos mocambos; mas a cigana boa prediz-lhe um futuro melhor, porque o que vê não é lama que o envolva, "mas graxa"de alguma fábrica, o que equivale a dizer que ele ascenderá socialmente.

FALAM OS VIZINHOS, AMIGOS, PESSOAS QUE VIERAM COM PRESENTES ETC.

— De sua formosura
já venho dizer:
é um menino magro,
de muito peso não é,
mas tem o peso de homem,
de obra de ventre de mulher.
— De sua formosura
deixai-me que diga:
é uma criança pálida,
é uma criança franzina,
mas tem a marca de homem,
marca de humana oficina.
— Sua formosura
deixai-me que cante:
é um menino guenzo
como todos os desses mangues,
mas a máquina de homem
já bate nele, incessante.
— Sua formosura
eis aqui descrita:
é uma criança pequena,
enclenque e setemesinha,
mas as mãos que criam coisas
nas suas já se adivinha.
— De sua formosura
deixai-me que diga:
é belo como o coqueiro
que vence a areia marinha.
— De sua formosura
deixai-me que diga:
belo como o avelós
contra o Agreste de cinza.
— De sua formosura
deixai-me que diga:
belo como a palmatória
na caatinga sem saliva.
— De sua formosura
deixai-me que diga:
é tão belo como um sim
numa sala negativa.
— É tão belo como a soca
que o canavial multiplica.
— Belo porque é uma porta
abrindo-se em mais saídas.
— Belo como a última onda
que o fim do mar sempre adia.
— É tão belo como as ondas
em sua adição infinita.
— Belo porque tem do novo
a surpresa e a alegria.
— Belo como a coisa nova
na prateleira até então vazia.
— Como qualquer coisa nova
inaugurando o seu dia.
— Ou como o caderno novo
quando a gente o principia.
— E belo porque com o novo
todo o velho contagia.
— Belo porque corrompe
com sangue novo a anemia.
— Infecciona a miséria
com vida nova e sadia.
— Com oásis, o deserto,
com ventos, a calmaria.

O menino é saudado pelos vizinhos, amigos. Todos trazem presentes e o comparam às coisas boas da vida. Embora ele seja um menino magro, "tem peso de homem"; criança franzina é , mas "tem a marca de homem". E é belo como tudo que os cerca. De todos os versos, ressaltam-se:

"belo como uma coisa nova/ na prateleira até então vazia"

"Belo como um caderno novo/quando a gente principia."

metáforas das necessidades fundamentais do homem: o alimento e a educação.

O CARPINA FALA COM O RETIRANTE QUE ESTEVE DE FORA, SEM TOMAR PARTE EM NADA

— Severino retirante,
deixe agora que lhe diga:
eu não sei bem a resposta
da pergunta que fazia,
se não vale mais saltar
fora da ponte e da vida;
nem conheço essa resposta,
se quer mesmo que lhe diga;
é difícil defender,
só com palavras, a vida,
ainda mais quando ela é
esta que vê, severina;
mas se responder não pude
à pergunta que fazia,
ela, a vida, a respondeu
com sua presença viva.
E não há melhor resposta
que o espetáculo da vida:
vê-la desfiar seu fio,
que também se chama vida,
ver a fábrica que ela mesma,
teimosamente, se fabrica,
vê-la brotar como há pouco
em nova vida explodida;
mesmo quando é assim pequena
a explosão, como a ocorrida;
mesmo quando é uma explosão
como a de há pouco, franzina;
mesmo quando é a explosão
de uma vida severina.

Terminada a festa, seu José mestre carpina vem falar com Severino. O diálogo final é de uma beleza rara: o que vale a vida, mesmo que ela seja como a do menino? Como a de Severino?

Literatura Comparada - Leia com atenção!!

Os Percursos da Literatura Comparada
Paula Alvim Gattás Bara
1. Introdução
Definir a Literatura Comparada é uma tarefa árdua que, na verdade, não leva ao surgimento de conclusões que facilitem compreendê-la. Fundamentar sua metodologia, seus objetivos e seu objeto de estudo, enfim, o campo da disciplina Literatura Comparada cria inúmeras divergências uma vez que não há uma unanimidade entre os estudiosos do comparativismo. A dificuldade de definir seus fundamentos dá-se, também, pelo fato de que esta disciplina não seja imutável; ela muda, constantemente, tanto no tempo quanto no espaço, o que corrobora sua tendência de ajustar-se aos métodos críticos literários que entram em cena no século XX.
O surgimento da Literatura Comparada coincide com o da própria literatura1. Como seu objetivo primário é confrontar duas ou mais literaturas, bastou que elas emergissem para o comparativismo manifestar-se. Portanto, o nascimento das literaturas grega e romana é também o marco do nascimento da Literatura Comparada.
Apesar de ter despontado há milhares de anos, a Literatura Comparada surge como disciplina e de uma maneira sistematizada no século XIX e num contexto europeu. Ela visa a estabelecer a influência entre autores, servindo de instrumento para mostrar a força de um país sobre outro. Do século XIX até meados do século XX, o vocábulo que melhor define a Literatura Comparada, isto é, sua palavra-chave, é influência, pois ela representa uma ferramenta de afirmação de um país e de culturas nacionais.
A partir dos anos 50 e 60 do século passado, René Wellek ajuda a estruturar a Teoria da Literatura como disciplina e introduz uma ruptura com o comparativismo tradicional. Esse estudioso propõe que a Literatura Comparada represente uma leitura profunda de um texto sem levar em conta somente fatores que lhe são extrínsecos, ou seja, ele atribui ao contextualismo, que é tão importante para os comparatistas que o precedem, menos importância.
Nos dias atuais, a Literatura Comparada vem ampliando o âmbito de sua pesquisa, fazendo com que o lugar do texto literário na sociedade possa ser revisto. Sem o viés tradicional, passa-se a estudar a relação entre literatura e vida cultural, outras artes e seu público.
Enquanto que em seus primórdios a Literatura Comparada encontra-se muito ligada ao nacionalismo, criando relações de submissão cultural, atualmente baniu-se o vocábulo “influência” de seu léxico, deslocando sua atenção para um campo de estudo muito mais abrangente, o qual rompe com fronteiras culturais e busca firmar, ao invés de um confronto entre obras e autores, referências que o texto literário cria a partir de um ponto de vista internacional.
Este trabalho tem como objetivo traçar um perfil sucinto da disciplina Literatura Comparada desde o século XIX até os dias de hoje. Procurar-se-á estabelecer as características peculiares a certas correntes comparatistas, buscando um confronto entre elas em cima de seus aspectos, de seus discursos críticos e dos questionamentos que propõem.
Sabendo-se da dificuldade de definir a Literatura Comparada, o presente estudo não busca defini-la e sim estabelecer sua evolução através do tempo, do espaço e das novas teorias literárias que surgem a partir do século XX.
2. A Literatura Comparada no continente europeu
O século XIX, diante de uma visão cosmopolita, incitou o encontro de vários intelectuais europeus, os quais sentiam uma necessidade de estar em contato com literaturas estrangeiras. A Literatura Comparada foi inserida nas universidades francesas, a partir desse contexto, por Abel Villemain, Jean-Jacques Ampère e Philarète Chasles. Este último define em sua aula inaugural o que seria o comparativismo naquela época.
Deixe-nos avaliar a influência de pensamento sobre pensamento, a maneira pela qual povos transformam-se mutuamente, o que cada um deles deu e o que cada um deles recebeu; deixe-nos avaliar também o efeito deste perpétuo intercâmbio entre nacionalidades individuais (…)2
Pode-se perceber que a palavra que traduz a concepção comparativista do século XIX é “influência”, havendo uma forte razão para sê-lo, uma vez que foi justamente nesse período que muitos países europeus se firmaram como nações e buscavam identificar suas raízes culturais. Com o alvo no estudo de fontes e influências, estabelecendo, portanto, filiações, isto é, uma relação de paternidade entre obras literárias, ou desviando um pouco o foco de atenção para vinculação dos estudos comparados com uma perspectiva histórica, a Literatura Comparada seguiu através de inúmeras vozes como de Gustave Lanson e de Emile Fauguet até a década de 1930, quando entrou em cena Paul Van Tieghem.
Em 1931, ele publicou La littérature comparée, revelando sua tradição historicista nos estudos comparados e estabelecendo a Literatura Comparada tanto como ramo da Literatura Geral quanto da historiografia literária. Paul Van Tieghem tem como objeto o estudo das diversas literaturas em suas relações entre si, como se ligam umas às outras na forma, no conteúdo, no estilo. Criando uma tríade, ele estabeleceu diferenças entre Literatura Nacional, Literatura Comparada e Literatura Geral.
Paul Van Tieghem foi o precursor da “escola francesa”, cuja metodologia baseia-se em três elementos: o emissor (ponto de partida da passagem de influência), o receptor (ponto de chegada) e o transmissor (intermediário entre o emissor e o receptor). Essa tendência mostrou-se muito contextualista uma vez que sua preocupação primordial não é a estrutura interna do texto, e sim o contexto que o envolve. Em Crítica Literária, História Literária, Literatura Comparada, Van Tieghem revela a pertinência que tem o contexto, no caso o emissor, em uma análise comparativista:
Aquela obra, aquele conjunto de obras que você leu com interesse, examinou e julgou, qual foi a sua origem, o que as ocasionou, qual o seu destino, em resumo, sua história? Este escritor que lhe agrada, como foi sua carreira, breve ou longa, brilhante ou obscura, abundante em publicações ou marcada por um único livro que é uma obra-prima? Sob que influências se formou, como se desenvolveu seu talento, que relações manteve com alguns de seus contemporâneos dos quais você leu certas produções? 3
No início do século XX, o poeta francês Paul Valéry deu cara nova ao conceito de influência literária, renovando as definições do comparativismo. Para ele, a dependência entre autores se dá como fonte de originalidade e não como imitação, sendo uma “intrusão do novo na criação”4. Valer-se-á diretamente de sua formulação sobre a influência para melhor compreendê-la: “ocorre que a obra de um recebe no ser do outro um valor totalmente singular, engendrando conseqüências atuantes, impossíveis de serem previstas e, com freqüência, impossíveis de serem desvendadas”5.
Valéry explica a influência recorrendo à psicologia, uma vez que o método objetivo de pesquisa de filiações e de causalidade por ele é abandonado, atribuindo ao conceito em questão um caráter emocional. Suas idéias sobre originalidade também são muito interessantes, pois isso se trata de assimilação, ou “caso de estômago”, segundo suas próprias palavras. A fronteira entre originalidade e plágio pode ser estabelecia através de como se digeriu a influência exercida por outros, sendo definida a partir da ação de uma obra sobre o escritor que a ela está exposto. Resumindo, a influência é um dos princípios fundamentais para a gênese de uma obra literária.
Na Inglaterra, T. S. Eliot também refletiu sobre os conceitos de influência e originalidade, gerando seu ensaio “Tradição e talento individual” e introduzindo conceitos que repercutiram nos estudos de Literatura Comparada. Segundo Eliot, tradição não é reprodução, e sim uma representacão dialética que envolve um senso histórico que permeia pelo passado e presente.
Nenhum poeta, nenhum artista, tem sua significação completa sozinho. Seu significado e a apreciação que deles fazemos constituem a apreciação de sua relação com os poetas e os artistas mortos. Não se pode estimá-lo em si; é preciso situá-lo, para contraste e comparação, entre os mortos. Entendo isso como um princípio de estética, não apenas histórica, mas no sentido crítico. É necessário que ele seja harmônico, coeso, e não unilateral6.
Originalidade seria, para este poeta, algo capaz de modificar a ordem existente, pois uma obra inovadora possibilitaria uma visão distinta até mesmo das outras obras que a precederam, renovando a tradição.
Também indo contra a concepção de influência e a superioridade da literatura de países da Europa Ocidental que esse vocábulo denotava, René Etimble critica a postura chauvinista e nacionalista da Literatura Comparada estabelecida pela “escola francesa”, inclinando-se para as idéias de René Wellek, que tem outra concepção de comparativismo como ver-se-á no próximo item. Etimble defende uma tendência anti-historicista e propõe que dois métodos tradicionalmente incompatíveis _ a investigação histórica e a reflexão crítica _ sejam combinados a fim de desenvolver uma poética comparada. Sua grande contribuição está na crítica que faz da hegemonia de países como França e Inglaterra, garantindo igual importância às “pequenas literaturas”, como a asiática, pois, para esse estudioso francês, qualquer literatura pode influenciar ou ser influenciada.
A partir da década de 1960, estudiosos do Leste Europeu ganharam voz e passaram a propagar suas idéias acerca da Literatura Comparada. Surge então Victor M. Zhirmunsky, que passou a considerar fatos literários independentemente de sua gênese e de seu contexto histórico, encarando a literatura a partir de um sistema de analogias tipológicas, ou importações culturais, que nada mais eram que outra forma de designar influência.
Este item se encerra com uma breve alusão à teoria da intertextualidade formulada por Julia Kristeva em cima da teoria do dialogismo concebida pelo formalista russo Bakhtin e à Estética da Recepção, dos alemães Iser e Jauss. A pertinência desses estudiosos se dá pelo fato de que, a partir de suas concepções, os conceitos de fonte, influência e originalidade se renovaram.
Bakhtin se preocupa com a idéia de que o texto literário não possui apenas uma voz. Na verdade, o texto é atravessado por diversas vozes, tanto direta quanto indiretamente, o que gera pontos de vista diferentes. A partir dessa idéia, Julia Kristeva cunha o termo intertextualidade, que seria o dialogismo aplicado em relação a textos diferentes. Aqui, a palavra-chave passa de influência para referência, uma vez que todo texto faz referências literárias e tem uma matriz que o precede. Portanto, usando as palavras de Kristeva, todo texto é um “mosaico de citações”, isto é, “o texto literário é uma rede de conexões”7. A importância da intertextualiade para a Literatura Comparada encontra-se na questão que o intertexto é inerente à obra e não um processo genético.
A estética da recepção também é uma teoria literária absorvida pelos comparatistas. Nos anos 60, Wolfgang Iser e Robert Jauss restituíram ao leitor individuale coletivo, seu papel ativo em um texto literário. Contribuindo para a renovação dos estudos de influência
com seu objetivo de substituir a historiografia literária substancialista, fundada no estudo da obra e do autor, por uma historiografia voltada para o leitor, a estética da recepção abre perspectivas para que a influência já não se explique mais causal e geneticamente de obra a obra, de autor a autor, de nação a nação, mas como resultado complexo da recepção8.
O continente europeu foi o berço da Literatura Comparada, sendo também cenário para sua evolução. Por toda sua extensão, verificaram-se tentativas de defini-la, compreendê-la e estruturá-la. O continente americano também foi sede para importantes lutas para a definição de uma crítica comparatista. Portanto, nos próximos itens, observar-se-á a repercussão e os desdobramentos da Literatura Comparada nos Estados Unidos, assim como na América Latina.

Sequência disponível em : www.ichs.ufop.br/semanadeletras/viii/arquivos/trab/e17.doc

Germinal - Emily Zola

Germinal. Produção: DEPARDIEU, Gerard; Produção: BORDIER, Patrick; Direção: BERRI, Claude. In: Germinal. ,
Notas Gerais: Tipo: Documentario - Historia; Data: 1994; Duração (min.): 155; Cor: Cor; Sistema: NTSC.


:
Sob o Segundo Imperio, Etienne Lantier (Renaud), um jovem desempregado que se torna mineiro, enfrenta uma verdadeira descida ao inferno. Em Montsou, ele descobre a miseria, e o alcoolismo. Descobre tambem, os crapulas como Chaval (Jean-Roger Milo), ou homens generosos como Toussaint Maheu (Gerard Depardieu): uma humanidade inteira em estado de luta e sofrimento. Etienne se engaja no combate contra a direcao das minas mas, logo eles contra-atacam. Os salarios caem mais ainda e uma greve assassina e miseravel toma corpo. Em meio a esta confusao sordida, ele encontra o amor de Catherine (Judith Henry). Agora, a greve podera ser combatida pelas tropas do exercito e Etienne tem medo do sangue a ser derramado.......


Émile Édouard Charles Antoine Zola(1840-1902) foi um escritor francês. Contemporâneo à Segunda Revolução Industrial, Zola passou a sua fase adulta num ambiente onde o ciência era supervalorizada, causando um entrosamento entre ela e o pensamento político e social, seja no positivismo filosófico,- um sistema altamente disciplinado e empírico- no darwinismo social,-crença na superioridade de certas etnias- no materialismo- e nos sistemas decorrentes deles como o socialismo- e no determinismo científico- crença de que o caráter dos seres humanos é determinado pela sua hereditariedade ou a seu meio-.Influenciado por essas correntes, Zola funda o naturalismo na obra Thérèse Raquin, em que inicia um posicionamento-o romance de tese-que posteriormente escreve no tratado Romance Experimental, segundo o qual o escritor tem que se posicionar de maneira impessoal e objetiva, tal qual um cientista, e que a premissa do livro deve ser exposta como num experimento científico. Um exemplo claro disso, mesmo sendo anterior a esse tratado, é a série de 20 volumes Les Rougon-Macquart onde é exposta a vida de uma família no segundo império francês. A obra mais conhecida dessa série e do autor, é Germinal.

O protagonista é Etienne Lantier, que aparece anteriormente em A Taberna, é um dos descendentes dos Rougon-Macquart. Vagando em busca de trabalho pelo norte da França ele finalmente o encontra na mina de carvão Voreux, na região de Montsou. Lá ele trava amizade com a família Maheu, família que trabalha há 100 anos na mina, tendo um de seus veios achado por um de seus ancestrais. Também cria uma rivalidade com outro mineiro, Antoine Chaval, por conta de uma filha dos Maheu, Catherine. Posteriormente, é revelada em Etienne uma fagulha revolucionária alimentada pelo estalajadeiro Rasseneur, ex-mineiro expulso da mina por chefiar uma greve, pelo seu companheiro de estalagem Suvarin, revolucionário russo adepto do anarquismo, e por Pluchart, seu contramestre na mina de Lille e representante da Internacional Socialista. Posteriormente, quando da aplicação de uma taxação que reduz o salário dos mineiros, Etienne lidera uma greve geral dos mineradores que termina de forma desastrosa, convertendo os pacatos mineiros numa horda furiosa e faminta.

Toda a obra tenta ser um reflexo da vidas de um mineiro. A linguagem, a devassidão fora e dentro das minas, a dificuldade do trabalho e de se comer, é tudo representado com precisão milimétrica. Inclusive, Zola viveu numa aldeia como a de Deux-Cent-Quarante e trabalhou como mineiro por dois meses, sentindo ele próprio a exaustão e a degradação dos mineiros. Degradação essa causada pela miséria que, segundo o autor, reduz os homens a animais, disputando sexo e comida, junto com o atrelamento de Etienne com sua herança genética, com uma fúria assassina e ébria. Também coloca o operariado como sustentáculo de um deus invisível-o empresariado- que ele cultua alimentando com carne humana as fábricas, minas etc. Mas um fator interessante desta obra em relação às outras de cunho naturalista é a presença de um viés político, representado nas discussões entre Suvarin, Etienne e Rasseneur; onde são colocados em pauta o anarquismo, o socialismo e um protótipo de social-democracia; tentando estabelecer qual dos modelos conseguiria reverter essa degradação humana. Entra em cena inclusive um religioso, pregando o reino dos céus como solução. Na passagem final do livro, é feita uma conclusão pelo autor, onde o fatalismo presente nas obras naturalistas é questionado.


Trecho do Livro:
DSC02601
“Era sempre assim que começava a conversa, cada um tinha algo a dizer, enquanto o querosene do candeeiro viciava o ar da sala já empesteada pelo cheiro de cebola frita. Esta vida não tinha nada de agradável. Trabalhavam como bestas numa coisa que antes só era feita pelos condenados às grilhetas, morriam ali, muito antes de ter chegado a sua hora, e tudo isso para nem sequer terem carne no jantar. Ainda comiam, claro, mas tão pouco, apenas o suficiente para seguirem sofrendo, cheio de dívidas, perseguidos como se estivessem roubando o pão que não os deixava morrer de fome. Aos domingos sucumbiam, exaustos. Os únicos prazeres eram embriagar-se e fazer filhos na mulher. E ainda por cima a cerveja fazia crescer a barriga, e os filhos, mais tarde, renegavam os pais. Não, não, a vida não tinha graça alguma.”

Pablo Neruda

Pablo Neruda

Nome literário do poeta, diplomata e marxista chileno Neftalí Ricardo Reyes Basoalto. Nasceu a 12 de Julho de 1904 em Parral, no Chile, e morreu a 23 de Setembro de 1973, em Santiago. De família humilde, viveu no sul do Chile, em Temuco. A mãe faleceu uns meses após o seu nascimento e o pai voltaria a casar. Neruda viria a ter um bom relacionamento com a madrasta, que considerou como a sua verdadeira mãe. Escreveu um dia "eu nasci para a vida, para a terra, para a poesia e para a chuva". Estudou no liceu desta cidade, entrando aos 15 anos no Instituto Pedagógico da Universidade de Santiago. Começou a escrever aos 10 de idade. Quando tinha apenas 12 anos conheceu Gabriela Mistral, uma famosa poetisa chilena, que lhe deu a conhecer os escritores clássicos que iriam influenciar a sua carreira e as suas decisões políticas. Tornou-se militante anarquista e traduziu o trabalho de Jean Grave, a notável teoria de Peter Kropotkine, um anarquista comunista. A partir de 1920 passou a usar o nome Pablo Neruda, que legalmente adoptou em 1946. Em 1921 deixou Temuco e mudou-se para a capital, Santiago. O estudante romântico invadiu a vida literária da capital chilena com a sua capa de estudante. Neste ano ganhou o prémio da federação chilena de estudantes de poesia com La canción de la fiesta e a partir daí começou a publicar poemas na revista da federação, Claridad. Em 1923 escreveu o primeiro livro, Crepusculario . Para cobrir as despesas desta publicação viu-se obrigado a vender o relógio que o pai lhe tinha oferecido. Em 1924 encontrou quem lhe publicasse Viente poemas de amor y una canción desesperada . Este trabalho foi muito bem recebido pelo público e conservou a sua popularidade ao longo dos anos. Aos vinte anos e com dois livros publicados, Neruda tornou-se o poeta chileno mais conhecido. Abandonou os estudos de francês para se dedicar inteiramente à poesia. Escreveu Tentativa del hombre infinito , Anillos, em colaboração com Tomás Lago, e El hondero entusiasta .Em 1927 foi nomeado cônsul em Rangoon, Burma, e durante cinco anos representou o seu país na Ásia. Seguidamente viajou para Ceilão, Colombo, Jacarta, Java, onde casou com a sua primeira mulher, de origem holandesa. Esteve ainda em Singapura. Viveu um período de grande solidão, animado apenas pelo romance com uma jovem burmesa. Durante estes anos na Ásia escreveu Residencia en la tierra . Em 1933 foi nomeado cônsul em Buenos Aires e daí data a sua amizade com o poeta espanhol Federico García Lorca. No ano seguinte foi transferido para Barcelona e depois para Madrid onde voltou a casar, desta vez com Delia del Carril. Com o mesmo impacto literário que obteve no seu país, Neruda conquistou a Europa e o resto do mundo, a sua poesia tornou-se rapidamente conhecida. Foi um escritor bem acolhido em Espanha. Este clima de desenvolvimento poético foi subitamente interrompido pelo eclodir da guerra civil espanhola em 1936. A execução do seu amigo García Lorca, a prisão de Miguel Hernández e o sangue nas ruas contribuíram para a maturidade do poeta e para as suas atitudes políticas. Escreveu então Espanã en el corazón , publicado durante a guerra civil nas linhas da frente republicanas. Pablo Neruda regressou ao Chile em 1938, com um grupo de refugiados espanhóis. Depois desta atitude, o governo chileno mandou-o para o México onde produziu intensamente textos poéticos, inspirado na II Guerra Mundial, que assolava a Europa, posicionando-se especialmente ao lado da defesa de Estalinegrado contra a ocupação germânica. Em 1943 voltou ao Chile por mar, recebendo uma grande ovação dos seus conterrâneos. Em 1945 foi eleito senador e nos três anos seguintes consagrou a maior parte do seu tempo aos problemas do país. A actividade política de Neruda foi interrompida quando foi eleito um governo de direita. Pablo Neruda, comunista, foi forçado a ocultar a sua ideologia, assim como outros esquerdistas. Estes anos de clandestinidade foram, no entanto, proveitosos do ponto de vista da obra literária. Escreveu Canto General , um dos grandes poemas épicos escritos no continente americano. Em Fevereiro de 1948, deixou o Chile, atravessando a zona sul das montanhas dos Andes a cavalo. Em Junho de 1949 visitou a União Soviética para participar na celebração dos 150 anos de Aleksandr Pushkin. Visitou depois outros países da Europa e o México. Em 1952, depois da ordem para prisão dos escritores de esquerda e de figuras políticas terem sido retiradas, Neruda regressou ao Chile e casou pela terceira vez, com a chilena Matilde Urrutia. Com a sua residência na Ilha Negra, no Pacífico, viajou constantemente por vários países, entre os quais Cuba e Estados Unidos, respectivamente em 1960 e 1966. A sua poesia foi traduzida em quase todas as línguas. A poesia de Neruda representa uma constante mudança, relacionada com as experiências da sua vida. Um dos mais enigmáticos trabalhos é Residencia en la tierra onde rompeu com a forma tradicional e criou uma técnica poética altamente personalizada embora plena de realismo, que se tornou conhecida como "nerudismo". Pablo Neruda foi Prémio Nacional de Literatura, Prémio Lenine da Paz (1953) e Prémio Nobel da Literatura (1971).



Como referenciar este artigo:
Pablo Neruda. In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2010. [Consult. 2010-09-09].
Disponível na www: .

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Inglês - Musical Waka Waka

Waka Waka (This Time For Africa)
Shakira

You're a good soldier
Choosing your battles
Pick yourself up
And dust yourself off
Get back in the saddle
You're on the front line
Everyone's watching
You know it's serious
We're getting closer
This isn't over
The pressure's on, you feel it
But you got it all, believe it
When you fall, get up, oh oh
And if you fall, get up, eh eh
Tsa mina mina zangalewa
Cause this is Africa
Tsa mina mina, eh eh
Waka waka, eh eh
Tsa mina mina zangalewa
This time for Africa
Listen to your God
This is our motto
Your time to shine
Don't wait in line
Y vamos por todo
People are raising
Their expectations
Go on and feel it
This is your moment
No hesitation
Today's your day, I feel it
You paved the way, believe it
If you get down, get up, oh oh
When you get down, get up, eh eh
Tsa mina mina, eh eh
Waka waka, eh eh
Tsamina mina zangalewa
Ana ah ah wam
Tsa mina mina, eh eh
Waka waka, eh eh
Tsa mina mina zangalewa
This time for Africa
Awela majoni biggie biggie mama
One a to zet
Athi sithi la majoni biggie biggie mama
From east to west

Bathi
Waka waka ma, eh eh
Waka waka ma, eh eh
Zonke zizwe mazi buye
Cause this is Africa
Tsa mina mina, Wana ah ah wa
Tsa mina mina
Tsa mina mina, Wana ah ah wa
Tsa mina mina, eh eh
Waka waka, eh eh
Tsa mina mina zangalewa
Wana ah ah wa
Zango, eh eh
Zango, eh eh
Tsa mina mina zangalewa
Wana ah ah wa
Tango, eh eh
Tango, eh eh
Tsamina mina zangalewa
Wana ah ah wa
This time for Africa
This time for Africa
We're all Africa

Madame Bovary - Gustave Flaubert - Uma prévia

A palavra “clássico” nos remete à Antiguidade e conseqüentemente à herança cultural greco-romana. Por definição, podemos denominar de clássico o que “segue os padrões daqueles povos” ou ainda “o que segue cânones preestabelecidos”; assim como também aquilo “cujo valor foi posto à prova do tempo”. Por que um livro se torna um clássico? – eis a questão. Não sei bem a resposta, mas afirmo que um clássico não necessariamente está de acordo com os padrões ditados por determinada época, como afirmam os melhores dicionários. Um clássico é atemporal, pois mesmo datado no mais remoto dos séculos, ainda assim pode transmitir uma mensagem que perpassa o tempo e condiz com a realidade atual. Do mesmo modo, muitas obras alçaram ao posto de “clássico” justamente porque questionaram estruturas, pensamentos e comportamentos daquele período. Em alguns casos, os clássicos podem provocar um desconforto aos leitores; que se justifica pelo caráter predecessor ou polêmico do texto; ou por nos fazer olhar para o próprio umbigo.

Madame Bovary, de Gustave Flaubert (1821-1880), é um clássico da literatura que tem se perpetuado no tempo e se popularizado por meio de edições mais baratas – porém de excelente qualidade gráfica – e em versões pocket book. Uma delas foi traduzida por Enrico Corvisieri e publicada pela LP&M Editores, em 392 páginas.

Quando escreveu este título, em meados da década de 1850, Flaubert sequer imaginava que este livro poderia lhe consagrar enquanto autor. Publicou alguns dos seus textos ainda na juventude – muitos inspirados pelo amor platônico por Elisa Schlesinger, onze anos mais velha e casada – mas com eles não conquistou a notoriedade. Entre suas obras estão Memórias de um Louco (1838), Novembro (1842) e Educação Sentimental (escrita em duas versões: em 1845 e 1869; respectivamente).

De acordo com a biografia do autor, as produções de Flaubert sempre foram motivadas por paixões. Por ser um romântico inveterado, expressava seus próprios sentimentos por meio de seus personagens, não fugindo à regra daqueles que também sofriam do “mal do século”. Extravasava sua subjetividade ao transferir suas expectativas, anseios e dores para histórias apaixonantes.

O mesmo aconteceu com o célebre Madame Bovary. O escritor teria se inspirado no tórrido romance que viveu com Louise Collet, casada e mãe de uma adolescente. Muitos afirmam que esta foi a verdadeira protagonista da história. Flaubert, entretanto, despistou, afirmando naquela época: “Madame Bovary sou eu”. O fato é que tanto Collet quanto Ema Bovary foram mulheres à frente do seu tempo.

Na época em que as mulheres ainda estavam proibidas de expressar sentimentos e desejos, desconheciam a participação política, e eram criadas e educadas para serem apenas esposas, mães e donas-de-casa; Ema Bovary seguiu na contramão. Infeliz no casamento, a protagonista escapou da realidade por meio da leitura de romances açucarados. O enredo – divido em três partes – se desenvolve quando a sonhadora dona-de-casa trai o marido em busca da própria felicidade; inadmissível para os rígidos padrões do século XIX.

Ao mesmo tempo em que projetou Gustave Flaubert, o livro também causou grandes problemas ao autor. Após a publicação de Madame Bovary – cujos trechos considerados mais “picantes” foram censurados – na Revue de Paris, em outubro de 1856, o escritor foi processado pela “imoralidade” da obra. O fato é que o livro foi de encontro à ordem burguesa, às suas convenções sociais e à moral católica. Um ano depois, o autor foi julgado, absolvido e teve a obra publicada na íntegra.

Flaubert dedicou-se ainda à finalização de outras obras, mas não conseguiu disfarçar o tédio e a solidão que sentia. Em 1870, com a eclosão da guerra franco-prussiana, ele ansiou pelo “fim do mundo”, como se este fosse o passaporte para libertá-lo daquela vida melancólica. O fato é que os ataques epiléticos que o acompanhavam desde a juventude se tornaram cada vez mais constantes; seus familiares já estavam mortos e só lhe restara a companhia de uma sobrinha e do romancista Émile Zola. Em 1880, aos 58 anos, Gustave Flaubert faleceu.

De acordo com o escritor italiano Ítalo Calvino em Por que ler os clássicos? (Cia das Letras, 1994), um livro só adquire tal adjetivação quando temos a sensação de que já o conhecemos de tanto ouvirmos a seu respeito, embora se revele inédito quando realizamos nossa própria leitura. Madame Bovary é um desses livros que descortinam horizontes inesperados ao leitor, e nos convidam a uma futura releitura.

Emília Pardo Bazán



Emília Pardo Bazán

Emilia Pardo Bazán fue una de las escritoras españolas más eminentes del siglo XIX. Escribió más de 500 obras utilizando una variedad de géneros literarios, aunque se conoce más como novelista. Una de sus mayores contribuciones fue el hecho de propagar el movimiento literario del naturalismo en España, iniciando un gran debate sobre el tema. Pardo Bazán además, fue una de las primeras feministas de su época. Publicó varios artículos en los cuales denuncia el sexismo predominante en España y sugiere cambios a favor de la mujer, empezando con la posibilidad de una educación semejante al que recibía el hombre.
(By: Michelle Wilson, Michigan State University)


Cuentos sacroprofanos

Miguel y Jorge

Encontráronse a orillas de un río del Paraíso, muy azul y muy manso, y
complacidos de encontrarse, a un mismo tiempo se pararon y se saludaron
cortésmente, mirándose con singular gozo. Y a fe que los dos tenían que ver, y
aun en qué regocijar la vista.
Miguel llevaba descubierta su cara imberbe, de facciones enérgicas y finas, de
tez blanca y sonrosada como la de una linda doncella. La alzada visera del yelmo
resplandecía sobre su frente como una diadema, y los rubios cabellos en bucles
serpentinos y elásticos, flotaban acariciando el cuello de marfil, que no tapaba
la escotada gola de acero nielado de oro. Su ceñida loriga de escamas de plata
señalaba con hermosas líneas las formas vigorosas y exquisitas de un gallardo
torso. Las puntas de su banda de crespón carmesí, recamada de perlas se anudaban
al costado y caían hasta la pierna desnuda bajo el rico faldellín. Dos gruesos
topacios abrochaban la tobillera de sus sandalias y su puño derecho luciendo la
valiente musculatura, afianzaba una lanza de bruñido fresno, con flecos de seda
en torno de la moharra aguda y terrible. Las fuertes alas del arcángel eran de
la pluma más suave y blanca, pero hacia la extremidad se teñían de viva púrpura,
como si se hubiesen humedecido
en sangre de los enemigos de Dios.
Jorge no tenía alas. Era un hombre, un grave guerrero, hermoso a su manera,
digno de la franca admiración con que le miraba Miguel. Alto y membrudo, llevaba
con marcial desembarazo, y como si no advirtiera su peso, el arnés entero de
batalla, de coraza bombeada, añadido de brazales, rodilleras, quijotes, grebas,
gorguera y yelmo, todo labrado a la milanesa, historiado, cincelado y
deslumbrador. Al andar, las piezas de la armadura se entrechocaban y exhalaban
un sonido vibrante y metálico. Airoso penacho de plumas coronaba el casco, que
tenía por cimera un endriago de esmalte verde. El rostro de Jorge respiraba
ardor y lealtad: pálido, de garzos ojos, una puntiaguda barba castaña lo hacía
más varonil.
-¡Oh, Jorge, príncipe batallador! -dijo por fin el arcángel sonriendo
dulcemente-. ¡Cuánto me place haberte encontrado! Ven, acompáñame, si es que
alguna orden de nuestro rey no te lo prohíbe.
-Libre estoy y tiempo me sobra -respondió Jorge-. A poco más mi armadura se
cubrirá de orín, y mi brazo no sabrá botar la lanza, ni descargar el fendiente
mis puños. Ya he colgado el escudo del árbol de las Hespérides, y los inocentes
angelitos, los muertos en edad temprana, se divierten en herirlo para oír el
sonido claro y agudo del acero.
-Aún te invocan, Jorge -declaró con respetuoso acento Miguel-. Aún tu imagen
ecuestre, en actitud de hundir el lanzón en la garganta del escamoso drago, se
ostenta sobre pechos ilustres. Aún tu nombre se pronuncia con fe, para que
detengas en su camino a la tarántula inmunda y venenosa, y la paralices hasta
que sea aplastada. Contra todo lo vil, lo asqueroso, lo repulsivo, Jorge, a ti
te llaman.
Departiendo así habían llegado a una gruta que abría su boca en un remanso del
celeste río. Polvo de plata tapizaba el suelo y a trechos abrían sus cálices los
gladiolos y se erguían las espadañas, semejantes a hoja de espada desnuda.
Las prismáticas estalactitas centelleaban como diamantes, y un manantial
límpido ofrecía sus aguas deliciosas a los dos héroes, que al beberlas después
de las batallas habían recobrado mil veces fuerzas y valor. Jorge no quiso
beber, ¿para qué?; pero Miguel absorbió en el hueco de su mano un trago copioso.
Después se sentaron en un trozo de cristal de roca, diáfano y puro como el aire.
-Ya sé -dijo Jorge pensativo- que me han hecho patrono de los caballeros y que
es uso entre la gente poderosa y desocupada llevar una medalla fina con mi
efigie en la cadena del reloj. Hasta las mujeres la lucen en brazaletes y dijes,
broches y agujas. Ya sé también que me recuerdan cuando se desliza por la pared
la medrosa sombra de la negra y velluda araña, a la cual mi nombre tiene la
virtud de dejar inmóvil, encogida de pavor. Pero bien sabes, caudillo
invencible, que entre todos ésos que ostentan la medalla de San Jorge no hay
ninguno digno de ser recibido en la estrecha Orden de la caballería andante.
¡Digno de ser recibido! ¡Merecedores de ser expulsados casi todos!... ¿Cuál de
ellos ha guardado castidad, palabra y honor? ¿Cuál ha amparado al huérfano,
respetado a la doncella, protegido a la viuda, deshecho entuertos, atemorizado a
follones y malandrines? ¿Cuál ha acometido sin temer, sin flaquear; sufrido
hambre, sed y fatiga, despreciando la materia por seguir
incesantemente la luz misteriosa del ideal? Príncipe Miguel, mi misión en la
tierra ha concluido; mi espada puede romperse en dos pedazos, mi brillante
armadura enmohecerse; ya nadie sigue mis pasos aplastando al eterno dragón de la
maldad y de la vileza. En el garito infame he visto gente que ostentaba mi
medalla caballeresca, y la he encontrado con horror, sirviendo de membrete de un
papel perfumado con el odioso almizcle de las mujeres perdidas...
Miguel escuchaba a Jorge atentamente, serio y grave, el lindo rostro sonrosado
como el de una doncella. No podía negar que las aseveraciones del gran príncipe
eran fundadas. En efecto, las costumbres y los ritos de la caballería iban
desapareciendo del mundo.
Volvióse por fin hacia Jorge, y con aquella tierna reverencia que demostraba
él, espíritu puro e inmortal, al que sólo un mortal había sido en su vida
terrena, dijo en voz más sonora y melodiosa que el ruido de la fuente de cristal
cayendo en el pilón formado por las brillantes agujas de la roca:
-Tú puedes ya, príncipe, descansar en tu gloria. Para ti, lo más bello del
mundo: los recuerdos, las torres góticas con bizarras almenas, las fortalezas
que antes que rendidas abrasó el incendio, los vidrios de colores donde campea
arrogante el heráldico blasón, las ejecutorias en que narran altos hechos el
fino pincel del miniaturista, los viejos romances que entonaron los juglares y
los troveros, las tumbas silenciosas donde duermen los que fueron invictos
capitanes y caballeros sin miedo y sin tacha. Envaina la espada si quieres; yo
no puedo. Los tiempos de la caballería pasaron; los del Espíritu Santo no pasan
nunca.
Al hablar así, Miguel se volvió hacia la entrada de la gruta, en la cual
acababa de aparecerse un soldado de sus milicias, un ángel de cuerpo tan
transparente y fluido, que al través de él se veía el río, como se ve un trozo
de cielo azul a través de una argentada nube.
-Ya me llaman -exclamó Miguel levantándose, requiriendo la lanza, que había
dejado arrimada a la pared de la gruta, y embrazando el escudo de diamante que
le presentaba el angélico escudero-. Bajo a la Tierra. Lucifer me pide batalla
ahora, y dispara contra mí proyectiles hasta hoy no usados; sus armas son
acuñadas monedas, y si no acudo, la pobre Humanidad sucumbiría, porque esta
batalla es más recia que ninguna.
-¿Quieres que te siga, que pelee a tu lado? -preguntó con ansia Jorge, cuyas
narices se dilataban y cuyos ojos chispeaban llenos de marcial fiereza.
-No, príncipe -respondió el arcángel, sonriendo-. ¡La táctica ha variado tanto
desde que lidiabas tú! ¡Sé que sufrirías mucho si bajases a la tierra, patrón de
los caballeros!



Cuentos de Marineda
En el nombre del Padre…
de Emilia Pardo Bazán


[editar] En el nombre del Padre...

A principios de este mismo siglo, que ya se acerca a su fin, algo después que echamos al invasor con cajas destempladas, y un poco antes que se afianzase, a costa de mucha sangre y disturbios, el hoy desacreditado sistema constitucional, había en la entonces pacífica Marineda cierto tenducho de zapatero, muy concurrido de lechuguinos y oficialidad, por razones que el lector malicioso no tendrá el trabajo de sospechar, pues se las diremos inmediatamente...

Llamábase el maestro de obra prima Santiago Elviña, y sería la más gentil persona del mundo si no adoleciese de dos o tres faltillas que, sin desgraciarle del todo, un tantico le afeaban. Eran sus ojos expresivos y rasgados; pero en el uno, por desdicha, tenía una nube espesa y blanca que le impedía ver; y su tez fuera de raso, a no haberla puesto como una espumadera las viruelas infames. El cabello (que en sus niñeces es fama lo poseyó Santiago muy crespo y gracioso) había volado, quedando sólo un cerquillo muy semejante al que luce San Pedro en los retablos de iglesia. Y aun con todas estas malas partes ostentaría el zapatero presencia muy gallarda, a no habérsele quedado la pierna izquierda obra de una pulgada más corta que la derecha y estar el pie correspondiente a la pata encogida algo metido hacia adentro y zopo. Hasta se asegura que de este defecto se originó la vocación zapateril de Santiago, puesto que necesitaba calzado especial, con doble suela de corcho, y por deseo de calzarse bien dio en aprender a calzar a los demás con igual perfección y maestría.

Porque, eso sí, de las manos y de los brazos no solamente no era zopo Santiago, sino tan listo y bien dispuesto, que no había forma que se le resistiese ni labor que no sacase acabada y primorosa. Así contorneaba el menudo chapín de tabinete negro que lucía en Semana Santa la mujer del comandante de armas o la sobrina del deán, como batía la fuerte suela de las recias botas de soldados y marineros. Daba gusto ver un par de calzados en el instante crítico en que Elviña, extrayéndolo de la hormaza, lo alineaba juntándole las punteras, y, echándose hacia atrás, se recreaba en contemplar el brillo charolado, la limpieza de los puntos, la pulcritud del encerado reborde de la suela y, en fin, todos los detalles que hermosean una obra maestra de zapatería.

Pero no le sacasen de su oficio al buen Santiago; fuera de la habilidad pedrestre no se buscase en él otro mérito ni señal de agudeza, discreción, ingenio, oportunidad o donaire. Había nacido llano de entendimiento, pobre de espíritu, crédulo en demasía, más que por necedad y simpleza, por candidez y bondad de corazón; era su confianza en el género humano tan extremada, que, si teniendo manos de oro para su oficio no estaba ya rico, había que atribuirlo a los infinitos pufos y chascos que le costaba su ingenuidad inverosímil; y sería cuento de nunca acabar citar nombres de personas descaradas que andaban por Marineda, calzadas de balde a cuenta del seráfico Elviña. Y es lo bueno que, si alguien le daba matraca sobre el asunto, respondía moviendo la cabeza (pues era, aunque tan infeliz, unas miajas terco y tozudo):

-Pues si me debe los escarpines peor para él. En el otro mundo tendrá que pagármelos con réditos. Sobre su alma van. A no ser que el infeliz no tenga; que entonces... Al que no tiene, el rey le hace libre. Allá arriba hay quien lleve cuentas... ¡y bien justas!

Con su cutis de criba, su nube en el ojo, su cabeza pelada y su pata coja, Santiago consiguió la dicha de encontrar una esposa no solo ejemplar, sino de harto buen palmito y más que medianas entendederas comerciales. Bajo su dirección prosperó la casa, creció el modestísimo peculio, hubo aseo en la tienda, y en el hogar, paz y abundancia. La zapatera discernía de parroquianos, dirigía la venta y entrega del género y precavía las inocentadas del marido, cobrando a toca teja. Convencida de la edad moral de su esposo, se había erigido en su protectora y solía decir:

-¡Qué sería sin mí de este «pobriño»!

La dura suerte quiso que pronto conociese Santiago cuánto perdía al faltarle el numen tutelar... Murió la esposa dando a luz una niña..., y Santiago quedó solo y con el quebradero de cabeza de sacar adelante a la rapaza.

Ésta -que se llamaba Margarita- se crió de milagro; el padre la alimentó con vasitos de leche y sopas, ayudado de las vecinas compasivas, que eran todas en aquel barrio del Jardín, y jugando con recortes de suela, retazos de cordobán, leznas y martillos, la muchacha creció; fue espigando, formándose, engruesando, echando carnes y lozaneando lo mismo que albahaca en tiesto o rosa en rosal. Si entonces se conociesen el poema de Goethe y la ópera de Gounod, no faltaría quien encontrase poética semejanza entre la amante de Fausto y la no menos humilde Margarita zapateril, porque ésta tenía como aquélla el pelo rubio lo mismo que el oro, el aire modesto y jovial a la vez. No era delgada ni pálida, sino fresca y mórbida, como suelen ser las hijas de Marineda; fina pelusa suavizaba su tez; sangre juvenil y pura coloreaba sus mejillas, y sus ojos verdosos y límpidos eran como dos «pocitas» de agua de mar en que se refleja el cielo.

¿Vas comprendiendo, sagaz lector, por qué estaba tan concurrida de oficiales y lechuguinos la tienda del buen Santiago Elviña?

Al llegar a la edad en que la niña se transformaba en apetecible mujer, Margarita había descubierto, sola y sin ayuda ni consejo de nadie, el secreto de realzar la belleza con inocentes y baratos artificios, como el artístico peinado, la flor en el corpiño, el zapato bien hecho (tenía la fábrica en casa), el vestido de pobrísimo «guingán» o «zaraza», cortado con gracia y adornado... por la hermosura de quien lo vestía. Sin más arte ni más dispendios, Margarita era un sol, y casi me parece ocioso advertir que su padre la contemplaba, a hurtadillas, con pueril orgullo.

Y verán ustedes la composición de lugar que hizo para sí el zapatero: «Todos dicen que mi hija es muy bonita y muy preciosa. ¡Vaya si lo es! No dicen sino la verdad. Aún se quedan cortos, porque vale más que lo que piensan; como que reúne a esa belleza física otra cosa preferible: el genio de una santa y mucha alegría y mucho despejo, e igual disposición que su difunta madre para el gobierno y arreglo de la casa y el manejo de los cuartos. Como al mismo tiempo es tan buena y tan religiosa, ya sé yo que no tendrá un mal pensamiento ni una acción liviana. Reunida su fama de hermosa a su fama de honesta, no será ningún milagro que se prende de ella un señorito..., y si no un señorito, por lo menos un artesano acomodado, como Nicéforo el ebanista, que tantas vueltas anda dando alrededor de mi tienda. El que se enamore de ella, ¿qué ha de hacer sino venir inmediatamente a pegar conmigo y decirme: "Señor Santiago, yo quiero a Margarita, y esto, y esto, y lo otro?" Y yo ¿qué he de contestar? "En siendo ella gustosa..., esto y aquello, y lo de más allá". Y a la iglesia..., y al año, nietos».

Muy orondo vivía con semejantes esperanzas Santiago Elviña. Nunca había tenido tanta ni tan lúcida parroquia. Toda la oficialidad de la guarnición puede decirse que se surtía allí, en términos que fue preciso tomar aprendices y velar muchas noches hasta las doce y la una. Los militares pagaban al contado, no regateaban nunca; alababan el género y, por añadidura, decían a Margarita cosas de miel. Santiago estaba prendado de tal clientela.

Uno de los mejores clientes era francés, y se llamaba Armando Deslauriers, maestro de armas del regimiento de Borbón. Tenía este tal muy arrogante muslo y pierna, y gustaba de realzarla cuando salía a caballo por las tardes, con ciertas botas de montar de arrugado charol, que, según decía, nadie sabía hacer en España sino Santiago. No era la bien trazada pierna el único atractivo que realzaba al profesor de esgrima; podía envanecerse y alabarse de unos bigotes castaños, lustrosos de cosmético, un cuerpo ágil y estatuario, que el diario ejercicio del florete volvía más airoso, y, en el ramo de indumentaria, preciarse de una colección de látigos con puño de plata, calzones de punto, corbatas flotantes y dijes de reloj en extremo caprichosos, todo lo cual hacia a Armando Deslauriers muy peligroso para el mujerío marinedino de cualquier estado y condición: señoras y artesanas, dueñas, casadas y doncellas. Hay que añadir que la profesión de Deslauriers infundía cierto terror a padres, maridos, hermanos y novios.

Como íbamos diciendo, el guapetón maestro de armas dio en aficionarse a las botas que fabricaba Elviña, y no pasaba momento sin que viniese a indicar alguna reforma o mejora en las que poseía o a examinar cómo marchaban las que el zapatero tenía en obra. Ya era un pespunte más apretado, ya un forro media pulgada más alto, ya la borla que se había estropeado y hacía falta una nueva... Cada episodio de este género daba pretexto a Deslauriers para divertir largos ratos en la zapatería, sentado sobre una silla medio desvencijada, charlando y refiriendo, con labia y acento francés, si bien en muy inteligible castellano, anécdotas de la guerra, cuentos chistosos, que hacían reír de bonísima gana a Elviña...

De pronto, pareció como si Deslauriers les hubiese perdido todo el cariño a sus botas de montar. Corrieron días, días y días..., y ni asomó por la tienda. Santiago no paró la atención en tal fenómeno, porque otro gravísimo para él le absorbía y preocupaba. Margarita estaba enferma, muy enferma.

¿Y de qué? ¡Vaya usted a averiguarlo! ¡Vaya usted a saber por qué una mocita de dieciséis o diecisiete adelgaza, rehúsa la comida, se vuelve más amarilla que un limón, tiene siempre ojos de llorar y cara de morir, se encierra en su cuarto y se pasa el día echada sobre la cama o sentada en un rincón oscuro, caídos los brazos, caída la cabeza, sin responder cuando le hablan y sin decir, por más que la acosen y pregunten, ni qué le duele, ni el origen de su mal!

Así razonaba Santiago Elviña y así contestaba a las vecinas que, en distintos tonos, preguntaban noticias de la muchacha o comentaban su retraimiento... Un día, casualmente, fue el zapatero a confiar sus pesares a la madre del ebanista Nicéforo, aquel pretendiente asiduo de Margarita, que un año antes le rondaba la calle sin descanso. La comadre callaba, rascábase el moño con las agujas de hacer media. Por último, respondió a las lamentaciones de Elviña, pero con palabras truncadas y reticentes.

-Y usted qué quiere, señor Santiago... Las muchachas que son... así... piensan que el mundo es ancho y que no hay más que divertirse y campar... Les gustan los señoritos de bigote retorcido, los que gastan espuelas y trotan a desempedrar la calle... Desprecian a los artesanos honrados, a los hombres de bien, que las pretenden para casarse y hacerlas reinas de su casita... y se van con esos tunantes que están hartos de burlarse de todas... ¡Ya se ve!... Luego, las chicas se tiran de las orejas, ¡y las orejas no les sangran!

Digna era la cara de Santiago, en aquel momento, del pincel de un gran artista. Creo que hasta el ojo tuerto despedía chispas y lumbres.

-¡Señora Clara! ¡Señora Clara! -tartamudeó..., y de pronto, recobrando habla expedita y el uso de sus potencias, gritó con tal fuerza que se asustó a sí propio-: ¡Embustera! ¡Embustera!

-¡Embustero usted! -replicó la mujer, furiosa, levantándose como una sierpe-. ¿Nos querrá dar la papilla de que no sabe la verdad? A los tontos con eso..., que aquí no nos chupamos el dedo, señor Santiago. ¡Y ya que habla tan gordo..., ha de oír! He de decir que estamos hartas las madres de familia del mal ejemplo de su hija y de verla escandalizando el barrio con el demontre del franchute allá por los bancos del Jardín a las doce de la noche. ¡Valiente «cara lavada»! Aquellos paseos, ¿en qué quería que acabasen? Vaya preparando -añadió con ironía sangrienta- pañalitos para lo que salga... De aquí a siete años, aprendiz nuevo en la zapatería...

Santiago no contestó. Afonía completa. Su garganta no podía formar sonidos. De pronto se llevó las manos a las sienes y partió corriendo, con toda la rapidez que consentía el pie lisiado. Entró en su casa lo mismo que un obús, y subió derecho al cuarto de Margarita...

Se ignora lo que hablaron hija y padre, aun cuando puede deducirse de los consiguientes sucesos. Cosa de una hora después de la conferencia, Santiago se puso camisa limpia, sacó del fondo del arca la ropa dominguera, se calzó un par de botas nuevas chillonas y, metiendo mucho ruido con suela y tacones, se dirigió desde su morada al cuartel de Borbón, situado detrás del Jardín. Preguntó por el maestro de armas «señor Delorié» y le hicieron pasar a un cuarto, donde el francés bebía y fumaba en compañía de varios oficiales.

Al pronto nada vio el ofendido padre, tal era de espeso el humo de tabaco allí; pero no tardó en columbrar, al través de la niebla, a su ofensor, que se adelantaba copa en mano.

-Hola, señor Elviña... Qué agradable sorpresa, señor Elviña... Usted por aquí... ¡Qué honor tan grande!... Siéntese y acepte un sorbito de ron.

Aquella acogida dejó suspenso al zapatero. Conoció que solo ver el rostro del francés le hacía temblar de ira, y que otra vez le era «imposible» hablar. Maquinalmente aceptó la copa de ron, y maquinalmente se la echó al coleto... Los hombres sobrios disponen de un recurso más que los intemperantes. El ron soltó inmediatamente la lengua de Elviña.

-Tengo que decirle a usted... -pronunció en tono categórico-; pero aquí, no; ha de ser a solas.

-¡Oh! ¡A solas nada menos! -contestó el francés remedándole-. ¡Y para qué, señor! Todos saben aquí el objeto de su venida. ¡Nadie ignora que yo he «derogado» diciendo cuatro chicoleos a la señorita Margarita..., y usted y ella pensaban de tenerme cautivo! Y, a propósito, ¿cómo está? ¿Siempre tan jolie? Preséntele usted mis cumplimientos...

Santiago se sintió temblar nuevamente. Sus dientes castañetearon..., ¡y no era de terror!...

-Otra copa de ron -contestó, alargando la mano.

Los oficiales se agruparon ya en torno de él, celebrando con risotas y bromas la escena. Elviña apuró el licor, y sintió que le encendía las entrañas.

-Ya que no quiere usted hablar a solas, hablaré delante de todos. Me es igual. No ha de ser más negro el cuervo que las alas. Vengo a que se case usted con mi hija en el término de veinticuatro horas. Si dentro de veinticuatro horas no se ha casado usted, le mato como a un perro.

Redobló la algazara, y Deslauriers hizo una cortesía irónica.

-Señor Elviña, muy agradecido al honor que usted me dispensa pidiéndome mi blanca mano para su preciosa hija... ¡Y yo sería su marido con la mayor satisfacción!... Pero tengo hecho un voto... ¿no se dice así?, de castidad...; ¡vamos!, de permanecer doncello.

Aquí las risas de los circunstantes fue tan ruidosa, que hizo retemblar los sucios cristales de la estancia. Santiago calló, apretó los dientes, cogió la botella de ron, llenó otra copa, bebió otro sorbo, y de improviso, sin chistar, alzando la diestra, se arrojó sobre el maestro de armas... Diez o doce brazos se interpusieron entre él y Deslauriers, no tan a tiempo que la mano del zapatero no hubiese rozado ya ligeramente la sien de su enemigo. Al verse sujeto, por reacción impensada y súbita, el zapatero... ¡se echó a llorar, a llorar perdidamente! Y el maestro de armas, que había contraído las cejas cuando se viera amenazado de un bofetón, al oír los sollozos del padre se aproximó a él, no sin dirigir antes expresivo guiño a los oficiales que le cercaban.

-¡Oh! ¡Señor Elviña! ¡Oh! Usted me ha ofendido gravemente... Usted me ha levantado la mano... Esto es muy serio, ¡ah!, entre gentilhombres... Sean testigos, señores, de la ofensa. ¡El señor Elviña me debe una reparación! Una reparación en el terreno del honor... ¡Ah!

-¿Oye usted, Elviña? ¡Que le debe usted una reparación al señor Deslauriers!

-¿Reparación? -balbució el zapatero sin comprender, con voz mojada en lágrimas.

-Sí... Que tiene usted que batirse.

-¿Batirnos? -contestó el padre-. ¡Claro que nos batiremos! ¡Había de quedar así! Ahora, sin tardanza... Salga usted ahí fuera... porque aquí me sujetan todos.

-¡Oh! No lo entendemos lo mismo, señor Elviña... No ha de ser una cachetina vulgar, sino un lance como entre caballeros. El honor lo exige.

-¿Y no me sujetarán los brazos? ¿No se meterán en medio estos señores? -gimió el mísero.

-¡Sujetar los brazos! ¡Cómo se entiende! ¿No le digo que se trata de un lance de honor?

-Pues corriente... ¡Vamos allá! De cualquier modo...

-No, no; ahora no; no conoce usted las leyes de la cortesía, señor Santiago... Los lances son de madrugada siempre... Mañana por la mañanita en el Jardín... Estos señores serán padrinos... A las seis le aguardamos. Soy el ofendido y escojo el sable.

-¿Me dan ustedes palabra de no sujetarme? -repitió con desconfianza, asombrosa en él, Santiago Elviña.

Le aseguraron que al día siguiente nadie se colocaría ente él y Deslauriers...

-¡Pues hasta mañana!

-Verán ustedes que bonne farce -dijo el francés cuando el pobre diablo hubo salido-. Cet animal-là no ha visto un sable. Le daré una paliza para que no vuelva a molestarnos..., y luego le traeremos aquí y le emborracharemos con ron..., y le haremos bailar. A fin de que la broma sea completa y que vean que no quiero abusar de su bobería, como él es tuerto yo me vendaré un ojo... Nous allons rire!

..............................

Dígase la verdad aunque redunde en mengua del heroísmo del zapatero: durmió bien poco aquella noche. A las cinco en punto entraba en la capilla de la Angustia a oír misa de alba. Oyóla con devoción; rezó varias Salves y, al salir, la casualidad, o un instinto difícil de explicar, le movió a fijar la mirada en el relieve que campeaba en el frontón de la portadita. Era la Virgen con su hijo muerto en brazos, advocación que se conoce por la Angustia. Santiago recordó a Margarita, a quien había dejado entregada al sueño..., y el único ojo válido se le nubló, con lo cual pudo decirse que no veía.

«Debí beber un trago de ron para tener ánimos», pensaba mientras se dirigía al Jardín.

Ya le esperaban en él Deslauriers y el grupo de oficiales, que al verle llegar, cambiaron codazos y sonrisas. El zapatero, cerrando los puños, iba a embestir contra el espadachín... Los fingidos padrinos le detuvieron. ¡No sabía él el ceremonial de un lance de honor! Pues iban a explicárselo punto por punto... El sable se coge así, se juega asá...

Santiago esperó resignado, abatido, y empezaron los requisitos burlescos. Hubo reparto de sol, cotejo y examen de armas, medición de terreno, todo con gran aparato; luego fue vendado Deslauriers, para que igualasen las condiciones... Despojóse Santiago de la chaqueta; Armando, de la casaca; agarró cada cual su chafarote, y se oyó una voz que decía:

-Atención a la señal.

Los curiosos aguardaban, muertos de risa, el duelo de un maestro de esgrima con un zapatero cojo, que nunca empuñara un arma. Deslauriers, gallardo, risueño en elegante posición de consumado duelista, tenía apoyada contra el suelo la punta del sable...

-¡En guardia! -volvió a gritar el padrino...

Lo mismo fue oírle Elviña que persignarse, exclamando en alta voz:

-En nombre del Padre y del Hijo...

Y correr blandiendo el sable, antes que su enemigo, cubierto un ojo por la venda, pudiese hacerse cargo del inesperado movimiento. Al decir «y del Espíritu Santo», ya la hoja había pasado a través del cuerpo del seductor, que vacilaba un momento, tambaleándose y, abriendo los brazos, caía desplomado a tierra... Un golfo de sangre salía de la herida, formando alrededor del cadáver una especie de laguna roja.


«Nuevo Teatro Crítico», núm. 11, 1891.