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quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Literatura Comparada - Leia com atenção!!

Os Percursos da Literatura Comparada
Paula Alvim Gattás Bara
1. Introdução
Definir a Literatura Comparada é uma tarefa árdua que, na verdade, não leva ao surgimento de conclusões que facilitem compreendê-la. Fundamentar sua metodologia, seus objetivos e seu objeto de estudo, enfim, o campo da disciplina Literatura Comparada cria inúmeras divergências uma vez que não há uma unanimidade entre os estudiosos do comparativismo. A dificuldade de definir seus fundamentos dá-se, também, pelo fato de que esta disciplina não seja imutável; ela muda, constantemente, tanto no tempo quanto no espaço, o que corrobora sua tendência de ajustar-se aos métodos críticos literários que entram em cena no século XX.
O surgimento da Literatura Comparada coincide com o da própria literatura1. Como seu objetivo primário é confrontar duas ou mais literaturas, bastou que elas emergissem para o comparativismo manifestar-se. Portanto, o nascimento das literaturas grega e romana é também o marco do nascimento da Literatura Comparada.
Apesar de ter despontado há milhares de anos, a Literatura Comparada surge como disciplina e de uma maneira sistematizada no século XIX e num contexto europeu. Ela visa a estabelecer a influência entre autores, servindo de instrumento para mostrar a força de um país sobre outro. Do século XIX até meados do século XX, o vocábulo que melhor define a Literatura Comparada, isto é, sua palavra-chave, é influência, pois ela representa uma ferramenta de afirmação de um país e de culturas nacionais.
A partir dos anos 50 e 60 do século passado, René Wellek ajuda a estruturar a Teoria da Literatura como disciplina e introduz uma ruptura com o comparativismo tradicional. Esse estudioso propõe que a Literatura Comparada represente uma leitura profunda de um texto sem levar em conta somente fatores que lhe são extrínsecos, ou seja, ele atribui ao contextualismo, que é tão importante para os comparatistas que o precedem, menos importância.
Nos dias atuais, a Literatura Comparada vem ampliando o âmbito de sua pesquisa, fazendo com que o lugar do texto literário na sociedade possa ser revisto. Sem o viés tradicional, passa-se a estudar a relação entre literatura e vida cultural, outras artes e seu público.
Enquanto que em seus primórdios a Literatura Comparada encontra-se muito ligada ao nacionalismo, criando relações de submissão cultural, atualmente baniu-se o vocábulo “influência” de seu léxico, deslocando sua atenção para um campo de estudo muito mais abrangente, o qual rompe com fronteiras culturais e busca firmar, ao invés de um confronto entre obras e autores, referências que o texto literário cria a partir de um ponto de vista internacional.
Este trabalho tem como objetivo traçar um perfil sucinto da disciplina Literatura Comparada desde o século XIX até os dias de hoje. Procurar-se-á estabelecer as características peculiares a certas correntes comparatistas, buscando um confronto entre elas em cima de seus aspectos, de seus discursos críticos e dos questionamentos que propõem.
Sabendo-se da dificuldade de definir a Literatura Comparada, o presente estudo não busca defini-la e sim estabelecer sua evolução através do tempo, do espaço e das novas teorias literárias que surgem a partir do século XX.
2. A Literatura Comparada no continente europeu
O século XIX, diante de uma visão cosmopolita, incitou o encontro de vários intelectuais europeus, os quais sentiam uma necessidade de estar em contato com literaturas estrangeiras. A Literatura Comparada foi inserida nas universidades francesas, a partir desse contexto, por Abel Villemain, Jean-Jacques Ampère e Philarète Chasles. Este último define em sua aula inaugural o que seria o comparativismo naquela época.
Deixe-nos avaliar a influência de pensamento sobre pensamento, a maneira pela qual povos transformam-se mutuamente, o que cada um deles deu e o que cada um deles recebeu; deixe-nos avaliar também o efeito deste perpétuo intercâmbio entre nacionalidades individuais (…)2
Pode-se perceber que a palavra que traduz a concepção comparativista do século XIX é “influência”, havendo uma forte razão para sê-lo, uma vez que foi justamente nesse período que muitos países europeus se firmaram como nações e buscavam identificar suas raízes culturais. Com o alvo no estudo de fontes e influências, estabelecendo, portanto, filiações, isto é, uma relação de paternidade entre obras literárias, ou desviando um pouco o foco de atenção para vinculação dos estudos comparados com uma perspectiva histórica, a Literatura Comparada seguiu através de inúmeras vozes como de Gustave Lanson e de Emile Fauguet até a década de 1930, quando entrou em cena Paul Van Tieghem.
Em 1931, ele publicou La littérature comparée, revelando sua tradição historicista nos estudos comparados e estabelecendo a Literatura Comparada tanto como ramo da Literatura Geral quanto da historiografia literária. Paul Van Tieghem tem como objeto o estudo das diversas literaturas em suas relações entre si, como se ligam umas às outras na forma, no conteúdo, no estilo. Criando uma tríade, ele estabeleceu diferenças entre Literatura Nacional, Literatura Comparada e Literatura Geral.
Paul Van Tieghem foi o precursor da “escola francesa”, cuja metodologia baseia-se em três elementos: o emissor (ponto de partida da passagem de influência), o receptor (ponto de chegada) e o transmissor (intermediário entre o emissor e o receptor). Essa tendência mostrou-se muito contextualista uma vez que sua preocupação primordial não é a estrutura interna do texto, e sim o contexto que o envolve. Em Crítica Literária, História Literária, Literatura Comparada, Van Tieghem revela a pertinência que tem o contexto, no caso o emissor, em uma análise comparativista:
Aquela obra, aquele conjunto de obras que você leu com interesse, examinou e julgou, qual foi a sua origem, o que as ocasionou, qual o seu destino, em resumo, sua história? Este escritor que lhe agrada, como foi sua carreira, breve ou longa, brilhante ou obscura, abundante em publicações ou marcada por um único livro que é uma obra-prima? Sob que influências se formou, como se desenvolveu seu talento, que relações manteve com alguns de seus contemporâneos dos quais você leu certas produções? 3
No início do século XX, o poeta francês Paul Valéry deu cara nova ao conceito de influência literária, renovando as definições do comparativismo. Para ele, a dependência entre autores se dá como fonte de originalidade e não como imitação, sendo uma “intrusão do novo na criação”4. Valer-se-á diretamente de sua formulação sobre a influência para melhor compreendê-la: “ocorre que a obra de um recebe no ser do outro um valor totalmente singular, engendrando conseqüências atuantes, impossíveis de serem previstas e, com freqüência, impossíveis de serem desvendadas”5.
Valéry explica a influência recorrendo à psicologia, uma vez que o método objetivo de pesquisa de filiações e de causalidade por ele é abandonado, atribuindo ao conceito em questão um caráter emocional. Suas idéias sobre originalidade também são muito interessantes, pois isso se trata de assimilação, ou “caso de estômago”, segundo suas próprias palavras. A fronteira entre originalidade e plágio pode ser estabelecia através de como se digeriu a influência exercida por outros, sendo definida a partir da ação de uma obra sobre o escritor que a ela está exposto. Resumindo, a influência é um dos princípios fundamentais para a gênese de uma obra literária.
Na Inglaterra, T. S. Eliot também refletiu sobre os conceitos de influência e originalidade, gerando seu ensaio “Tradição e talento individual” e introduzindo conceitos que repercutiram nos estudos de Literatura Comparada. Segundo Eliot, tradição não é reprodução, e sim uma representacão dialética que envolve um senso histórico que permeia pelo passado e presente.
Nenhum poeta, nenhum artista, tem sua significação completa sozinho. Seu significado e a apreciação que deles fazemos constituem a apreciação de sua relação com os poetas e os artistas mortos. Não se pode estimá-lo em si; é preciso situá-lo, para contraste e comparação, entre os mortos. Entendo isso como um princípio de estética, não apenas histórica, mas no sentido crítico. É necessário que ele seja harmônico, coeso, e não unilateral6.
Originalidade seria, para este poeta, algo capaz de modificar a ordem existente, pois uma obra inovadora possibilitaria uma visão distinta até mesmo das outras obras que a precederam, renovando a tradição.
Também indo contra a concepção de influência e a superioridade da literatura de países da Europa Ocidental que esse vocábulo denotava, René Etimble critica a postura chauvinista e nacionalista da Literatura Comparada estabelecida pela “escola francesa”, inclinando-se para as idéias de René Wellek, que tem outra concepção de comparativismo como ver-se-á no próximo item. Etimble defende uma tendência anti-historicista e propõe que dois métodos tradicionalmente incompatíveis _ a investigação histórica e a reflexão crítica _ sejam combinados a fim de desenvolver uma poética comparada. Sua grande contribuição está na crítica que faz da hegemonia de países como França e Inglaterra, garantindo igual importância às “pequenas literaturas”, como a asiática, pois, para esse estudioso francês, qualquer literatura pode influenciar ou ser influenciada.
A partir da década de 1960, estudiosos do Leste Europeu ganharam voz e passaram a propagar suas idéias acerca da Literatura Comparada. Surge então Victor M. Zhirmunsky, que passou a considerar fatos literários independentemente de sua gênese e de seu contexto histórico, encarando a literatura a partir de um sistema de analogias tipológicas, ou importações culturais, que nada mais eram que outra forma de designar influência.
Este item se encerra com uma breve alusão à teoria da intertextualidade formulada por Julia Kristeva em cima da teoria do dialogismo concebida pelo formalista russo Bakhtin e à Estética da Recepção, dos alemães Iser e Jauss. A pertinência desses estudiosos se dá pelo fato de que, a partir de suas concepções, os conceitos de fonte, influência e originalidade se renovaram.
Bakhtin se preocupa com a idéia de que o texto literário não possui apenas uma voz. Na verdade, o texto é atravessado por diversas vozes, tanto direta quanto indiretamente, o que gera pontos de vista diferentes. A partir dessa idéia, Julia Kristeva cunha o termo intertextualidade, que seria o dialogismo aplicado em relação a textos diferentes. Aqui, a palavra-chave passa de influência para referência, uma vez que todo texto faz referências literárias e tem uma matriz que o precede. Portanto, usando as palavras de Kristeva, todo texto é um “mosaico de citações”, isto é, “o texto literário é uma rede de conexões”7. A importância da intertextualiade para a Literatura Comparada encontra-se na questão que o intertexto é inerente à obra e não um processo genético.
A estética da recepção também é uma teoria literária absorvida pelos comparatistas. Nos anos 60, Wolfgang Iser e Robert Jauss restituíram ao leitor individuale coletivo, seu papel ativo em um texto literário. Contribuindo para a renovação dos estudos de influência
com seu objetivo de substituir a historiografia literária substancialista, fundada no estudo da obra e do autor, por uma historiografia voltada para o leitor, a estética da recepção abre perspectivas para que a influência já não se explique mais causal e geneticamente de obra a obra, de autor a autor, de nação a nação, mas como resultado complexo da recepção8.
O continente europeu foi o berço da Literatura Comparada, sendo também cenário para sua evolução. Por toda sua extensão, verificaram-se tentativas de defini-la, compreendê-la e estruturá-la. O continente americano também foi sede para importantes lutas para a definição de uma crítica comparatista. Portanto, nos próximos itens, observar-se-á a repercussão e os desdobramentos da Literatura Comparada nos Estados Unidos, assim como na América Latina.

Sequência disponível em : www.ichs.ufop.br/semanadeletras/viii/arquivos/trab/e17.doc

Um comentário:

  1. adorei texto, muito bem colocada as ideias, pois penso que alcançou sua finalidade de esclarecer, e contribuir para um melhor entendimento sobre essa complexidade da Literatura Comparada.

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